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Meditações - PSB

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comando das suas legiões depauperadas no Danúbio. Em 169 Vero morreu, edurante a maior parte dos treze anos seguintes Marco ficou só no seu posto.Durante um curto intervalo foi chamado à Ásia, onde o comandante das tropas,Avídeo Cássio, se revoltou e se fez proclamar imperador. Mas Cássio foiassassinado por dois dos seus oficiais; e, como é característico de Marco,quando aqueles lhe trouxeram, a cabeça decepada, ele recuou e recusourecebê-los. Ordenou que todos os papéis de Cássio fossem queimados por ler, etratou os rebeldes com clemência. Durante esta expedição ao Oriente, a suamulher Faustina, que o acompanhara, morreu; e Marco voltou para o Danúbiopara retomar a tarefa de suster a maré invasora da barbárie. Aí, por entre ospântanos enevoados e as ilhas fumegantes daquela melancólica região, elebuscava consolo para as suas horas de solidão e exílio na redacção das suasMeditações. Anos de trabalho árduo e conflito tinham-lhe exaurido o espírito;estava cansado da vida, e, nas suas próprias palavras, «à espera da saída parao retiro». Quando, por fim, uma doença infecciosa o atacou, ele ainda searrastou alguns dias, vindo a morrer em 17 de Março de 180, com cinquenta enove anos de idade e dezanove de reinado. «Não chorai por mim,» foram assuas últimas palavras, «pensem antes na pestilência e na morte de tantosoutros».Sugerir que Marco não era um verdadeiro estóico parece paradoxal. Contudo assuas meditações revelam um tipo de carácter que dificilmente agradaria a Zenãoou a Chrysipo. Os humores variando entre a esperança e a depressão, osensível retraimento perante companheiros desagradáveis ou a vista de sangue,a ânsia reprimida, mas evidente, por simpatia e afecto — tudo isto não eramsinais de um carácter moldado à antiga maneira estóica. A verdade é que Marcorepresenta uma fase transitória de pensamento. Em lugar da velha afirmação deauto-suficiência, há uma timidez e uma predisposição para reconhecer ospróprios fracassos; em vez da estóica virtude do orgulho, ele parece antecipar avirtude cristã da humildade. Por isso, ainda mais simpatizamos com as suasrepetidas lutas pelo autodomínio e pelos seus esforços por orientar todos osimpulsos naturais e emoções para o implacável serviço do dever. Sem dúvidaque esta constante preocupação em se aperfeiçoar, esta insistência emaperfeiçoar máximas e lugares-comuns morais, produziram uma impressãodesagradável em alguns leitores; e houve mesmo detractores que chamaram aMarco impostor e pedante. Penso que tal juízo mostra falta de entendimento danatureza do temperamento religioso; porque quando um homem toma a suareligião seriamente, o auto-exame consciencioso e a aspiração à virtude têmobrigatoriamente de constituir uma muito grande parte de todas as suasperegrinações interiores e meditações. Aliás, os escritos de um S. Paulo ou deum Thomas à Kempis mostram tantos conselhos, exortações à santidade ecitações de autoridades canónicas como as que encontramos em Marco;contudo, ninguém teve a audácia de acusar os seus autores de insinceridade —apesar mesmo das suas confessadas intenções de escrever para a edificaçãode uma larga faixa de leitores. Quando, por outro lado, escutamos as secretasconversas íntimas do imperador-filósofo com a sua própria alma, e noslembramos de que ele nunca se dirige a qualquer ouvinte humano a não ser ele— 19 —

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