de ultrapassar todas as barreiras tão facilmente (tão sem esforço), como o fogosobe ou uma pedra cai ou um cilindro desce uma encosta; e não queiras pedirmais. As interferências, em qualquer caso, ou devem afectar apenas o corpo —que não é senão uma coisa inanimada — ou então serem impotentes para nosaniquilar ou magoar, a menos que recebam a ajuda das nossas próprias ideiaspreconcebidas e da rendição da própria razão. Se assim não fosse, o seu efeitosobre o sujeito seria prejudicial; e, embora saibamos que em todo o resto dacriação a ocorrência de qualquer revés envolve um agravamento da vítima, nocaso de um homem podemos mesmo dizer que ele fica melhor e mais digno delouvor pelo correcto uso que faz da adversidade. Em resumo, nunca te esqueçasde que nada pode magoar o verdadeiro cidadão, se não magoar a própriacidade, e nada pode magoar a cidade a não ser que magoe a lei, e, portanto,não pode magoar nem a cidade nem o cidadão.34. Uma vez gravados no espírito os verdadeiros princípios, mesmo a maisligeira trivialidade bastará para recordar a inutilidade das lamentações ou dosmedos; como, por exemplo,«O que são os filhos dos homens senão folhas que caem ao sopro dovento?» 72Tal como folhas eram aqueles teus queridos filhos; folhas também são asmultidões, aquelas vozes pretensamente convincentes que gritam as suasaclamações, lançam as suas maldições ou zombam e escarnecem àsescondidas; folhas também são todos aqueles em cujas mãos ficará a tuareputação daqui para a frente. Todos e cada um, eles «florescem na primavera»,os ventos fazem-nos cair e logo a floresta põe nova verdura no seu lugar. Aimpermanência é o distintivo de todos e cada um; e, contudo, tu persegue-los oufoges deles, como se eles tivessem que sofrer para toda a eternidade. Dentroem pouco, os teus olhos fechar-se-ão; e pelo homem que te levar à sepultura,também pouco depois as lágrimas correrão.35. A função de uns olhos sãos é ver tudo aquilo que é visível, e não exigir quetudo seja verde, porque isso é apenas sinal de uma visão doente. Da mesmamaneira, a audição e o olfacto, se saudáveis, devem estar receptivos a todos ossons e cheiros, e um estômago são, a todos os tipos de carne, como um moinhoque aceita qualquer cereal que esteja preparado para moer. Da mesma forma,portanto, um espírito são deve estar preparado para qualquer coisa que possaacontecer. Um espírito que exclame: «Oh, que os meus filhos sejam poupados!»ou «Oh, se o mundo ressoasse de aclamações a todos os meus actos», é umavista anelando pelo verde, ou um dente por coisa tenra.36. Não há ninguém tão afortunado que não tenha à cabeceira do leito da mortequem saúde a sua próxima perda com deleite. Digamos que ele era tão virtuoso,sábio até; e mesmo assim, haverá sempre alguém que no fim murmura baixinho:«Finalmente podemos outra vez respirar à vontade sem o nosso amo! Ele nuncafoi certamente, severo connosco; mas tive sempre a impressão de que ele tinhaum secreto desprezo por nós»? Tal é o destino dos virtuosos; quanto aos outros— 114 —
de nós, que quantidade de outras boas razões não há para alguns dos nossosamigos, e não tão poucos como isso, ficarem contentes por se verem livres denós! Pensa nisto quando estiveres para morrer; isso tornará mais fácil a reflexãoseguinte: «Vou deixar um mundo em que os meus próprios companheiros, porquem eu tanto trabalhei, tanto orei e tanto pensei, desejam a minha partida eesperam obter qualquer alívio com ela; então, como é que alguém pode desejarum prolongamento dos seus dias aqui?» Contudo, não te vás, por essa razão,com um espírito de menos bondade para com eles; conserva a tua amizade docostume, a boa vontade e a caridade; e não sintas a partida como umaseparação dolorosa, antes deixa que a tua despedida seja como aquelas mortesindolores em que a alma desliza facilmente para fora do corpo. Antes, aNatureza juntou-te a esses homens e uniu-vos num só; agora ela desfaz o nó.Estou solto, pois, também dos meus próprios parentes; mas sem resistência,sem forçar; é apenas mais um dos processos da Natureza.37. Em todos os actos, não importa por quem eles sejam praticados, habitua-tea perguntar-te: «Qual é o seu objectivo ao fazer isto?» Mas começa por timesmo; faz primeiro que tudo essa pergunta a ti mesmo.38. Não te esqueças, é aquela força secreta e bem escondida dentro de nósque puxa os cordelinhos; aí reside a voz da persuasão, a própria vida, aí,poderíamos dizer, está o homem, ele mesmo. Nunca o confundas na tuaimaginação com o seu invólucro de carne, ou com os órgãos a ele associados,que, salvo o facto de se desenvolverem sobre o corpo, são meros instrumentos,tal como o machado do carpinteiro. Sem o agente que impulsiona ou refreia osseus movimentos, as partes, por si só, não têm mais préstimo do que alançadeira do tecelão, a caneta do escritor ou o chicote do carroceiro.— 115 —
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