Meditações - PSB

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14. Eles desprezam-se e todavia adulam-se; cada um deles era capaz depassar por cima do outro, e contudo aninha-se e abaixa-se diante dele.15. Como a coisa soa insincera e vazia quando alguém diz «Estou decidido aser perfeitamente franco contigo.» Ora, homem, o que é isso? A coisa nãoprecisa de prólogo; ela revela-se por si própria. Devia estar escrita na testa,devia estar espelhada no tom da voz, devia brilhar-te nos olhos, como umsimples olhar da pessoa amada diz tudo ao amante. A sinceridade e a bondadedevem ter o seu próprio odor, para que quem com isso depare fique logo asaber, mesmo contra sua vontade. Uma franqueza simulada é um punhalescondido. A amizade fingida do lobo é a mais desprezível de todas e deve sercompletamente repudiada. Um homem verdadeiramente bom e sincero e bemintencionado revela-o na expressão, e ninguém poderá deixar de o ver.16. A vida autêntica pode ser levada à perfeição por qualquer alma capaz demostrar indiferença em relação às coisas que são, elas próprias, indiferentes.Isto pode ser conseguido dando cuidadosa atenção aos elementos que ascompõem, e depois a elas próprias; e tendo também sempre em mente quenenhuma delas é responsável pela opinião que delas formamos. Elas não vêmter connosco, ficam estacionárias; nós é que fazemos juízos acerca delas edepois as inscrevemos, por assim dizer, nos nossos espíritos; isto apesar dofacto de estar na nossa mão não inscrever absolutamente nada, ou pelo menos,apagar prontamente qualquer coisa que se tenha inscrito inadvertidamente.Além disso, deves lembrar-te de que não haverá muito mais tempo para cuidardestes assuntos, e que a nossa corrida em breve acabará. Não te aflijas, pois,se as coisas não correrem sempre ao teu gosto. Desde que estejam emconsonância com a natureza, contenta-te com elas, e não cries dificuldades; senão estiverem, descobre então o que é que a tua própria natureza ordena e fazos possíveis por cumpri-lo; porque a procura do nosso próprio bem está semprejustificada.17. Pensa na origem de cada coisa, no que a compõe e naquilo em que se vaitransformar, e naquilo que ela será depois da transformação, e que não ficaráminimamente pior.18. Quando ofendido. Conselho Primeiro. Recorda a íntima relação entre mim eo resto da humanidade. Isto prevalece porque todos nós nascemos uns para osoutros; ou, para apresentar outra razão, porque nasci para ser o seu guia, talcomo o carneiro não castrado nasceu para guiar o rebanho, ou o touro, amanada; ou ainda — voltando aos primeiros princípios — porque o mundo, senão for um conjunto de simples átomos, tem de ser governado pela Natureza, e,nesse caso, as espécies inferiores da criação têm de existir para as superiores,e as superiores têm de existir umas para as outras.Um Segundo. Pensa nos seus caracteres, à mesa e na cama, e por aí adiante;e em particular nas pressões que as suas maneiras de pensar exercem sobreeles, e na consequente auto-confiança com que eles agem.— 120 —

