No coracao do mar - Charlotte Rogan
Ann percebeu que eu os observava. Lembrei-me da noite anterior, quando ela fizera questão de sentar-se junto à amurada do barco e insistira para que eu a acompanhasse, e minha interpretação daqueles fatos começou a mudar. Passei a considerar a possibilidade de que a intenção de Mary Ann fosse na verdade falar em particular com o Sr. Preston, não tendo nada a ver comigo ou com Hannah, embora eu temesse que minha imaginação estivesse correndo solta. Mas os ocupantes do barco começavam a se agitar, e os acontecimentos dos dias seguintes afastariam de minha mente toda aquela questão banal de descobrir as motivações de Mary Ann.
DIA TREZE No dia seguinte à chuva de pássaros, um dos outros barcos salva-vidas reapareceu a distância. Não foi possível saber se era um dos dois que já havíamos visto ou outro, embora Hardie parecesse ter certeza da primeira opção. O Sr. Hoffman estava encarregado de vigiar o quadrante nordeste do oceano e foi o primeiro a avistar o barco, que logo desapareceu de seu campo de visão, por isso durante algum tempo contamos apenas com sua palavra. Naquele momento, a notícia foi recebida como fruto de uma alucinação e não provocou emoção imediata. Houve, claro, uma espécie de sonho coletivo, mas nada que indicasse que as pessoas de fato acreditavam naquilo. O buraco no barco nos deixara em uma situação perigosa, e ainda havia o medo não declarado de, caso o mau tempo voltasse, precisarmos aliviar ainda mais o peso. — Não dá para fazer um remendo, Sr. Hardie? — perguntou a Sra. Grant assim que o sol apareceu no horizonte. — Tenho certeza de que o senhor consegue encontrar uma solução! Entretanto, por mais que ele tentasse vedar o buraco com cobertores, o fluxo de água não podia ser interrompido. — Não se trata de um simples furo. Veja com os próprios olhos como a madeira rebentou. De tempos em tempos, porém, a Sra. Grant voltava à carga: — É claro que o senhor consegue pensar em uma solução. Um homem com sua experiência! Por fim o Sr. Hardie perdeu a paciência e gritou: — Faça a senhora mesma o remendo, então! Dê um jeito nessa droga toda! Fiquei chocada ao vê-lo perder o controle diante de uma simples provocação, sobretudo porque tínhamos nos alimentado no dia anterior e ainda havia pedaços de carne secando sobre a cobertura de lona do barco para o café da manhã. Tentei dirigir para Hannah um olhar inquiridor, mas ela sem dúvida estava mergulhada nos próprios pensamentos e parecia insensível ao que acontecia ao redor, até a Sra. Grant pedir-lhe que distribuísse dois pedaços da carne de pássaro para cada um. Na maior parte do tempo, era o Sr. Hardie o encarregado do tonel de água, mas dessa vez ele murmurou algumas palavras para o Sr. Hoffman, que assumiu a função de fazer a caneca circular. Com tão pouco líquido para umedecer nossas bocas, ficava difícil engolir a carne, e me perguntei se teria valido a pena secá-la. Vi quando Isabelle mergulhou seu pedaço no oceano, mas era evidente que, embora a carne molhada fosse mais fácil de mastigar e engolir, o sal adicional só serviria para ajudar a retirar o precioso estoque de água de seu corpo e aumentar a sede.
- Page 63 and 64: irreversíveis e insondáveis que n
- Page 65 and 66: dar a bênção, e naquela noite Ha
- Page 67 and 68: do que nunca a impressão de que se
- Page 69 and 70: DIAS SETE E OITO Em algum momento d
- Page 71 and 72: transe. Hardie se recusava a coment
- Page 73 and 74: — O senhor nunca gostou dele mesm
- Page 75 and 76: — Acredito que o senhor saiba —
- Page 77 and 78: HENRY A primeira vez que vi Henry f
- Page 79 and 80: ajoelhado à minha frente, até que
- Page 81 and 82: considerei a possibilidade de ele t
- Page 83 and 84: DIA NOVE Na manhã seguinte Lisette
- Page 85 and 86: que, de algum modo indecifrável,
- Page 87 and 88: NOITE As noites eram frias, e quant
- Page 89 and 90: sobre isso que queria falar com Hen
- Page 91 and 92: para o Sr. Hardie ou o Sr. Hardie m
- Page 93 and 94: proprietária de hotéis, esfregava
- Page 95 and 96: Mary Ann. O Sr. Preston ficou extre
- Page 97 and 98: tentou detê-lo. O mais triste dos
- Page 99 and 100: vômito quando isso acontecia, mas
- Page 101 and 102: NOITE Durante a noite a Sra. Forest
- Page 103 and 104: punho fechado na lateral do casco,
- Page 105 and 106: avançar pelo mar. Enquanto o Sr. N
- Page 107 and 108: — Se ele armou alguma coisa — a
- Page 109 and 110: fossem abertos para que pudéssemos
- Page 111 and 112: início mostrara um ar severo e par
