Meditações - PSB

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pelos cabelos e lhe arranca a aceitação». Contudo, mesmo uma impressãodeste tipo pode ser, de facto, imperfeita ou enganadora; e consequentemente asua aceitação, por muito segura que seja, pode ser errónea. Deve, portanto, ser,em seguida, submetida ao escrutínio da razão, único poder soberano que podeemitir o passaporte para a convicção. Por fim, esta convicção pessoal tem de serverificada por comparação com a experiência dos tempos e sabedoriaspassados, e confirmada pelo veredicto geral da humanidade; e torna-se entãoconhecimento. Ao explicar estes quatro estádios, Zenão costumava ilustrar asimpressões com os dedos da mão estendidos, a aceitação com a mão fechada,a convicção com o punho cerrado, e o conhecimento com o punho firmementeagarrado pela outra mão.(b) A Física. Os físicos estóicos ensinavam que a fonte original do Ser em todasas suas formas é uma certa substância omnipresente em todo o universo, quepode ser mais bem descrita como Espírito. Contudo, como eles erammaterialistas consumados, consideravam este Espírito como consistindo de umamatéria real e concreta, embora de uma espécie o mais fina e imperceptível quese possa imaginar. Numa analogia com o mais subtil e vivo dos elementosconhecidos, e que também alimenta a vida e o crescimento, conceberam a suanatureza essencial como a do Fogo; mas um fogo tão rarefeito e etéreo que apalavra “calor” talvez esteja mais próxima para a descrever do que qualquercoisa que possa sugerir uma ideia de chama real. Este Espírito-Fogo, quepossuía consciência, objectivo e vontade, era simultaneamente o criador e amatéria do universo; tomava forma em inúmeras manifestações diferentes,dando assim às coisas a sua substância e forma, e produzindo a partir de sipróprio o mundo visível e tudo o que dentro dele se encontra. De acordo com osvariados contextos em que reflecte sobre isto, Marco dá-lhe muitos nomes:quando fala da sua acção sobre o universo como um todo, pode chamar-lheDeus, Zeus, Natureza, Providência, Destino, Necessidade, ou Lei; como um doselementos materiais da natureza, é Fogo, ou Ar, ou Força; em relação àconstituição do próprio homem, torna-se Alma, Razão, Espírito, Sopro, ou (nalinguagem técnica da psicologia Estóica) “a Faculdade-Mestra”. É importantelembrar que todas estas palavras são meros termos para designar o mesmoEspírito-Fogo criador nos seus variados aspectos.O Estoicismo é, portanto, um credo panteísta: isto é, considera que Deus estáem toda a criação, mas não tem existência fora dela. E como tal, está em directaoposição aos ensinamentos rivais do Epicurismo. Epicuro, ao desenvolver asideias de Demócrito, defendia que os únicos constituintes do universo sãoátomos e espaço vazio. Os átomos, em número infinito, estão em movimentocontínuo e em alta velocidade no vácuo, e as suas colisões fortuitas produzemcertas combinações que fazem o mundo tal como ele é em cada momento. Umavez que este colidir incessante de átomo contra átomo no vórtice vai fazernascer eternamente novas combinações e dispersões, a vida do universocontinua a perpetuar-se infatigavelmente. É verdade que entre as infinitamentenumerosas combinações possíveis, algumas terão necessariamente de parecercomo se fossem o resultado de um desígnio; mas na realidade tal coisa, odesígnio, não existe, e tudo se deve ao acaso. O próprio Marco, em mais do que— 14 —