Um Terceiro. Se o que eles estão a fazer está correcto, não tens que te sentirmagoado; se não está, só pode ter sido sem intenção e inconscientemente.Porque, precisamente como «nenhuma alma jamais viola a verdadevoluntariamente», também ninguém nega voluntariamente a outrem o tratamentoa que ele tem direito; observa a sua indignação quando alguém os acusa deinjustiça, ingratidão, mesquinhez ou qualquer outro mau comportamento paracom os seus semelhantes.Um Quarto. Tu próprio magoas de várias maneiras, e não és diferente de todosos outros. Podes evitar certos erros, mas a tendência está lá, mesmo que acobardia ou a preocupação pela tua reputação ou outro motivo ignóbil te inibamde imitar as suas más acções.Um Quinto. Tu não tens a certeza de que eles estejam a proceder mal, porqueos motivos dos actos dos homens nem sempre são o que parecem. Hágeralmente muito a aprender antes de se formular com segurança um juízosobre o comportamento de outrem.Um Sexto. Diz a ti mesmo, quando te sentires exasperado ou sem paciêncianenhuma, que esta vida mortal não dura mais do que um momento; não faltamuito para que todos e cada um de nós sejamos postos em repouso.Um Sétimo. Não são os actos destes homens — que apenas dizem respeito àsua razão directora — que são a fonte dos nossos aborrecimentos, mas a corque nós próprios lhes atribuímos. Elimina isto, abandona todos os pensamentossobre os seus ódios, e a cólera desaparecerá imediatamente. Como proceder atal apagamento? Reflectindo que pelo menos tu ficas ileso. Porque se não fosseverdade que só a desgraça moral é má, tu próprio serias culpado de inúmerosprocedimentos condenáveis — roubo e todos os outros tipos de vilanias. 82Um Oitavo. A nossa cólera e irritação são mais prejudiciais a nós próprios doque as coisas que as provocam.Um Nono. A bondade é irresistível, se genuína e sem falsos sorrisos ouduplicidade. A mais rematada insolência não pode fazer nada se continuarespersistentemente bom para com quem te ofendeu; admoesta-o gentilmentequando se oferecer a oportunidade, e no momento em que ele se prepare paradar livre curso à maldade chama-o calmamente à razão dizendo «Não, meufilho, não foi para isto que fomos feitos. Eu não fico magoado; tu estás a magoartea ti mesmo.» Explica-lhe cortesmente e em termos gerais a razão por que istoé assim, e como nem as abelhas e outros animais gregários se comportam comoele — mas não o faças com sarcasmo ou espírito recriminatório, antes com realafecto e sem rancor; não como um mestre-escola, nem para a admiração doscircunstantes, mas, mesmo na presença de outras pessoas, como se tu e eleestivessem a sós.Guarda estes nove conselhos na memória, como outras tantas dádivas dasMusas; e, enquanto ainda estás vivo, começa finalmente a ser um homem.Todavia, ao procurares defender-te contra a cólera em relação aos outros, nãodescures evitar a bajulação. Ambas são contra o bem estar comum e ambasconduzem à maldade. Em momento de cólera, tem sempre presente a ideia deque a irritação não é sinal de virilidade e que há mais virilidade e também maishumanidade natural naquele que se mostra gentil e sereno; naquele que dá— 121 —

14. Eles desprezam-se e todavia adulam-se; cada um deles era capaz depassar por cima do outro, e contudo aninha-se e abaixa-se diante dele.15. Como a coisa soa insincera e vazia quando alguém diz «Estou decidido aser perfeitamente franco contigo.» Ora, homem, o que é isso? A coisa nãoprecisa de prólogo; ela revela-se por si própria. Devia estar escrita na testa,devia estar espelhada no tom da voz, devia brilhar-te nos olhos, como umsimples olhar da pessoa amada diz tudo ao amante. A sinceridade e a bondadedevem ter o seu próprio odor, para que quem com isso depare fique logo asaber, mesmo contra sua vontade. Uma franqueza simulada é um punhalescondido. A amizade fingida do lobo é a mais desprezível de todas e deve sercompletamente repudiada. Um homem verdadeiramente bom e sincero e bemintencionado revela-o na expressão, e ninguém poderá deixar de o ver.16. A vida autêntica pode ser levada à perfeição por qualquer alma capaz demostrar indiferença em relação às coisas que são, elas próprias, indiferentes.Isto pode ser conseguido dando cuidadosa atenção aos elementos que ascompõem, e depois a elas próprias; e tendo também sempre em mente quenenhuma delas é responsável pela opinião que delas formamos. Elas não vêmter connosco, ficam estacionárias; nós é que fazemos juízos acerca delas edepois as inscrevemos, por assim dizer, nos nossos espíritos; isto apesar dofacto de estar na nossa mão não inscrever absolutamente nada, ou pelo menos,apagar prontamente qualquer coisa que se tenha inscrito inadvertidamente.Além disso, deves lembrar-te de que não haverá muito mais tempo para cuidardestes assuntos, e que a nossa corrida em breve acabará. Não te aflijas, pois,se as coisas não correrem sempre ao teu gosto. Desde que estejam emconsonância com a natureza, contenta-te com elas, e não cries dificuldades; senão estiverem, descobre então o que é que a tua própria natureza ordena e fazos possíveis por cumpri-lo; porque a procura do nosso próprio bem está semprejustificada.17. Pensa na origem de cada coisa, no que a compõe e naquilo em que se vaitransformar, e naquilo que ela será depois da transformação, e que não ficaráminimamente pior.18. Quando ofendido. Conselho Primeiro. Recorda a íntima relação entre mim eo resto da humanidade. Isto prevalece porque todos nós nascemos uns para osoutros; ou, para apresentar outra razão, porque nasci para ser o seu guia, talcomo o carneiro não castrado nasceu para guiar o rebanho, ou o touro, amanada; ou ainda — voltando aos primeiros princípios — porque o mundo, senão for um conjunto de simples átomos, tem de ser governado pela Natureza, e,nesse caso, as espécies inferiores da criação têm de existir para as superiores,e as superiores têm de existir umas para as outras.Um Segundo. Pensa nos seus caracteres, à mesa e na cama, e por aí adiante;e em particular nas pressões que as suas maneiras de pensar exercem sobreeles, e na consequente auto-confiança com que eles agem.— 120 —

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