No coracao do mar - Charlotte Rogan

NOITE
Durante a noite a Sra. Forester, que até então se mantivera calada e atenta,
enlouqueceu. Começou a ter delírios envolvendo o marido, que tinha bebido no
dia do naufrágio e provavelmente estava morto àquela altura.
— Se ousar tocar em mim desta vez — ameaçava ela —, eu o mato de
madrugada com a sua própria faca.
Mas foi somente quando ela começou a chamar o coronel Marsh, sentado
bem a sua frente, de Collin e a ameaçar dar-lhe socos que alguém tentou contêla.
Joan, que trabalhava como sua criada fazia vinte anos, abraçou-a e pediu que
se controlasse.
— Não é o Collin, madame — disse ela, com voz tranquila. — Collin não está
aqui.
— Pobre mulher — comoveu-se Hannah, tomada de profunda compaixão.
Quaisquer tentativas de tocar na Sra. Forester ou de dirigir-lhe palavras de
conforto eram fortemente rechaçadas. Por fim ela ficou em estado de
inconsciência e Joan, com a ajuda do Sr. Preston e da Sra. Grant, conseguiu
arrastar a patroa até o dormitório e acomodá-la da melhor maneira possível
sobre os cobertores molhados, o que impediu que qualquer outra pessoa pudesse
usar aquele canto para descansar ou dormir. O Sr. Hoffman a teria de bom grado
lançado ao mar, porém Hannah e a Sra. Grant a protegeram, dizendo que os
homens é que a tinham deixado naquele estado e que agora deveriam arcar com
as consequências.
Meu sono foi intermitente. Quando os acontecimentos daquele dia devastador
não estavam ocupando meus pensamentos, infiltravam-se em meus sonhos. Eu
acordava sobressaltada quando imaginava estar caindo no mar, e às vezes de fato
estava caindo, mas apenas sobre Mary Ann ou sobre o Sr. Preston, sentados a
meu lado junto da amurada.
O que me preocupava naquela noite era a ideia de que as escolhas de uma
pessoa apenas raramente se classificam como certas e erradas ou como boas ou
más. Eu percebia de maneira muito clara que na maioria das vezes as pessoas se
deparavam com opções muito mais tenebrosas e que não havia indicações claras
sobre qual o melhor caminho a tomar. O Sr. Hardie fizera bem ao organizar um
sorteio? Tudo que eu podia determinar era que o certo e o errado não se
encaixavam na questão. Quanto mais eu pensava nisso, mais um incidente
ocorrido no primeiro dia arranhava as portas de minha consciência, até que
permiti que entrasse: a lembrança daquela criança que deixamos morrer.
Não sei se teria sido mesmo tão difícil chegar até o menino. No primeiro
minuto eu estava convencida de que o resgate poderia ter acontecido sem muito
trabalho; no seguinte, lembrava-me do oceano repleto de obstáculos perigosos