uma passagem das Meditações, considera as implicações desta teoriaalternativa. «Haverá uma Providência sábia, ou apenas um amontoadodesordenado de átomos?» pergunta ele; mas apenas para concluir que emqualquer dos casos as questões morais com as quais ele se preocupa sairiamincólumes. Pelo que a ele próprio respeita, a sua convicção sobre a direcçãoprovidencial do mundo não vacila.Para explicar o processo de criação, os Estóicos confiavam na teoria da tensão.A partir do facto de que a maioria dos corpos se expandem quando aquecidos,conclui-se claramente que o calor exerce uma pressão. Por consequência, oEspírito-Fogo, no seu estado primitivo de intenso calor e correspondente altapressão, começa logo a expandir-se; e isto traz consigo um abrandamentoproporcional da tensão. E daqui resulta que algum do fogo divino arrefece, setorna visível e se transforma no elemento, mais humilde, do terrestre fogo; eeste, por sua vez, à medida que a tensão continua a baixar, condensa-separcialmente em ar; e algumas porções de ar, por sua vez, solidificam, tornandoseágua e terra. Nesta fase, entra em campo um movimento de sentido contrário;o calor vital contido nestes quatro elementos começa a afirmar a sua energiacriadora e a materializar-se nas inúmeras formas e feitios que compõem ouniverso. Fisicamente, estas diferenciam-se de acordo com as proporçõesvariáveis de fogo, ar, terra e água que contêm; noutros aspectos, a sua naturezadepende do grau de tensão do fogo que os produz. Assim, num certo grau, estaforça tornar-se-á nas formas orgânicas da vida vegetal; num grau mais elevado,nos animais ou “almas sem razão”; e depois disso, nas “almas racionais”características do homem. Dentro destas categorias podem produzir-se tantasformas do Ser quantos os diferentes graus de tensão. Na tensão máxima, oEspírito-Fogo adquire os atributos de uma Alma-Mundo, com a mesma relaçãocom o universo que a alma individual tem com o próprio homem. A longo prazo,porém, virá um tempo em que esta energia em constante crescimento atinge umpico de intensidade que a torna devoradora da sua própria criação: uma apósoutra, as diferentes formas e substâncias dissolvem-se de novo nos seuselementos originais, a água evapora-se em ar, o ar transforma-se em chamas, efinalmente o universo desaparece numa grande conflagração a que nadasobrevive, excepto o primitivo Espírito-Fogo. Após o que, todo o processorecomeça; os sucessivos actos de criação repetem-se, e o padrão históricodesenrola-se como anteriormente. E tudo isto se repete em infindáveis cicloscósmicos alternados de criação e destruição; e como as leis eternas sãoimutáveis, depois de cada conflagração, tudo o que aconteceu nos ciclosanteriores tem de reproduzir-se uma vez mais até ao mais pequeno pormenor.Quanto ao próprio homem, ele é um microcosmos que reflecte fielmente em sipróprio o organismo mais vasto do universo. O seu corpo físico é formado apartir dos quatro elementos, e aquilo que o cria, que nele habita e que o controlaé uma partícula do Espírito-Fogo omnipresente. Assim como este ígneo Poderno seu estado mais elevado e mais puro actua como alma do mundo, tambémaqui, residindo no corpo numa forma pouco menos etérea, ele desempenha omesmo papel para o homem, criando e dirigindo a sua vida, os seus sentidos, osseus pensamentos e as suas emoções. É alimentado pelo sangue, e tem o seu— 15 —

pelos cabelos e lhe arranca a aceitação». Contudo, mesmo uma impressãodeste tipo pode ser, de facto, imperfeita ou enganadora; e consequentemente asua aceitação, por muito segura que seja, pode ser errónea. Deve, portanto, ser,em seguida, submetida ao escrutínio da razão, único poder soberano que podeemitir o passaporte para a convicção. Por fim, esta convicção pessoal tem de serverificada por comparação com a experiência dos tempos e sabedoriaspassados, e confirmada pelo veredicto geral da humanidade; e torna-se entãoconhecimento. Ao explicar estes quatro estádios, Zenão costumava ilustrar asimpressões com os dedos da mão estendidos, a aceitação com a mão fechada,a convicção com o punho cerrado, e o conhecimento com o punho firmementeagarrado pela outra mão.(b) A Física. Os físicos estóicos ensinavam que a fonte original do Ser em todasas suas formas é uma certa substância omnipresente em todo o universo, quepode ser mais bem descrita como Espírito. Contudo, como eles erammaterialistas consumados, consideravam este Espírito como consistindo de umamatéria real e concreta, embora de uma espécie o mais fina e imperceptível quese possa imaginar. Numa analogia com o mais subtil e vivo dos elementosconhecidos, e que também alimenta a vida e o crescimento, conceberam a suanatureza essencial como a do Fogo; mas um fogo tão rarefeito e etéreo que apalavra “calor” talvez esteja mais próxima para a descrever do que qualquercoisa que possa sugerir uma ideia de chama real. Este Espírito-Fogo, quepossuía consciência, objectivo e vontade, era simultaneamente o criador e amatéria do universo; tomava forma em inúmeras manifestações diferentes,dando assim às coisas a sua substância e forma, e produzindo a partir de sipróprio o mundo visível e tudo o que dentro dele se encontra. De acordo com osvariados contextos em que reflecte sobre isto, Marco dá-lhe muitos nomes:quando fala da sua acção sobre o universo como um todo, pode chamar-lheDeus, Zeus, Natureza, Providência, Destino, Necessidade, ou Lei; como um doselementos materiais da natureza, é Fogo, ou Ar, ou Força; em relação àconstituição do próprio homem, torna-se Alma, Razão, Espírito, Sopro, ou (nalinguagem técnica da psicologia Estóica) “a Faculdade-Mestra”. É importantelembrar que todas estas palavras são meros termos para designar o mesmoEspírito-Fogo criador nos seus variados aspectos.O Estoicismo é, portanto, um credo panteísta: isto é, considera que Deus estáem toda a criação, mas não tem existência fora dela. E como tal, está em directaoposição aos ensinamentos rivais do Epicurismo. Epicuro, ao desenvolver asideias de Demócrito, defendia que os únicos constituintes do universo sãoátomos e espaço vazio. Os átomos, em número infinito, estão em movimentocontínuo e em alta velocidade no vácuo, e as suas colisões fortuitas produzemcertas combinações que fazem o mundo tal como ele é em cada momento. Umavez que este colidir incessante de átomo contra átomo no vórtice vai fazernascer eternamente novas combinações e dispersões, a vida do universocontinua a perpetuar-se infatigavelmente. É verdade que entre as infinitamentenumerosas combinações possíveis, algumas terão necessariamente de parecercomo se fossem o resultado de um desígnio; mas na realidade tal coisa, odesígnio, não existe, e tudo se deve ao acaso. O próprio Marco, em mais do que— 14 —

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