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O OLHAR INOCENTE É CEGO 288favorecem a troca signica. De outro, a produção industrial e o mundo depossibilidades materiais que é oferecido.O primeiro modelo, o olhar ciclópico estudado no segundo capítulo,preparou o olhar para a sociedade industrial, deu-lhe racionalidade e o estruturoucom convenções, como a perspectiva, de modo a favorecer um ambiente delinguagem comum onde as representações podiam ser compartilhadas ecompreendidas. O segundo modelo, o olhar panorâmico, analisado no terceirocapítulo, trata da adaptação do olhar às “mil coisas” para serem vistas, da reaçãodo olhar à profusão de objetos e imagens produzidos a partir da industrialização.A nossa pesquisa sugere que, nesta etapa, o olhar teve que se tornar maisabrangente. O relance foi inaugurado e, com ele, tornou-se possível “captar”,ainda que de forma superficial, a pletora de formas que se oferecia. Em algunscasos, verificamos tentativas de repartição das formas visuais em elementosmenores que permitissem visualização e interpretação. Neste contexto, o corpo foidividido e arquivado na tentativa de retomar o controle social que existiaanteriormente, quando havia um único foco de visão.O novo modo de olhar, construído no século XIX, buscou apoio na intenção,nascida no seio da vida moderna e patrocinada por seus produtores, decompartilhar este modelo de olhar. Não por bondade ou altruísmo, mas porqueeste modelo requer um compartilhamento de signos, aspirações e crença noprogresso. Esta intenção pedagógica, que destacamos no capítulo quatro, naanálise das Exposições Universais, segue seu caminho na mídia de hoje, naimprensa, na publicidade, nas novelas, no destaque de vida dos famosos, no lazere, mesmo, nas relações interpessoais que também se constroem sobre osfundamentos de uma cultura visual.A restrição da pesquisa a meados do século XIX mostrou-se uma escolhaadequada ao nosso objetivo de evidenciar a fundamentação de uma nova culturavisual nascida sobre a égide do moderno e nos permitiu analisar os primeirosmomentos das transformações vividas pelo olhar. O século XIX fundou a ambiçãoda totalização técnica. Não se tratava apenas de uma questão de substituir otrabalho do homem ou de fornecer-lhe melhores possibilidades de modificação doseu ambiente: as máquinas alcançaram a condição admirável de semi-deuses,colaborando para a realização de um espetáculo. Para Guy Debord que cunhou aexpressão “sociedade do espetáculo”, a sociedade baseada na indústria moderna é
O OLHAR INOCENTE É CEGO 289fundamentalmente espetaculoísta, onde o “desenrolar é tudo”. 624 Segundo oautor, o espetáculo serve-se da visão como sentido privilegiado da pessoa humanae não se trata simplesmente de um conjunto de imagens, “mas uma relação socialentre pessoas, mediada por imagens”. 625 Apesar de Debord ter estipulado a décadade 1920 como o início da sociedade do espetáculo 626 , em nosso ponto de vista esteprocesso é anterior. Iniciou-se no século XIX, predominantemente na sua segundametade, quando têm início as Exposições Universais. As Exposições que sepretendiam universais, dentre outras coisas, pela amplidão e variedade do quecostumavam mostrar, ofereciam um olhar para o futuro, uma visão de progressosobre o deslumbre que a tecnologia tinha a oferecer.A profusão de imagens e objetos que passou a inundar a sociedade a partirdo século XIX, continua avançando. Vimos como os espaços vêem sendovisualmente preenchidos. Cada olhar é disputado por alguma entidade que desejausar esta porta para imprimir uma marca em algum cérebro. É lugar comumafirmar que a sociedade atual é “a sociedade da imagem” como se a visualidadehá muito não viesse atuando de forma direta em sua construção. Com estaafirmação não queremos levantar a bandeira de uma mera continuidade.Acreditamos estar vivendo em um momento de transformações tão profundas etão fortemente ancoradas na visualidade como o foi a segunda metade do séculoXIX. No entanto, é importante observar como a sociedade digital, das redes e dociberespaço freqüentemente pega de empréstimo suas principais característicasdas tecnologias que a modifica. Os instrumentos tecnológicos não são objetosneutros. As tecnologias de comunicação e de produção de imagem trabalham“naturalizando” o olhar.Muitos dos estudos acadêmicos atuais partem essencialmente dos aparatostecnológicos do presente para tentar compreender as mudanças sociais que sãoproduzidas. Em nossa opinião, falta à maior parte destas pesquisas, a compreensãode uma ação permanente de naturalização dos processos tecnológicos respaldadospor uma ideologia que, apesar das críticas em contrário, continua sendo alçadapara frente por uma expectativa de progresso.624 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2004. p. 17.625 Ibid., p. 14.626 DEBORD, Guy. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. In: A sociedade do espetáculo. Rio deJaneiro: Contraponto Editora, 2004. p. 168-169.
