com autoridade nos campos da metafísica, da teologia e da ética. Ela eraconsiderada competente para explicar a história da criação, definir os poderesinvisíveis por detrás da ordem do mundo, interpretar a natureza e o sentido daexistência humana, prescrever as regras para uma vida sã, e revelar o futuroalém-túmulo. Assim, a filosofia ocupava o lugar que, nos nossos dias, é ocupadopela religião, como instrutora e guia das almas em cada estádio das suasperegrinações terrenas. Esta pretensão justifica-se especialmente no caso doEstoicismo, que era marcado por um carácter mais religioso do que qualqueroutro sistema da Antiguidade. Como o historiador Lecky observa, «O Estoicismotornou-se a religião das classes instruídas. Ele fornecia os princípios da virtude,dava cor à mais nobre literatura da época, e guiava todos os desenvolvimentosdo fervor moral».*O que isto significa é que um leitor que queira fazer uma abordagem correcta dopensamento de Marco Aurélio deve levar em linha de conta que as frequentesalusões do imperador à “filosofia” têm sempre o tipo de implicações que nós hojeassociamos à palavra religião. Porque filosofia, para o homem que escreveuestas Meditações, significava tudo o que uma religião pode significar. Não era aprocura de verdades abstractas, era uma regra para a vida. Em certo sentido,este livro é um verdadeiro manual de devoção pessoal, como A Imitação deCristo de Thomas à Kempis — com o qual tem sido frequentemente comparado,e que, de facto, é a sua contrapartida cristã.A Filosofia EstóicaO Estoicismo, o sistema filosófico em que Marco acreditava, foi, na sua origem,um produto do pensamento do Médio Oriente. Tinha sido fundado uns trezentosanos antes de Cristo por Zenão, oriundo de Citium (hoje Larnaka) em Chipre, erecebeu o seu nome da “Stoa” ou colonata, em Atenas, onde ele costumavadissertar. O seu principal discípulo foi Cleanthes, que por sua vez foi continuadopor Chrysipo; e os sucessivos trabalhos destes três homens, que depois foramvenerados como os “pais fundadores“ do Estoicismo, resultaram na formação deum esquema de doutrina que abarcava «todas as coisas divinas e humanas». Astrês palavras-chave do credo de Zenão eram materialismo, monismo e mutação.Ou seja, ele considerava que tudo no universo — mesmo o tempo, mesmo opensamento — tem uma qualquer espécie de substância corpórea(materialismo); que, em última análise, tudo se pode resumir a um simplesprincípio unificador (monismo); e que tudo está em perpétuo processo demudança e a transformar-se em qualquer coisa diferente daquilo que antes era(mutação). Estes três dogmas foram os alicerces sobre os quais Zenão construiutoda a estrutura. A sua intransigente insistência nestes princípios levou-o porvezes a expor ideias perfeitamente indefensáveis; mas, nas mãos dos seusseguidores, as mais rígidas asserções do fundador foram modificadas esuavizadas de maneira a torná-las aceitáveis para os pensadores de espíritomais realista.— 12 —
Quando o Estoicismo passou do Oriente para o Ocidente e foi introduzido nomundo romano, assumiu um aspecto diferente. Foram os elementos morais dosensinamentos de Zenão que aqui despertaram mais atenção, e o seu valorprático foi prontamente apreciado. Um código que era humano, racional emoderado, um código que insistia num procedimento justo e virtuoso, na autodisciplina,numa força moral inabalável e numa completa libertação dastempestades da paixão adequava-se admiravelmente ao carácter romano. Econsequentemente a reputação e influência do Estoicismo aumentouinvariavelmente ao longo dos séculos que assistiram ao declínio da república eao nascimento do principado; e por altura da ascensão de Marco Aurélio aotrono, tinha já atingido o ponto mais alto da sua supremacia. As suasconcepções e a sua terminologia eram agora familiares aos homens e mulheresinstruídos de todas as cidades importantes do ImpérioOs Estóicos definiam a filosofia como «luta pela sabedoria»; e “sabedoria“, porsua vez, era definida como «conhecimento das coisas divinas e humanas».Dividiam este conhecimento em três ramos: a Lógica, a Física e a Ética.* Umavez que o primeiro requisito para a procura da verdade é um pensamento claro erigoroso, que, por sua vez, depende de um uso preciso das palavras e umvocabulário de termos técnicos, o estudo inicial era a Lógica. Depois vinha ainvestigação dos fenómenos naturais e das leis da natureza. E esta estendia-seaté à interpretação metafísica do universo; pois, no esquema estóico, a Físicaincluía o estudo completo do Ser na sua tripla manifestação: o próprio homem, ouniverso criado à sua volta, e Deus. Por fim, colocado no lugar mais elevado eimportante do sistema, vinha a Ética. Pois a verdadeira função da filosofia, oponto para o qual convergiam todas as questões e ao qual estavamsubordinados todos os ramos do conhecimento, era a própria conduta dohomem, definida numa palavra, “virtude“. Como diz Diogenes Laertius, «elescomparam a filosofia a uma criatura vivente; os ossos e músculos correspondemà Lógica, a carne à Ética, e a alma à Física. Comparam-na também a um campoprodutivo, do qual a Lógica é a vedação circundante, a Ética, a colheita que elaencerra, e a Física, o solo».† Convém resumir brevemente os seusensinamentos sobre estes três pontos.(a) A Lógica. No sector da Lógica, tudo o que o leitor de Marco Aurélio precisade saber é a teoria do conhecimento dos Estóicos e os meios de atingir esseconhecimento. No seu sistema, o conhecimento começa com impressões, quesão produzidas pelo impacto das coisas ou qualidades sobre os sentidos. Depoisfica para o poder do espírito o julgamento daquilo que os sentidos reportam:aceitá-lo como representação verdadeira da realidade objectiva, ou rejeitá-locomo falso. (A importância decisiva desta fase é repetidamente realçada porMarco). Algumas impressões, como é evidente, desencadeiam uma aceitaçãoimediata e espontânea — como, por exemplo, a noção elementar de que o bemé benéfico e o mal prejudicial — mas noutros casos a aceitação só vem depoisde ponderada reflexão; e pode variar entre uma aprovação hesitante, tão fraca evacilante que apenas constitui uma mera “opinião”, e uma certeza categóricaque só é produzida por uma chamada “impressão arrebatadora”. É umaimpressão tão forte que, no dizer de um escritor, «como que agarra o sujeito— 13 —
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