Trabalho e saúde mental dos profissionais da saúde

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20.05.2016 Views

TRABALHO E SAÚDE MENTAL DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE 78 As consequências da privação do sono de jovens residentes relacionadas ao excesso de carga horária de trabalho têm recebido destaque na literatura científica. Cousins (1981) 14 comparou a Residência Médica como uma espécie de teste de resistência física, a um ritual de passagem, pelo qual o médico é submetido para pertencer à ordem dos verdadeiros médicos. Este autor descreveu suas impressões após visitar vários hospitais nos EUA: ...que espécie de competência científica é razoável se esperar de um médico que não dorme há 32 horas? É uma boa política deixar pacientes gravemente enfermos serem tratados por médicos que estão física e emocionalmente exaustos...? O caso Libby Zion Os efeitos da sobrecarga de trabalho dos médicos residentes e sua relação com a segurança dos pacientes e o aprendizado têm sido motivo de grande preocupação na comunidade acadêmica. Desde 2003, quando nos EUA o Accreditation Council for Graduate Medical Education (ACGME) estabeleceu em 80 horas a carga horária máxima semanal dos residentes, limitando em 12 horas o plantão de emergência e a proibição de turnos com mais de 24 horas de trabalho contínuo, uma série de discussões foram realizadas tanto pela necessidade do aumento de investimentos na reestruturação dos serviços de saúde como pelo eventual impacto no treinamento e no aprendizado dos residentes. 11-13,15,16 Em 1984, um caso judicial muito divulgado pela mídia contribuiu para as novas determinações do ACGME. Uma jovem de 18 anos chamada Libby Zion procurou um serviço de emergência em Nova York por orientação de seu médico particular com queixa de otalgia e quadro febril. A paciente foi atendida às 23h30, internada às 2h e faleceu às 6h30 da manhã. Libby foi atendida por um residente de primeiro ano (R1), que recebera supervisão de um residente de segundo ano (R2); ambos estavam de plantão havia mais de 18 horas. O pai da paciente, procurador de Justiça e articulista colaborador do jornal The New York Times, requereu uma investigação sobre as circunstâncias da morte de L.Z., atribuindo-a aos cuidados inadequados que teria recebido de residentes sobrecarregados e sem a supervisão de profissionais mais experientes. 12 A decisão do grande júri não condenou o hospital e nem seus residentes, porém foram identificadas falhas no sistema de treinamento, e desta investigação foi elaborado um relatório que sugeriu cinco recomendações para modificação da estrutura assistencial: 1) Contratação de médicos com no mínimo três anos de experiência na área de emergências médicas para trabalhar em serviços de emergências; 2) Assegurar que os R1 e R2 deveriam ter supervisão de médicos que tivessem concluído especialização mínima de três anos em emergências;

3) Regulamentação para limitar o número de horas consecutivas de trabalho para os residentes nos hospitais. (Neste caso os residentes estavam há mais de 18 horas de plantão.) 4) Regulamentação para a restrição física de pacientes e padrões de atenção e cuidados a pacientes restritos. (No caso, a paciente havia sido contida no leito por agitação psicomotora e a ordem de contenção fora dada por telefone pelo R1.) 5) Os hospitais deveriam implementar sistemas computadorizados com a finalidade de controlar as contraindicações das combinações de drogas. (A paciente no caso fazia uso de fenelzina e havia sido medicada com meperidina. O resultado do exame toxicológico revelou presença de cocaína, fato este considerado relevante na etiologia do óbito da paciente.) Após a implementação das novas regras em 2003, foram publicados vários estudos destacando o papel da fadiga na ocorrência de erros médicos, de acidentes com materiais pérfuro-cortantes e de acidentes automobilísticos após plantões noturnos em médicos residentes. 17-19 Os resultados de um grande estudo realizado em unidade de terapia intensiva causaram grande impacto na comunidade acadêmica. Neste estudo, Landrigan et al. 19 mostraram que os residentes apresentaram um número maior de erros quando trabalhavam em turnos maiores que 24 horas do que quando trabalhavam em turnos menores. No Brasil, a Lei 6.932, de 07/06/1981, regulamentou a carga horária de trabalho dos residentes em 60 horas semanais, incluídas 24 horas de plantão. 20 Vale ressaltar, no entanto, que estudos têm revelado violações dessa lei e identificado alguns problemas relacionados à saúde e prejuízo da qualidade de vida durante a Residência Médica. 21-25 5 Carga horária de trabalho, plantão noturno, privação do sono O estresse na Residência Médica É incontestável a gratificação da tarefa médica em poder salvar vidas, aliviar o sofrimento de pacientes e prevenir doenças; porém, um aspecto merece ênfase: a alta carga ansiogênica do exercício profissional. Lidar com pacientes difíceis, com as incertezas e limitações do conhecimento médico, atender pacientes terminais, ter contato com dor e sofrimento são estímulos emocionais que acompanham os profissionais em seu cotidiano. Este caráter estressante da Medicina atinge seu ápice durante a Residência Médica. 6 O primeiro estudo nacional conduzido com residentes de 12 programas mostrou que as principais fontes de estresse identificadas foram: medo de cometer erros, fadiga, cansaço, falta de orientação, estar constantemente sob pressão, plantão noturno, excessivo controle dos supervisores, lidar com exigências internas (ser um/a médico/a que não falha), falta de tempo para o lazer, família, amigos e necessidades pessoais. 26 79