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O OLHAR INOCENTE É CEGO 288favorecem a troca signica. De outro, a produção industrial e o mundo depossibili<strong>da</strong>des materiais que <strong>é</strong> oferecido.O primeiro modelo, o <strong>olhar</strong> ciclópico estu<strong>da</strong>do no segundo capítulo,preparou o <strong>olhar</strong> para a socie<strong>da</strong>de industrial, deu-lhe racionali<strong>da</strong>de e o estruturoucom convenções, como a perspectiva, de modo a favorecer um ambiente delinguagem comum onde as representações podiam ser compartilha<strong>da</strong>s ecompreendi<strong>da</strong>s. O segundo modelo, o <strong>olhar</strong> panorâmico, analisado no terceirocapítulo, trata <strong>da</strong> a<strong>da</strong>ptação do <strong>olhar</strong> às “mil coisas” para serem vistas, <strong>da</strong> reaçãodo <strong>olhar</strong> à profusão de objetos e imagens produzidos a partir <strong>da</strong> industrialização.A nossa pesquisa sugere que, nesta etapa, o <strong>olhar</strong> teve que se tornar maisabrangente. O relance foi inaugurado e, com ele, tornou-se possível “captar”,ain<strong>da</strong> que de forma superficial, a pletora de formas que se oferecia. Em algunscasos, verificamos tentativas de repartição <strong>da</strong>s formas visuais em elementosmenores que permitissem <strong>visual</strong>ização e interpretação. Neste contexto, o corpo foidividido e arquivado na tentativa de retomar o controle social que existiaanteriormente, quando havia um único foco de visão.O novo modo de <strong>olhar</strong>, construído no s<strong>é</strong>culo XIX, buscou apoio na intenção,nasci<strong>da</strong> no seio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> moderna e patrocina<strong>da</strong> por seus produtores, decompartilhar este modelo de <strong>olhar</strong>. Não por bon<strong>da</strong>de ou altruísmo, mas porqueeste modelo requer um compartilhamento de signos, aspirações e crença noprogresso. Esta intenção pe<strong>da</strong>gógica, que destacamos no capítulo quatro, naanálise <strong>da</strong>s Exposições Universais, segue seu caminho na mídia de hoje, naimprensa, na publici<strong>da</strong>de, nas novelas, no destaque de vi<strong>da</strong> dos famosos, no lazere, mesmo, nas relações interpessoais que tamb<strong>é</strong>m se constroem sobre osfun<strong>da</strong>mentos de uma <strong>cultura</strong> <strong>visual</strong>.A restrição <strong>da</strong> pesquisa a meados do s<strong>é</strong>culo XIX mostrou-se uma escolhaadequa<strong>da</strong> ao nosso objetivo de evidenciar a fun<strong>da</strong>mentação de uma nova <strong>cultura</strong><strong>visual</strong> nasci<strong>da</strong> sobre a <strong>é</strong>gide do moderno e nos permitiu analisar os primeirosmomentos <strong>da</strong>s transformações vivi<strong>da</strong>s pelo <strong>olhar</strong>. O s<strong>é</strong>culo XIX fundou a ambição<strong>da</strong> totalização t<strong>é</strong>cnica. Não se tratava apenas de uma questão de substituir otrabalho do homem ou de fornecer-lhe melhores possibili<strong>da</strong>des de modificação doseu ambiente: as máquinas alcançaram a condição admirável de semi-deuses,colaborando para a realização de um espetáculo. Para Guy Debord que cunhou aexpressão “socie<strong>da</strong>de do espetáculo”, a socie<strong>da</strong>de basea<strong>da</strong> na indústria moderna <strong>é</strong>