- Page 113: Àquela altura, metade do sol já d
- Page 117 and 118: das enormes ondas que cadenciadamen
- Page 119 and 120: com exceção da Sra. Forester, que
- Page 121 and 122: NOITE Naquela noite não dormi, ou,
- Page 123 and 124: DIA QUATORZE Todos estavam estranha
- Page 125 and 126: operações, e agora a Sra. Grant a
- Page 127 and 128: em nós como raios de luz violeta e
- Page 129 and 130: desabou em cima de nós, seu peso f
- Page 131 and 132: encontrara embaixo do último banco
- Page 133 and 134: PRISÃO Neste momento estou sentada
- Page 135 and 136: Reichmann e eu rimos muito desse ol
- Page 137 and 138: que, segundo ela, atravessava a noi
- Page 139 and 140: — Então a seu ver a Sra. Grant r
- Page 141 and 142: conseguir informações e depois re
- Page 143 and 144: A LEI Hoje tive uma audiência pera
- Page 145 and 146: pergunta apropriada, e não vejo co
- Page 147 and 148: — Ao longo desta discussão nos d
- Page 149 and 150: passageiros. — Eu não faria muit
- Page 151 and 152: precisava decidir. Eu só precisava
- Page 153 and 154: se eles estariam resgatando o ouro
- Page 155 and 156: a fonte de sua raiva: eu apenas rep
- Page 157 and 158: Marsh discutira mais de uma vez com
- Page 159 and 160: sob hipótese alguma, pois pode par
- Page 161 and 162: lembrar que, mesmo havendo motivo p
- Page 163 and 164: — Diretamente não — respondi.
DIA TREZE<br />
<strong>No</strong> dia seguinte à chuva de pássaros, um <strong>do</strong>s outros barcos salva-vidas<br />
reapareceu a distância. Não foi possível saber se era um <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is que já<br />
havíamos visto ou outro, embora Hardie parecesse ter certeza da primeira opção.<br />
O Sr. Hoffman estava encarrega<strong>do</strong> de vigiar o quadrante nordeste <strong>do</strong> oceano e<br />
foi o primeiro a avistar o barco, que logo desapareceu de seu campo de visão,<br />
por isso durante algum tempo contamos apenas com sua palavra. Naquele<br />
momento, a notícia foi recebida como fruto de uma alucinação e não provocou<br />
emoção imediata. Houve, claro, uma espécie de sonho coletivo, mas nada que<br />
indicasse que as pessoas de fato acreditavam naquilo.<br />
O buraco no barco nos deixara em uma situação perigosa, e ainda havia o<br />
me<strong>do</strong> não declara<strong>do</strong> de, caso o mau tempo voltasse, precisarmos aliviar ainda<br />
mais o peso.<br />
— Não dá para fazer um remen<strong>do</strong>, Sr. Hardie? — perguntou a Sra. Grant<br />
assim que o sol apareceu no horizonte. — Tenho certeza de que o senhor<br />
consegue encontrar uma solução!<br />
Entretanto, por mais que ele tentasse vedar o buraco com cobertores, o fluxo<br />
de água não podia ser interrompi<strong>do</strong>.<br />
— Não se trata de um simples furo. Veja com os próprios olhos como a<br />
madeira rebentou.<br />
De tempos em tempos, porém, a Sra. Grant voltava à carga:<br />
— É claro que o senhor consegue pensar em uma solução. Um homem com<br />
sua experiência!<br />
Por fim o Sr. Hardie perdeu a paciência e gritou:<br />
— Faça a senhora mesma o remen<strong>do</strong>, então! Dê um jeito nessa droga toda!<br />
Fiquei chocada ao vê-lo perder o controle diante de uma simples provocação,<br />
sobretu<strong>do</strong> porque tínhamos nos alimenta<strong>do</strong> no dia anterior e ainda havia pedaços<br />
de carne secan<strong>do</strong> sobre a cobertura de lona <strong>do</strong> barco para o café da manhã.<br />
Tentei dirigir para Hannah um olhar inquiri<strong>do</strong>r, mas ela sem dúvida estava<br />
mergulhada nos próprios pensamentos e parecia insensível ao que acontecia ao<br />
re<strong>do</strong>r, até a Sra. Grant pedir-lhe que distribuísse <strong>do</strong>is pedaços da carne de pássaro<br />
para cada um. Na maior parte <strong>do</strong> tempo, era o Sr. Hardie o encarrega<strong>do</strong> <strong>do</strong> tonel<br />
de água, mas dessa vez ele murmurou algumas palavras para o Sr. Hoffman, que<br />
assumiu a função de fazer a caneca circular. Com tão pouco líqui<strong>do</strong> para<br />
umedecer nossas bocas, ficava difícil engolir a carne, e me perguntei se teria<br />
vali<strong>do</strong> a pena secá-la. Vi quan<strong>do</strong> Isabelle mergulhou seu pedaço no oceano, mas<br />
era evidente que, embora a carne molhada fosse mais fácil de mastigar e<br />
engolir, o sal adicional só serviria para ajudar a retirar o precioso estoque de<br />
água de seu corpo e aumentar a sede.