Trabalho e saúde mental dos profissionais da saúde

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20.05.2016 Views

TRABALHO E SAÚDE MENTAL DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE 94 de 2013, que revelou que as principais reivindicações da população jovem brasileira são por melhorias na educação e saúde. 11 Para atender a essa demanda, o governo tem criado programas com ações focadas na modulação do mercado de trabalho de saúde e intervenção no modelo de educação médica, sem, no entanto, considerar investimentos na formação dos profissionais e na infraestrutura dos locais de trabalho. Inserido no contexto das transformações socioeconômicas e culturais por que passa o país, o médico jovem, após passar por vários processos seletivos, do vestibular às especialidades, enfrenta com cada vez maiores dificuldades o desafio de se colocar no mercado de trabalho. Por um lado, não mais atua no exercício liberal, trabalhando onde quer, escolhendo seus horários e a remuneração que determinar, como demonstra pesquisa que, nos anos 1995 a 2000, constatou redução de cerca de 20% nas atividades de consultório realizadas pelos médicos do Estado de São Paulo. 12 Por outro, é parte integrante cada vez maior de organizações públicas e privadas, em cujos setores é observada tendência crescente de contratação precária de trabalho como pessoa autônoma ou parte de empresas terceirizadas que prestam serviços para os centros de atendimento. 6 De fato, independentemente do setor de trabalho – público ou privado – cada vez menos garantias e perspectivas de crescimento são oferecidas aos médicos jovens. Isso acontece principalmente em função do aumento da intervenção do Estado e do mercado sobre a profissão médica, por meio da expansão do Sistema Único de Saúde (SUS) e a ampliação do segmento privado – regulamentado notavelmente por planos e seguros de saúde. Envoltos neste cenário, os médicos acabam adotando diferentes modalidades de atuação. Atualmente, a maioria apresenta vínculos públicos e privados, cumpre carga horária de trabalho excessiva, geralmente superior a 50 horas semanais – quase um terço trabalha mais de 60 horas por semana – e acumula vários empregos, atuando, em média, em pelo menos três diferentes locais de trabalho. 13 Para melhorar a assistência em saúde nas regiões carentes do Brasil, o governo federal tem criado programas que apostam na força de trabalho de médicos recém-formados, algo cujas repercussões o Reino Unido já discutia na década de 1990. 14 Tais programas governamentais, apesar de oferecer remunerações convidativas, não trazem a preocupação com o investimento em infraestrutura para o atendimento, não apresentam perspectiva de progressão na carreira, precarizam o vínculo empregatício e desoneram os municípios pela responsabilidade de fixação dos profissionais, pois os médicos desses programas são contratados por meio de bolsas de estudo pelo governo federal, deixando de fazer parte do quadro formal de funcionários municipais. Como consequência, além de não se resolver o problema de assistência nos rincões do país – pois os jovens não se sentem suficientemente valorizados para esse tipo de trabalho –, tornase previsível que os médicos jovens sejam aqueles que se submetam a condições

mais precárias de vínculos empregatícios, seja em plantões de serviços de emergência nas periferias dos grandes centros, ou em unidades de atenção básica no interior, nas quais não há locais de atendimento com infraestrutura adequada. Ainda que haja a precarização do vínculo assalariado no serviço público, com o abandono da contratação pelo regime estatutário, na rede privada o cenário também não é favorável. Neste setor, predomina a contratação de médicos via organização de terceiros – empresas de profissionais liberais ou cooperativas de médicos – ou como profissionais autônomos – ou seja, como pessoa física que recebe por serviços prestados sem qualquer vínculo empregatício. Dessa maneira, em ambos os setores, o que se observa são estratégias para camuflar a vinculação regular de trabalho – para evitar os encargos previdenciários e sociais decorrentes – com crescimento de vínculos informais. Esta distorção do mercado é das mais preocupantes, pois os médicos com menor preparo técnico assumem tarefas, no caso das emergências e mesmo em atenção primária, nas quais se requer conhecimento especializado e experiência profissional, sem o respaldo normalmente previsto nos contratos formais de trabalho. Mas não é somente nas relações trabalhistas que se enxerga movimento de precarização. Na tentativa de aumentar a outorga de médicos no mercado, os programas governamentais também acabam por interferir nos processos de formação e prática médica. O que se percebe é uma política de aumento desenfreado de escolas médicas e vagas de Residência Médica, sem a preocupação com a qualidade da formação, da especialização e da educação permanente desses profissionais. Sem o devido investimento em infraestrutura dos locais de formação e desconsiderando o tempo necessário – estimado em pelo menos dez anos – para que uma intervenção na formação possa se fazer sentir na assistência, não se pode deixar de temer a ampliação descomedida de vagas e as suas repercussões, sobretudo no atendimento à população, vitimada pelo baixo rigor no investimento e qualidade necessários para o processo educacional dos jovens médicos. Afora as transformações socioeconômicas, com o avanço da tecnologia e ciência médica, aumentam-se as expectativas com relação à atuação médica. Cada vez mais se espera que os médicos sejam competentes em uma vasta série de papéis que ultrapassam aquele primordial de confortador do sofrimento. A confiança no desenvolvimento tecnológico e científico coloca sobre esses profissionais a esperança quase plena de cura, mesmo quando não há tratamentos contundentes para se garantir tais resultados. Além disso, enquanto a formação médica ainda apresenta entraves no desenvolvimento de ferramentas do campo das humanidades, é crescente a demanda populacional por uma prática médica cada vez mais empática, ética e responsável – tanto no âmbito preventivo quanto em situações de maior complexidade – em um espectro de atenção em saúde cada vez de mais longo prazo. 15 6 A saúde mental do médico jovem 95

