No coracao do mar - Charlotte Rogan

todas as mulheres, exceto Anya e eu, votaram sem hesitação a favor da morte
do Sr. Hardie, enquanto a totalidade dos homens foi contra. Ainda não sei como
eu teria votado se tivessem me forçado a fazer uma escolha. Olhei de relance
para o Sr. Hardie. Ele me dirigiu um olhar fixo e cruel, e naquele momento
minha vontade foi mandar todos para o inferno, cada homem e cada mulher,
cada maldito e insignificante ser humano.
Repito que estávamos enfraquecidos. Mal consigo me lembrar direito do que
se passou, e olhem que eu estava lá. Os magistrados do tribunal parecem
totalmente incapazes de compreender nossas circunstâncias. Como poderiam?
Culpo-os apenas de não entender que não conseguem entender. Minha visão
parecia ressoar, ecoar. Imagens primárias confundiam-se com pós-imagens,
com reflexos luminosos vermelhos e amarelos, com uma mistura distorcida de
rostos, feições e a claridade tênue do sol sobre o mar.
— Resolução aprovada — anunciou a Sra. Grant.
As italianas pareciam ansiosas por algo e meio que paralisadas, como se agora
o caminho estivesse desimpedido para nosso resgate. Mary Ann choramingava
ao meu lado, emitindo pequenos soluços entrecortados. Odiei-a naquele instante.
— Pare com isso! — gritei. — De que adianta gemer assim? Já não basta
termos que ouvir o interminável gemido do vento?
Logo, porém, o desespero de nossa situação desabou sobre mim como uma
daquelas implacáveis ondas verdes. Então abracei-a com força, e assim
permanecemos: com os rostos colados, seu cabelo louro e emaranhado caindo
sobre minhas faces assim como o meu caía sobre as faces dela.
Então o Sr. Hardie deveria morrer. O problema agora era como jogá-lo do
barco. Ele estava encolhido no último banco como o vira-lata que era, mostrando
os dentes amarelos e meio que mordendo o ar.
— Ainda não me pegaram, ainda não me pegaram — rosnou ele, e se a
votação ocorresse naquele momento, dessa vez eu teria erguido a voz e gritado
“Deixem o vira-lata sarnento morrer!”.
O Sr. Hardie pegara a tampa de um dos tonéis de água e agora a mantinha
diante do peito como um escudo. Hannah, que se aproximara com dificuldade,
tentou agarrá-la para abrir caminho, mas não teve força. Na tentativa de impedila
de se aproximar, o Sr. Hardie empurrou o escudo improvisado, com a intenção
de atingi-la, mas seu braço machucado não servia para nada e ele estava tão
enfraquecido que caiu para trás, chocando-se contra a lateral do barco.
— Grace! Mary Ann! — gritou a Sra. Grant. — Ajudem Hannah!
Até hoje não sei por que fui escolhida, mas ela me olhou no seu modo habitual
de avaliação e pronunciou meu nome com voz macia, como se estivesse certa de
minha lealdade. Eu tinha sido a única a não votar, e ocorreu-me que talvez fosse
essa a sua maneira de me envolver, de me fazer votar com atos, ainda que não o
fizesse com palavras. Seu rosto redondo e seus olhos cor de ametista miravam