Meditações - PSB

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21.07.2015 Views

todo o coração aos deuses, e que, portanto, não é dono nem escravo deninguém.32. Pensa, digamos, nos tempos de Vespasiano; 27 e o que é que vês? Homense mulheres muito ocupados a casar, a criar os filhos, a adoecer, a morrer, alutar, a festejar, a tagarelar, a trabalhar a terra, a lisonjear, a fanfarronar, ainvejar, a intrigar, a rogar pragas, a jogar o destino, a amar, a entesourar, acobiçar tronos e honrarias. De toda essa vida, nem o mais pequeno vestígiosobrevive hoje. Ou avança até aos dias de Trajano; outra vez a mesma coisa;essa vida morreu também. Dá igualmente uma vista de olhos aos registos deoutros povos e épocas passados; repara como todos e cada um, depois da suacurta vida de luta, morreram, dissolvendo-se nos elementos. Recorda maisespecialmente alguns, mesmo do teu conhecimento, que buscaram a vaidadeem vez de se contentarem com um cumprimento corajoso dos deveres para queforam criados. Em tais casos é essencial não nos esquecermos de que o méritoda perseguição de qualquer objectivo depende do valor do objectivo perseguido.Portanto, se quiseres evitar o desencorajamento, nunca te deixes absorver porcoisas que não sejam de primeira importância.33. Expressões outrora correntes caíram hoje em desuso. Nomes, também, queeram antigamente familiares, são hoje virtualmente arcaísmos; Camilo, Caleo,Voleso, Dentato; ou, um pouco mais tarde, Scípio e Catão, Augusto, também, emesmo Adriano e António. Todas as coisas se dissolvem no passado lendário eem pouco tempo ficam envoltas no esquecimento. Mesmo para os homens cujasvidas foram de uma glória deslumbrante, esta passa; quanto aos outros, aindamal acabam de dar o último suspiro e já, nas palavras de Homero, «os perdemde vista e de nome». O que é, afinal, a fama imortal? Qualquer coisa vazia eoca. A que é que nós devemos então aspirar? A isto e só a isto: ao pensamentojusto, ao procedimento desinteressado, à boca que não mente, ao carácter queacolhe cada acontecimento como uma coisa predestinada, já esperada e queemana da fonte e origem Única.34. Submete-te a Clotho 28 de bom grado e deixa-a fiar o teu fio do material queela quiser.35. Todos nós somos criaturas de um dia; tanto os que recordam como os quesão recordados.36. Vê como todas as coisas estão sempre a nascer da mudança; ensina-te a tipróprio a ver que a mais elevada felicidade da Natureza reside em mudar ascoisas que existem e formar novas coisas da mesma espécie. Tudo aquilo queexiste é, em certo sentido, a semente do que irá nascer de si. Não há nadamenos próprio de um filósofo do que imaginar que a semente só pode seralguma coisa que se deita à terra ou no útero.— 52 —

