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No coracao do mar - Charlotte Rogan

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NOITE<br />

Talvez tenha si<strong>do</strong> um erro comer tanto, pois alguns passageiros tiveram<br />

indigestão. Durante toda a noite ouvimos os sons abafa<strong>do</strong>s das necessidades<br />

físicas sen<strong>do</strong> atendidas. Não tive esse problema, e, à medida que o dia declinava,<br />

a estranha sensação de solidariedade que eu sentira durante a tarde por meus<br />

semelhantes e de conforto no meio deles aumentou. Não sei como definir o<br />

sentimento que se expandia em meu peito a não ser como otimismo, e quan<strong>do</strong><br />

Mary Ann colocou as delicadas mãos sobre meus ombros e me abraçou, retribuí<br />

seu gesto.<br />

Como o Sr. Hardie nos colocara sentadas la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> no primeiro dia, Mary<br />

Ann tinha a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> o hábito de me pedir conselhos. Acredito que essa<br />

aproximação estivesse também ligada à inacessibilidade e à frieza de Hardie,<br />

pois era quase preciso <strong>mar</strong>car uma audiência para falar com ele, e, quanto a<br />

Hannah e à Sra. Grant, as duas eram muito requisitadas como conselheiras, o que<br />

não acontecia comigo. <strong>No</strong> início daquela noite, enquanto o sol se escondia no<br />

horizonte, tu<strong>do</strong> no navio ficara banha<strong>do</strong> de um brilho fulgurante, o que fazia com<br />

que nossos rostos ensanguenta<strong>do</strong>s parecessem pertencer a uma legião de<br />

demônios. Hannah tinha mergulha<strong>do</strong> um pedaço de pano na água <strong>do</strong> <strong>mar</strong> e<br />

circula<strong>do</strong> pelo barco limpan<strong>do</strong> o sangue <strong>do</strong>s rostos de um em um. Então de<br />

repente Mary Ann pareceu dar-se conta da própria aparência assusta<strong>do</strong>ra, já que<br />

to<strong>do</strong>s estavam cobertos de penas e sangue e não havia motivo para ela não estar<br />

também assim.<br />

— Grace — sussurrou ela, esconden<strong>do</strong> o rosto entre as mãos. — Você tem um<br />

pedaço de pano?<br />

— Para quê? — perguntei.<br />

— Quero lavar o rosto! Devo estar horrível, não?<br />

Respondi que eu não tinha pano algum, mas que Hannah tinha e a ajudaria,<br />

como estava ajudan<strong>do</strong> os outros.<br />

— Quero me limpar sozinha! — gritou Mary Ann. — Pode me ajudar a<br />

chegar até a amurada, então? Posso me debruçar e limpar o rosto com a água <strong>do</strong><br />

<strong>mar</strong>.<br />

Ela apontou para um lugar vazio ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Sr. Preston, e então deixei-a<br />

apoiar-se em mim para chegar lá. Mas ela insistiu:<br />

— Não, venha também — insistiu. — Não se incomoda de trocar de lugar<br />

com Grace, não é, Sr. Preston?<br />

Com sua impaciência, Mary Ann quase me derrubara em cima dele, que não<br />

teve alternativa senão mudar de lugar.<br />

Quan<strong>do</strong> nos sentamos, Mary Ann propôs:<br />

— Agora uma limpa a outra. Serei seu espelho e você o meu.

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