TRABALHO E SAÚDE MENTAL DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE<br />

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As consequências <strong>da</strong> privação do sono de jovens residentes relaciona<strong>da</strong>s<br />

ao excesso de carga horária de trabalho têm recebido destaque na literatura<br />

científica. Cousins (1981) 14 comparou a Residência Médica como uma espécie<br />

de teste de resistência física, a um ritual de passagem, pelo qual o médico é<br />

submetido para pertencer à ordem <strong>dos</strong> ver<strong>da</strong>deiros médicos. Este autor descreveu<br />

suas impressões após visitar vários hospitais nos EUA: ...que espécie<br />

de competência científica é razoável se esperar de um médico que não dorme<br />

há 32 horas? É uma boa política deixar pacientes gravemente enfermos serem<br />

trata<strong>dos</strong> por médicos que estão física e emocionalmente exaustos...?<br />

O caso Libby Zion<br />

Os efeitos <strong>da</strong> sobrecarga de trabalho <strong>dos</strong> médicos residentes e sua relação<br />

com a segurança <strong>dos</strong> pacientes e o aprendizado têm sido motivo de grande<br />

preocupação na comuni<strong>da</strong>de acadêmica. Desde 2003, quando nos EUA o<br />

Accreditation Council for Graduate Medical Education (ACGME) estabeleceu<br />

em 80 horas a carga horária máxima semanal <strong>dos</strong> residentes, limitando em<br />

12 horas o plantão de emergência e a proibição de turnos com mais de 24<br />

horas de trabalho contínuo, uma série de discussões foram realiza<strong>da</strong>s tanto<br />

pela necessi<strong>da</strong>de do aumento de investimentos na reestruturação <strong>dos</strong> serviços<br />

de <strong>saúde</strong> como pelo eventual impacto no treinamento e no aprendizado<br />

<strong>dos</strong> residentes. 11-13,15,16<br />

Em 1984, um caso judicial muito divulgado pela mídia contribuiu para as<br />

novas determinações do ACGME. Uma jovem de 18 anos chama<strong>da</strong> Libby Zion<br />

procurou um serviço de emergência em Nova York por orientação de seu médico<br />

particular com queixa de otalgia e quadro febril. A paciente foi atendi<strong>da</strong><br />

às 23h30, interna<strong>da</strong> às 2h e faleceu às 6h30 <strong>da</strong> manhã. Libby foi atendi<strong>da</strong> por<br />

um residente de primeiro ano (R1), que recebera supervisão de um residente<br />

de segundo ano (R2); ambos estavam de plantão havia mais de 18 horas. O pai<br />

<strong>da</strong> paciente, procurador de Justiça e articulista colaborador do jornal The New<br />

York Times, requereu uma investigação sobre as circunstâncias <strong>da</strong> morte de<br />

L.Z., atribuindo-a aos cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> inadequa<strong>dos</strong> que teria recebido de residentes<br />

sobrecarrega<strong>dos</strong> e sem a supervisão de <strong>profissionais</strong> mais experientes. 12<br />

A decisão do grande júri não condenou o hospital e nem seus residentes,<br />

porém foram identifica<strong>da</strong>s falhas no sistema de treinamento, e desta investigação<br />

foi elaborado um relatório que sugeriu cinco recomen<strong>da</strong>ções para modificação<br />

<strong>da</strong> estrutura assistencial:<br />

1) Contratação de médicos com no mínimo três anos de experiência na<br />

área de emergências médicas para trabalhar em serviços de emergências;<br />

2) Assegurar que os R1 e R2 deveriam ter supervisão de médicos que tivessem<br />

concluído especialização mínima de três anos em emergências;

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