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O olhar inocente é cego. A construção da cultura visual ... - capes

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O OLHAR INOCENTE É CEGO 44<strong>olhar</strong>? Em sua deleitável história <strong>da</strong>s listras, Michel Pastoureau levanta a hipótesede que o caráter depreciativo e pejorativo em relação às listras, identificado emdocumentos a partir do s<strong>é</strong>culo XII, poderia ser justificado por algumaproblemática <strong>visual</strong> 22 . De acordo com esta hipótese, a sensibili<strong>da</strong>de do homem <strong>da</strong>I<strong>da</strong>de M<strong>é</strong>dia era abala<strong>da</strong> pela aparência de uma estrutura onde figura e fundopareciam indistinguíveis - o que provavelmente acontecia na observação detecidos listrados. Para Pastoureau, o olho medieval era particularmente “atento àleitura por planos”: to<strong>da</strong> imagem lhe parecia como que recorta<strong>da</strong> em cama<strong>da</strong>s,<strong>da</strong>ndo a id<strong>é</strong>ia de uma superposição de planos sucessivos. Assim, uma figura eraobserva<strong>da</strong> pelo homem medieval a partir do plano de fundo; o <strong>olhar</strong> atravessariatodos os planos sucessivos e intermediários para terminar no plano frontal. Estemodo de <strong>olhar</strong> o ambiente provocaria situações de desconforto na <strong>visual</strong>ização defiguras com superfícies listra<strong>da</strong>s ou axadreza<strong>da</strong>s. 23 O incômodo seria causado pelo“diferente”, o fora do padrão. Algo tão valorizado pela arte e pelo design do nossotempo, a varietas no latim medieval, carregava, na I<strong>da</strong>de M<strong>é</strong>dia, a noção deimpuro, de agressivo ou imoral. Trata-se de uma concepção muito afasta<strong>da</strong> <strong>da</strong>sensibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> nossa <strong>é</strong>poca que valoriza a “varie<strong>da</strong>de”, sob a forma <strong>da</strong> novi<strong>da</strong>de- o sempre novo inseparável <strong>da</strong> id<strong>é</strong>ia de juventude. Concepção diametralmenteoposta à encontra<strong>da</strong> na I<strong>da</strong>de M<strong>é</strong>dia, onde um bom cristão, um homem honestonão poderia ser varius. “A varietas <strong>é</strong> parente do pecado e do inferno”. 24 O temorpela visão do “diferente” aparece de forma bem clara no texto de Erasmo deRotter<strong>da</strong>m, do ano de 1523: Diversoria. Ao descrever as diferenças nas maneirasobserva<strong>da</strong>s em estalagens alemãs e francesas, Erasmo aponta detalhes de umahospe<strong>da</strong>ria alemã. Nesta exposição ficam evidentes as dificul<strong>da</strong>des que um“estranho” encontrava ao chegar ao país. “Os outros olham-no fixamente, comose ele fosse um animal fabuloso vindo <strong>da</strong> África”. 25 Não <strong>é</strong> nossa intenção, comeste exemplo, afirmar que o estranhamento em relação ao diferente seja algoinexistente em nossa socie<strong>da</strong>de. Apenas temos segurança de que as coisas sãomais complexas e menos absolutas em nossa <strong>é</strong>poca. O diferente pode tanto serrejeitado, como aclamado. E estas duas recepções muitas vezes acontecemsimultaneamente ou seqüencialmente. Apesar de pensarmos o diferente como um22 PASTOUREAU, M. O pano do diabo. Rio de Janeiro: Zahar, 1993. p. 15-16.23 Id.24 Ibid., p 38-39.

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