No coracao do mar - Charlotte Rogan

esquerda, e aos poucos percebi a presença maciça da Sra. Grant à minha direita.
Assim, eu me sentia apoiada por esses dois sólidos pilares, na mesma posição que
vira outras mulheres ocuparem ao longo das semanas precedentes, uma posição
cobiçada mas que eu mesma nunca ocupara. Arrisquei olhar para Hannah, uma
parte minha temendo que sua presença fosse fruto de minha imaginação e que
ela desaparecesse assim que eu olhasse, e a outra temendo me apavorar com o
que eu visse. O ferimento, no entanto, estava no lado oposto de seu rosto. Ela
prendera o cabelo em uma trança longa e muito elaborada, e a chama que antes
cintilava em seus olhos deu lugar a um brilho sereno, quase angelical. Dirigiu-me
o que julguei ser um leve sorriso, embora na verdade fosse mais um aperto de
lábios. Imaginei que seu sorriso significasse aprovação ou aceitação, e naquele
momento senti o que deve sentir o homem que derrota um inimigo para o bem
de sua cidade. Todos os meus sentidos estavam intensificados, quase o oposto da
insensibilidade que havia me dominado quando eu me aproximara do Sr. Hardie
poucos minutos antes. Mesmo com minha atenção concentrada em Hannah, de
algum modo eu percebia também a Sra. Grant fazendo o mesmo sinal de
validação, embora eu não saiba explicar como consegui enxergar à direita e à
esquerda ao mesmo tempo. Senti as mãos reconfortantes das duas tocarem meus
ombros e se unirem às minhas costas, e tive a certeza de que elas me
aqueceriam e me aceitariam como haviam feito com tantas passageiras em um
momento ou outro; e compreendi então o que os outros queriam delas, o que
Hannah e a Sra. Grant tinham a dar, pois agora finalmente eu mesma sentia isso.
Fui tomada por um alívio imenso ao mesmo tempo que a leve pressão de suas
mãos aumentava, quase a ponto de me fazer perder o equilíbrio e até assustandome
um pouco, mas então a cabeça de Hardie surgiu na superfície uma última
vez e rompeu nosso breve momento de comunhão.
Voltamos às nossas tarefas com uma espécie de frenesi de limpeza.
Limpamos tudo, baldeamos água, reforçamos as correntes dos toletes dos remos,
enrolamos pontas gastas da corda que usáramos para içar a vela e organizamos
as boias salva-vidas do melhor modo que conseguimos. Não sei se teríamos tido
estômago para repetir com o Sr. Hoffman o embate que acabáramos de travar,
mas quando pensei nele e olhei em volta a sua procura, não o vi. Quando
perguntei por ele com a ajuda de gestos, apontando para os homens e fazendo
parecer que eu os contava, as italianas começaram a se lamentar e a lançar
olhares temerosos para a água. O Sr. Preston e o coronel, entorpecidos,
permaneceram calados em seus lugares, e não abriram mais a boca. E o Sr.
Nilsson, que era amigo do Sr. Hoffman, parecia um caçador apanhado por uma
armadilha que ele mesmo instalara e depois esquecera.
Enquanto colocávamos ordem no barco, a Sra. Grant começou a inventariar
nossas provisões. Quando anunciou que estávamos quase sem água, Hannah deu
um grito de alegria e nos apresentou um pacote envolto em tecido oleado, que ela