Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
— É o tipo de luz que se vê antes de morrer — afirmou Mary Ann.<br />
— Como pode saber? — retrucou Isabelle.<br />
Isabelle, que contara à Sra. Fleming sobre a menina que fora atingida na<br />
cabeça enquanto nosso barco salva-vidas estava sen<strong>do</strong> baixa<strong>do</strong> para a água. Ela<br />
tinha i<strong>do</strong> sentar ao la<strong>do</strong> de Anya Robeson, que por sua vez protestou:<br />
— Não fale nessas coisas! Não faz bem ao menino.<br />
Mas não lhe demos ouvi<strong>do</strong>, e Mary Ann prosseguiu:<br />
— Uma vez minha mãe quase se afogou. Ela depois nos contou que não tinha<br />
a impressão de estar na água; disse que foi como se afogar em luz. Se minha<br />
mãe não foi resgatada <strong>do</strong> naufrágio, espero que tenha aconteci<strong>do</strong> dessa forma.<br />
— Bem, não estamos nos afogan<strong>do</strong> — retrucou a Sra. McCain. — Estamos,<br />
Lisette?<br />
E Lisette, que tinha consciência de suas obrigações, no mesmo instante<br />
concor<strong>do</strong>u com a patroa.<br />
As ondas de luz eram como poças na água: independentes uma da outra, mas<br />
se moviam todas em sucessão na imensidão escura. Deslizavam em grande<br />
velocidade sobre a água, na direção leste (segun<strong>do</strong> Hannah); depois, sem razão<br />
aparente, mudavam o rumo de leste para oeste, a tal velocidade que cada uma<br />
iluminava o barco por uma fração de segun<strong>do</strong> apenas. Já assistíramos a outros<br />
fenômenos luminosos extasiantes, mas aquele parecia inteiramente inexplicável.<br />
O espetáculo inteiro durou cerca de meia hora para então cessar de repente.<br />
A Sra. Grant não disse uma palavra durante to<strong>do</strong> o episódio, mas Hannah se<br />
referiu à luz como uma metáfora para a compreensão, o que me fez pensar no<br />
diácono, que condenava inteiramente o conceito de compreensão. Segun<strong>do</strong> ele,<br />
não nos cabia compreender, e ele comparava todas as coisas terrenas a icebergs,<br />
no senti<strong>do</strong> de que jamais conseguimos conhecê-las por inteiro. Um dia ele<br />
comentou comigo que a fé deveria ser oferecida sem a pretensão de receber<br />
explicações em troca, pois explicações supõem entendimento, e o entendimento<br />
está reserva<strong>do</strong> a Deus.<br />
Mas o diácono se fora, e tínhamos apenas Hannah, que parecia uma<br />
sacer<strong>do</strong>tisa quan<strong>do</strong> se levantou no barco e ergueu as mãos para as faixas de luz e<br />
pediu às forças superiores em que acreditava que fizessem chover bênçãos sobre<br />
nós. Eu não queria dizer isso aos outros, mas meu primeiro pensamento ao ver as<br />
faixas de luz foi que estávamos em meio a uma legião de anjos, que haviam<br />
desci<strong>do</strong> para nos acompanhar até o céu, e que Mary Ann tinha razão em<br />
acreditar que estávamos morren<strong>do</strong>; então, quan<strong>do</strong> ela começou a gritar “Aqui!<br />
Aqui!”, tive certeza de que também acreditava que fossem anjos, até que<br />
alguém mencionou algo sobre o movimento ondulante <strong>do</strong>s refletores de uma<br />
equipe de resgate.<br />
— Estamos salvos! Estamos salvos! — repetia Mary Ann, gritan<strong>do</strong><br />
freneticamente, e quase pulou na água em sua pressa de subir a bor<strong>do</strong> <strong>do</strong> navio