Trabalho e saúde mental dos profissionais da saúde

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20.05.2016 Views

TRABALHO E SAÚDE MENTAL DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE 98 Sabe-se que a maior parte das doenças é influenciada por uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Dentre as doenças que acometem o trabalhador, os transtornos mentais e do comportamento afetam indivíduos em todas as idades, países, e causam sofrimento às famílias e comunidades. Na maior parte dos casos, esses transtornos podem ser tratados, possibilitando às pessoas uma vida plena e produtiva em suas respectivas comunidades. Quando comparados com a população geral, os médicos desenvolvem padrões adaptativos inadequados diante da ocorrência de alguma doença. Ausentam-se do trabalho menos vezes, ao trabalhar mesmo em condições de saúde impróprias, autoprescrever ou buscar auxílio informal a colegas ao invés de agendar uma consulta formal. Há muitos supostos obstáculos ao agendamento de uma consulta: encontrar um horário para tal; preocupações sobre a confidencialidade; e a noção de que o reconhecimento de uma doença é um sinal de fraqueza. Poucos médicos têm um clínico geral ou médico da família de referência, e a maioria não tem ideia clara do papel do Serviço de Saúde Ocupacional no auxílio de doenças relacionadas ao trabalho. Este cenário é visto como inapropriado, especialmente em casos de doença mental. 18 Com as transformações sociais e a precarização das relações trabalhistas na Medicina, além da crescente vertente individualista no ambiente de trabalho, a saúde mental do médico, sobretudo do profissional jovem, tem se tornado mais frágil. Quer seja pela sua característica de profissão liberal, quer seja ao trabalhar em locais que oferecem pouca estrutura para o profissional – que muitas vezes nem é diretamente contratado pelo serviço no qual atua –, por vezes o médico jovem não conta com assistência em saúde, muito menos em saúde mental. Ainda, mesmo que conte com auxílio da Medicina do trabalho, o profissional que inicia a carreira tende a procurar menos ajuda, entre outros fatores, pela sobrecarga de trabalho que impede o acesso deste serviço, e pelo medo de ser identificado entre seus pares como vulnerável e fraco. Diante deste cenário, preocupação crescente tem sido dada em relação à saúde e condições de trabalho dos médicos jovens. Boa parte desta preocupação tem-se centrado não somente na extensa carga horária executada, mas também em outros aspectos supostamente estressores do trabalho, por exemplo, as demandas emocionais dos clientes sob seus cuidados e as expectativas do futuro profissional. No entanto, ainda são poucos os estudos prospectivos sobre o tema, sendo que os existentes apresentam limitações, especificamente a baixa taxa de resposta no segmento, o tamanho pequeno da amostra e curto período de observação. A maioria dos estudos mostrou que a prevalência de transtornos mentais, especialmente relacionados ao estresse pelo trabalho, ansiedade e depressão, foram mais elevados nos primeiros anos após o término da formação médica. Os resultados também revelaram que os fatores individuais – tais como antecedentes familiares, traços de personalidade (neuroticismo e autocriticis-

mo) e resistência para aguentar o sofrimento ao pensá-lo de forma positiva – assim como fatores contextuais – incluindo estresse percebido pelo excesso de trabalho, pressão emocional, trabalho em cuidados intensivos e estresse fora do trabalho – muitas vezes eram preditivos da ocorrência de transtornos mentais comuns e severos, aumento da ocorrência de sintomas somáticos, piora no rendimento cognitivo e de memória, redução da qualidade de performance profissional por prejuízo na tomada de decisões e aumento de sintomas de disfunção social na população de médicos jovens. 19-20 Classicamente, os problemas de saúde mental mais frequentes entre a população médica são a síndrome de burnout, depressão – inclusive com alta prevalência de ideação, planejamento e ato suicida –, ansiedade, transtornos relacionados ao estresse e ao uso de substâncias. Um estudo desenvolvido no sistema de saúde público do Reino Unido, com mais de 11.000 entrevistados, mostrou que 26,8% dos trabalhadores dos serviços de saúde – com destaque para médicos, enfermeiros e gestores – relataram níveis significativamente maiores de transtornos psiquiátricos comuns, em comparação com 17,8% das pessoas da população geral. 21 A síndrome de burnout é um transtorno descrito na década de 1970, a partir da suposição de que existe na sociedade moderna uma tendência individual a se incrementar a pressão e estresse ocupacional, sobretudo nos serviços assistenciais. O contato constante com pessoas doentes produziria nos profissionais médicos um conflito entre a mística profissional, a satisfação ocupacional e a responsabilidade frente aos clientes. Investigações nas décadas subsequentes ampliaram o conceito para incluir fatores materiais, biográficos, satisfação ocupacional, carga de trabalho, ambiguidade de papéis no trabalho, expectativas no emprego, bem como variáveis demográficas como idade, sexo e estado civil. A composição da síndrome de burnout inclui três dimensões clinicamente observáveis: cansaço ou esgotamento emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal. Apesar do conceito de burnout ser criticado pela sua dificuldade em distingui-lo de outros transtornos mentais relacionados ao trabalho, alguns estudos têm tentado discriminá-lo de outros transtornos psiquiátricos, como depressão, tédio, alienação, ansiedade, insatisfação laboral, neurose existencial e desencanto. Apesar da depressão poder aparecer frente a qualquer contexto, inclusive justaposta ao burnout, este apresenta etiologia proveniente do contexto ocupacional. Trata-se, portanto, de um construto social que se desenvolve a partir das relações laborais e organizacionais, ao contrário da depressão, que delineia conjunto de emoções e cognições intrínsecas que repercute nestas relações. Os médicos jovens estariam, naturalmente, mais vulneráveis ao desenvolvimento de burnout em função do tipo de trabalho realizado – a depender da especialidade escolhida –, maior carga horária, privação do sono, relações interpessoais mais tensas no ambiente de trabalho e a maior autocobrança 6 A saúde mental do médico jovem 99