37. Muito em breve vais morrer; mas tu ainda hoje não és puro, nem és superiorà inquietação; nem imune ao mal exterior; nem caridoso para todos os homens,nem estás persuadido de que proceder com justiça é a única sabedoria.38. Observa cuidadosamente aquilo que guia as acções dos sábios, e aquiloque eles evitam ou buscam.39. Para ti, o mal não vem do espírito de outrem; nem mesmo de qualquer dasfases ou mudanças da tua estrutura corporal. Então, donde? Daquela parte de tipróprio que age como avaliador daquilo que é mau. Recusa a sua avaliação etudo ficará bem. Embora o pobre corpo, tão próximo dele, fique ferido ouqueimado, supure ou gangrene, cala a voz desse avaliador; que ele não declarenada mau ou bom se isso pode acontecer tanto a homens bons como a homensmaus — porque tudo o que acontece de forma imparcial aos homens, quer elesobservem as leis da Natureza ou não, não pode nem entravar os seuspropósitos, nem precipitá-los.40. Pensa sempre no universo como um organismo vivo, com uma substância euma alma únicas; e vê como todas as coisas estão sujeitas à perceptibilidadedeste único todo, todas são movidas pelo seu impulso único, e todasdesempenham o seu papel na causação de tudo o que acontece. Repara nointricado da meada, na complexidade da teia.41. «Uma pobre alma que carrega consigo um cadáver» 29 , eis o que Epicteto techama.42. Estar em processo de mudança não é um mal, tanto como não é um bemser um produto de uma mudança.43. O tempo é um rio, o inexorável fluir de todas as criaturas. Uma coisa malaparece à vista e logo desaparece rapidamente e outra nasce para logo, por suavez, ser varrida.44. Tudo o que acontece é tão normal e já esperado como a rosa na primaveraou o fruto no verão; isto é verdade para a doença, para a morte, para a calúnia,para a intriga e para todas as outras coisas que deliciam ou incomodam os tolos.45. O que acontece a seguir está sempre intimamente relacionado com aquiloque o precedeu; não é um desfile de acontecimentos isolados que obedecemsimplesmente às leis da sequência, mas uma continuidade racional. Além disso,tal como as coisas que já existem, estão todos coordenados harmoniosamente,os que se encontram em processo de nascimento exibem a mesma maravilha deconcatenação, e não o facto nu e cru da sucessão.46. Lembra-te sempre do ditado de Heráclito, «Morte da terra, nascimento daágua; morte da água, nascimento do ar; do ar, o fogo; e assim sucessivamente— 53 —

todo o coração aos deuses, e que, portanto, não é dono nem escravo deninguém.32. Pensa, digamos, nos tempos de Vespasiano; 27 e o que é que vês? Homense mulheres muito ocupados a casar, a criar os filhos, a adoecer, a morrer, alutar, a festejar, a tagarelar, a trabalhar a terra, a lisonjear, a fanfarronar, ainvejar, a intrigar, a rogar pragas, a jogar o destino, a amar, a entesourar, acobiçar tronos e honrarias. De toda essa vida, nem o mais pequeno vestígiosobrevive hoje. Ou avança até aos dias de Trajano; outra vez a mesma coisa;essa vida morreu também. Dá igualmente uma vista de olhos aos registos deoutros povos e épocas passados; repara como todos e cada um, depois da suacurta vida de luta, morreram, dissolvendo-se nos elementos. Recorda maisespecialmente alguns, mesmo do teu conhecimento, que buscaram a vaidadeem vez de se contentarem com um cumprimento corajoso dos deveres para queforam criados. Em tais casos é essencial não nos esquecermos de que o méritoda perseguição de qualquer objectivo depende do valor do objectivo perseguido.Portanto, se quiseres evitar o desencorajamento, nunca te deixes absorver porcoisas que não sejam de primeira importância.33. Expressões outrora correntes caíram hoje em desuso. Nomes, também, queeram antigamente familiares, são hoje virtualmente arcaísmos; Camilo, Caleo,Voleso, Dentato; ou, um pouco mais tarde, Scípio e Catão, Augusto, também, emesmo Adriano e António. Todas as coisas se dissolvem no passado lendário eem pouco tempo ficam envoltas no esquecimento. Mesmo para os homens cujasvidas foram de uma glória deslumbrante, esta passa; quanto aos outros, aindamal acabam de dar o último suspiro e já, nas palavras de Homero, «os perdemde vista e de nome». O que é, afinal, a fama imortal? Qualquer coisa vazia eoca. A que é que nós devemos então aspirar? A isto e só a isto: ao pensamentojusto, ao procedimento desinteressado, à boca que não mente, ao carácter queacolhe cada acontecimento como uma coisa predestinada, já esperada e queemana da fonte e origem Única.34. Submete-te a Clotho 28 de bom grado e deixa-a fiar o teu fio do material queela quiser.35. Todos nós somos criaturas de um dia; tanto os que recordam como os quesão recordados.36. Vê como todas as coisas estão sempre a nascer da mudança; ensina-te a tipróprio a ver que a mais elevada felicidade da Natureza reside em mudar ascoisas que existem e formar novas coisas da mesma espécie. Tudo aquilo queexiste é, em certo sentido, a semente do que irá nascer de si. Não há nadamenos próprio de um filósofo do que imaginar que a semente só pode seralguma coisa que se deita à terra ou no útero.— 52 —

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