Meditações - PSB

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21.07.2015 Views

universo, afirma, «A este Poder chamamos nós umas vezes Deus TodoPoderoso, outras vezes, Sabedoria incorpórea, ou Espírito santo, ou aindaDestino». A Igreja apenas teve de rejeitar o último destes termos para chegar àsua própria definição aceitável da Natureza Divina; enquanto que a posteriorafirmação de que «estes três são Um só», que o espírito moderno consideraparadoxal, era um perfeito lugar-comum para aqueles mais familiarizados comas noções estóicas.Outros exemplos de ideias cristãs que já tinham sido ensacadas pelos Estóicossão a convicção de que os homens são «filhos de Deus»† e partilham da suanatureza, e a consequente crença de que devemos considerar todos os homenscomo nossos irmãos e não perder nenhuma oportunidade de fazer bem aonosso semelhante. Um dos últimos escritores do Novo Testamento tambémavalizou com a autoridade cristã a crença estóica na conflagração final douniverso.* Também uma notável contribuição estóica para a Igreja, e que teveuma influência duradoura, foi a prática do ascetismo. Os cristãos que desejavamseguir os conselhos da perfeição tomaram o sábio estóico e o seu modo de vidacomo exemplo formal. As vestes grosseiras, o cabelo e barba descuidadosforam adoptados como distintivos da aspiração à santidade. Assim como oprofessor estóico costumava deixar a sociedade e meditar em solidão, os seusimitadores cristãos não só seguiram o seu exemplo como se apropriaram da suaterminologia. No vocabulário estóico, aquele que se recolhia num retiro era um”anacoreta”; aquele que praticava a autodisciplina era um “asceta”, aqueles queviviam separados dos seus semelhantes eram “monacais” e o lugar do seurecolhimento era um “mosteiro”. Cada uma destas expressões manteve o seulugar e significado na linguagem da Igreja até hoje.Contudo, talvez o melhor testemunho da maneira como as ideias estóicaspenetraram no pensamento cristão se encontre num tratado que se tornou abase da filosofia moral medieval, Os Deveres, de Santo Ambrósio de Milão.Aqui, os conceitos bíblicos da rectidão e da santidade são quase totalmentesubstituídos por doutrinas anteriores da ortodoxia estóica. A voz é a de um bispocristão, mas os preceitos são de Zenão. Não é a santidade, mas a felicidade queaparece como ideal de vida; e a vida feliz é uma vida de acordo com a natureza.Tal vida alcança-se pela virtude, porque a virtude é «o mais elevado bem»; e avirtude é uma vez mais decomposta nos seus elementos pagãos de justiça,prudência, temperança e força moral. E o mais notável de tudo isto é que sedeclara a vida feliz e virtuosa como completamente realizável durante a nossaestada aqui na terra; e a esperança de uma futura bem-aventurança torna-se ummotivo não primordial, mas secundário.Perante estas e outras afirmações semelhantes de um prelado e doutor daIgreja, quem será capaz de negar o direito do Estoicismo de ser chamado, naspalavras de um escritor do nosso tempo, «uma raiz do Cristianismo»?— 22 —

O HINO DE CLEANTHESALTÍSSIMA GLÓRIA DA COMPANHIA DOS CÉUS,SENHOR DE VARIADO NOMEETERNO E PERPÉTUO SEJA O TEU PODER!ABENÇOADO SEJAS,Ó GRANDE ARQUITECTO DA CRIAÇÃO,QUE ORDENAS TODAS AS COISAS SEGUNDO AS TUAS LEIS!EVOCAR O TEU NOMEÉ PRÓPRIO E JUSTO PARA O MORTAL,POIS SOMOS NASCIDOS DE TI;SIM, E A NÓS, SÓ A NÓSDE ENTRE TUDO O QUE VIVE E SE MOVE SOBRE A TERRA,É CONCEDIDA A VOZ E A PALAVRA.CANTAR-TE-EI, POIS, LOUVORES, AGORA!GLORIFICAREI, POIS, AGORA E PARA SEMPRE, O TEU PODER!— 23 —

universo, afirma, «A este Poder chamamos nós umas vezes Deus TodoPoderoso, outras vezes, Sabedoria incorpórea, ou Espírito santo, ou aindaDestino». A Igreja apenas teve de rejeitar o último destes termos para chegar àsua própria definição aceitável da Natureza Divina; enquanto que a posteriorafirmação de que «estes três são Um só», que o espírito moderno consideraparadoxal, era um perfeito lugar-comum para aqueles mais familiarizados comas noções estóicas.Outros exemplos de ideias cristãs que já tinham sido ensacadas pelos Estóicossão a convicção de que os homens são «filhos de Deus»† e partilham da suanatureza, e a consequente crença de que devemos considerar todos os homenscomo nossos irmãos e não perder nenhuma oportunidade de fazer bem aonosso semelhante. Um dos últimos escritores do Novo Testamento tambémavalizou com a autoridade cristã a crença estóica na conflagração final douniverso.* Também uma notável contribuição estóica para a Igreja, e que teveuma influência duradoura, foi a prática do ascetismo. Os cristãos que desejavamseguir os conselhos da perfeição tomaram o sábio estóico e o seu modo de vidacomo exemplo formal. As vestes grosseiras, o cabelo e barba descuidadosforam adoptados como distintivos da aspiração à santidade. Assim como oprofessor estóico costumava deixar a sociedade e meditar em solidão, os seusimitadores cristãos não só seguiram o seu exemplo como se apropriaram da suaterminologia. No vocabulário estóico, aquele que se recolhia num retiro era um”anacoreta”; aquele que praticava a autodisciplina era um “asceta”, aqueles queviviam separados dos seus semelhantes eram “monacais” e o lugar do seurecolhimento era um “mosteiro”. Cada uma destas expressões manteve o seulugar e significado na linguagem da Igreja até hoje.Contudo, talvez o melhor testemunho da maneira como as ideias estóicaspenetraram no pensamento cristão se encontre num tratado que se tornou abase da filosofia moral medieval, Os Deveres, de Santo Ambrósio de Milão.Aqui, os conceitos bíblicos da rectidão e da santidade são quase totalmentesubstituídos por doutrinas anteriores da ortodoxia estóica. A voz é a de um bispocristão, mas os preceitos são de Zenão. Não é a santidade, mas a felicidade queaparece como ideal de vida; e a vida feliz é uma vida de acordo com a natureza.Tal vida alcança-se pela virtude, porque a virtude é «o mais elevado bem»; e avirtude é uma vez mais decomposta nos seus elementos pagãos de justiça,prudência, temperança e força moral. E o mais notável de tudo isto é que sedeclara a vida feliz e virtuosa como completamente realizável durante a nossaestada aqui na terra; e a esperança de uma futura bem-aventurança torna-se ummotivo não primordial, mas secundário.Perante estas e outras afirmações semelhantes de um prelado e doutor daIgreja, quem será capaz de negar o direito do Estoicismo de ser chamado, naspalavras de um escritor do nosso tempo, «uma raiz do Cristianismo»?— 22 —

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