mo) e resistência para aguentar o sofrimento ao pensá-lo de forma positiva –<br />

assim como fatores contextuais – incluindo estresse percebido pelo excesso de<br />

trabalho, pressão emocional, trabalho em cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> intensivos e estresse fora<br />

do trabalho – muitas vezes eram preditivos <strong>da</strong> ocorrência de transtornos mentais<br />

comuns e severos, aumento <strong>da</strong> ocorrência de sintomas somáticos, piora<br />

no rendimento cognitivo e de memória, redução <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de performance<br />

profissional por prejuízo na toma<strong>da</strong> de decisões e aumento de sintomas de<br />

disfunção social na população de médicos jovens. 19-20<br />

Classicamente, os problemas de <strong>saúde</strong> <strong>mental</strong> mais frequentes entre a população<br />

médica são a síndrome de burnout, depressão – inclusive com alta<br />

prevalência de ideação, planejamento e ato suici<strong>da</strong> –, ansie<strong>da</strong>de, transtornos<br />

relaciona<strong>dos</strong> ao estresse e ao uso de substâncias. Um estudo desenvolvido no<br />

sistema de <strong>saúde</strong> público do Reino Unido, com mais de 11.000 entrevista<strong>dos</strong>,<br />

mostrou que 26,8% <strong>dos</strong> trabalhadores <strong>dos</strong> serviços de <strong>saúde</strong> – com destaque<br />

para médicos, enfermeiros e gestores – relataram níveis significativamente<br />

maiores de transtornos psiquiátricos comuns, em comparação com 17,8% <strong>da</strong>s<br />

pessoas <strong>da</strong> população geral. 21<br />

A síndrome de burnout é um transtorno descrito na déca<strong>da</strong> de 1970, a<br />

partir <strong>da</strong> suposição de que existe na socie<strong>da</strong>de moderna uma tendência individual<br />

a se incrementar a pressão e estresse ocupacional, sobretudo nos serviços<br />

assistenciais. O contato constante com pessoas doentes produziria nos<br />

<strong>profissionais</strong> médicos um conflito entre a mística profissional, a satisfação<br />

ocupacional e a responsabili<strong>da</strong>de frente aos clientes. Investigações nas déca<strong>da</strong>s<br />

subsequentes ampliaram o conceito para incluir fatores materiais, biográficos,<br />

satisfação ocupacional, carga de trabalho, ambigui<strong>da</strong>de de papéis no trabalho,<br />

expectativas no emprego, bem como variáveis demográficas como i<strong>da</strong>de, sexo<br />

e estado civil. A composição <strong>da</strong> síndrome de burnout inclui três dimensões<br />

clinicamente observáveis: cansaço ou esgotamento emocional, despersonalização<br />

e reduzi<strong>da</strong> realização pessoal.<br />

Apesar do conceito de burnout ser criticado pela sua dificul<strong>da</strong>de em distingui-lo<br />

de outros transtornos mentais relaciona<strong>dos</strong> ao trabalho, alguns estu<strong>dos</strong><br />

têm tentado discriminá-lo de outros transtornos psiquiátricos, como depressão,<br />

tédio, alienação, ansie<strong>da</strong>de, insatisfação laboral, neurose existencial e desencanto.<br />

Apesar <strong>da</strong> depressão poder aparecer frente a qualquer contexto, inclusive<br />

justaposta ao burnout, este apresenta etiologia proveniente do contexto ocupacional.<br />

Trata-se, portanto, de um construto social que se desenvolve a partir<br />

<strong>da</strong>s relações laborais e organizacionais, ao contrário <strong>da</strong> depressão, que delineia<br />

conjunto de emoções e cognições intrínsecas que repercute nestas relações.<br />

Os médicos jovens estariam, naturalmente, mais vulneráveis ao desenvolvimento<br />

de burnout em função do tipo de trabalho realizado – a depender<br />

<strong>da</strong> especiali<strong>da</strong>de escolhi<strong>da</strong> –, maior carga horária, privação do sono, relações<br />

interpessoais mais tensas no ambiente de trabalho e a maior autocobrança<br />

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