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No coracao do mar - Charlotte Rogan

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de pé no barco, sem a ajuda de ninguém, face a face com o Sr. Hardie, e não vi<br />

nele o menor resquício de humanidade.<br />

Depois, as engrenagens <strong>do</strong> tempo voltaram a funcionar. Não sei dizer o que eu<br />

estava pensan<strong>do</strong>, nem se estava de fato pensan<strong>do</strong>. Sei apenas que quaisquer<br />

perigos que tivéssemos enfrenta<strong>do</strong> se transfor<strong>mar</strong>am em algo maior e mais<br />

ameaça<strong>do</strong>r, e parecia caber a mim decidir — não o destino <strong>do</strong> Sr. Hardie, mas<br />

se o resto de nós sobreviveria. O rosto de Hannah era horrível de se ver, exangue<br />

à exceção <strong>do</strong> risco vermelho <strong>do</strong> corte, os olhos sem cor, seu cabelo como<br />

serpentes negras. Ela e a Sra. Grant agarraram o Sr. Hardie cada uma por um<br />

braço. Hannah gritou:<br />

— Grace, segure o pescoço deste maldito canalha!<br />

Segurei. Envolvi o pescoço magro de Hardie com as mãos. Estava gela<strong>do</strong><br />

como um peixe, rijo e fibroso, como ossos descarna<strong>do</strong>s. <strong>No</strong> instante em que<br />

agarrei minha presa, senti sua respiração em meu rosto. O cheiro parecia uma<br />

prova <strong>do</strong> que havia em seu interior: apenas morte e deterioração. Apertei-o com<br />

toda a força que consegui reunir; senti a traqueia se mexer sob meus de<strong>do</strong>s e o<br />

pomo de adão palpitar como um coração encaneci<strong>do</strong>.<br />

— Mais força, minha querida — insistiu a Sra. Grant, com sua voz<br />

estranhamente reconfortante.<br />

Ela não tinha a raiva fria nem a histeria delirante da italiana que de novo<br />

cutucava o rosto de Hardie com o osso da asa de um pássaro. O Sr. Hardie tinha<br />

um olhar enlouqueci<strong>do</strong>, e eu sentia me<strong>do</strong> de soltá-lo porque, se o fizesse, ele com<br />

certeza me mataria.<br />

Hannah estava a meu la<strong>do</strong>, alta e imponente, e Hardie parecia encolher-se<br />

diante dela. Senti que meus braços voltavam a ganhava força. Até hoje lembrome<br />

daquela sensação incrível, mesmo que não consiga reproduzir a força em si.<br />

Não sei como mantínhamos o equilíbrio, mesmo com o barco balançan<strong>do</strong><br />

violentamente. Não sei se era o vaivém das ondas ou nosso embate ali dentro que<br />

criava tamanha instabilidade, mas eu tinha a impressão de que as duas coisas<br />

eram manifestações da mesma força vital que precisa existir enquanto os seres<br />

humanos respirarem. O rosto espectral <strong>do</strong> Sr. Hardie aproximou-se <strong>do</strong> meu<br />

quan<strong>do</strong> Hannah e eu o forçamos a ficar de pé. Eu sentia sua barba espetan<strong>do</strong><br />

meu rosto e seu hálito sobrepon<strong>do</strong>-se ao cheiro féti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s pássaros em<br />

decomposição e a meu próprio fe<strong>do</strong>r pútri<strong>do</strong>. As italianas ainda cantavam e<br />

gritavam às nossas costas, e havia alguém curva<strong>do</strong> sobre a figura prostrada —<br />

desmaiada — de Mary Ann, acarician<strong>do</strong> seu cabelo e beijan<strong>do</strong> suas faces. Vi<br />

tu<strong>do</strong> isso, portanto devo ter me distraí<strong>do</strong> de meu alvo por um instante, e foi só<br />

quan<strong>do</strong> ouvi a Sra. Grant gritar meu nome que me virei, a tempo de evitar um<br />

golpe que com certeza teria me manda<strong>do</strong> como uma flecha para dentro <strong>do</strong> <strong>mar</strong>.<br />

— Chute as pernas dele! — gritou Hannah.<br />

Como se fôssemos uma só pessoa, chutamos ao mesmo tempo. Hardie

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