mais precárias de vínculos empregatícios, seja em plantões de serviços de emergência<br />

nas periferias <strong>dos</strong> grandes centros, ou em uni<strong>da</strong>des de atenção básica no<br />

interior, nas quais não há locais de atendimento com infraestrutura adequa<strong>da</strong>.<br />

Ain<strong>da</strong> que haja a precarização do vínculo assalariado no serviço público,<br />

com o abandono <strong>da</strong> contratação pelo regime estatutário, na rede priva<strong>da</strong> o cenário<br />

também não é favorável. Neste setor, predomina a contratação de médicos<br />

via organização de terceiros – empresas de <strong>profissionais</strong> liberais ou cooperativas<br />

de médicos – ou como <strong>profissionais</strong> autônomos – ou seja, como pessoa<br />

física que recebe por serviços presta<strong>dos</strong> sem qualquer vínculo empregatício.<br />

Dessa maneira, em ambos os setores, o que se observa são estratégias<br />

para camuflar a vinculação regular de trabalho – para evitar os encargos previdenciários<br />

e sociais decorrentes – com crescimento de vínculos informais.<br />

Esta distorção do mercado é <strong>da</strong>s mais preocupantes, pois os médicos com<br />

menor preparo técnico assumem tarefas, no caso <strong>da</strong>s emergências e mesmo<br />

em atenção primária, nas quais se requer conhecimento especializado e experiência<br />

profissional, sem o respaldo normalmente previsto nos contratos<br />

formais de trabalho.<br />

Mas não é somente nas relações trabalhistas que se enxerga movimento<br />

de precarização. Na tentativa de aumentar a outorga de médicos no mercado,<br />

os programas governamentais também acabam por interferir nos processos<br />

de formação e prática médica. O que se percebe é uma política de aumento<br />

desenfreado de escolas médicas e vagas de Residência Médica, sem a preocupação<br />

com a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> formação, <strong>da</strong> especialização e <strong>da</strong> educação permanente<br />

desses <strong>profissionais</strong>. Sem o devido investimento em infraestrutura <strong>dos</strong><br />

locais de formação e desconsiderando o tempo necessário – estimado em pelo<br />

menos dez anos – para que uma intervenção na formação possa se fazer sentir<br />

na assistência, não se pode deixar de temer a ampliação descomedi<strong>da</strong> de vagas<br />

e as suas repercussões, sobretudo no atendimento à população, vitima<strong>da</strong> pelo<br />

baixo rigor no investimento e quali<strong>da</strong>de necessários para o processo educacional<br />

<strong>dos</strong> jovens médicos.<br />

Afora as transformações socioeconômicas, com o avanço <strong>da</strong> tecnologia e<br />

ciência médica, aumentam-se as expectativas com relação à atuação médica.<br />

Ca<strong>da</strong> vez mais se espera que os médicos sejam competentes em uma vasta série<br />

de papéis que ultrapassam aquele primordial de confortador do sofrimento.<br />

A confiança no desenvolvimento tecnológico e científico coloca sobre esses<br />

<strong>profissionais</strong> a esperança quase plena de cura, mesmo quando não há tratamentos<br />

contundentes para se garantir tais resulta<strong>dos</strong>. Além disso, enquanto a<br />

formação médica ain<strong>da</strong> apresenta entraves no desenvolvimento de ferramentas<br />

do campo <strong>da</strong>s humani<strong>da</strong>des, é crescente a deman<strong>da</strong> populacional por uma<br />

prática médica ca<strong>da</strong> vez mais empática, ética e responsável – tanto no âmbito<br />

preventivo quanto em situações de maior complexi<strong>da</strong>de – em um espectro de<br />

atenção em <strong>saúde</strong> ca<strong>da</strong> vez de mais longo prazo. 15<br />

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