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O OLHAR INOCENTE É CEGO 214em uma categoria social. 444 Ao mesmo tempo, a instituição de um tempounificado tem como conseqüência a perda da identidade temporal regional. Comum tráfico regional lento, as diferenças temporais não tinham importância alguma.Em 1840, as diversas companhias ferroviárias inglesas fizeram uma primeiratentativa de padronização do tempo, mas não houve um empenho coletivo e a horaera acertada por cada companhia diariamente. Neste quadro, permaneceram asdisparidades de horário.Apesar dos argumentos científicos e militares em prol de um tempouniversal, foram as companhias ferroviárias que finalmente o instituíram 445 emesmo quando estas decidiram adotar em conjunto o tempo indicado peloObservatório Real de Greenwich, foi preciso esperar até que este tempo fosseamplamente incorporado. Até 1879, um viajante que partisse de Washington comdestino a São Francisco com a intenção de acertar o seu relógio em cada lugarejoque passasse, deveria fazê-lo mais de duzentas vezes 446 . Algumas regiões daFrança apresentavam quatro horários diferentes. Por outro lado, já em 1890 haviamáquinas que registravam o horário de entrada e saída dos seus empregados deforma a determinar o tempo trabalhado e o pagamento a receber 447 . Deste modo, aindustrialização também foi fundamental para a necessidade de implantação deum tempo coletivo, com precisão de menores segmentos e que dispensasse areferência do mundo natural. Em 1880, o “tempo ferroviário” foi adotado comopadrão na Inglaterra, seguido pela Alemanha em 1893. Na Exposição Universal deParis, realizada em 1889, um dos congressos internacionais realizados discutiu aunificação do tempo. 448 Neste mesmo ano, os Estados Unidos foram divididos emquatro zonas de tempo ligadas às ferrovias, o que já era uma excelentepadronização para quem, trinta anos antes, possuía 80 diferentes horáriosrelacionados às ferrovias. Apenas em 1918, estas zonas passaram a sercompreendidas como faixas de horário seguidas até os nossos dias. A fotografiade 1908 da Figura 139 ilustra o funcionamento do sistema de horário dasferrovias. Cada seção do painel representa uma hora, subdividida em intervalos de444 Um conceito desenvolvido por Durkheim. Ver em KERN, S. op. cit., p. 19.445 KERN, S. op. cit., p. 12.446 KERN, S. op. cit., p. 12.447 Kern descreve um artigo de 1893 na Scientific American que descreve esta máquina. KERN, S. op. cit., p.15.448 SCHROEDER-GUDEHUS, Brigitte et RASMUSSEN, Anne. Les fastes du progrès. Le guide desExpositions universelles 1851-1992. Paris: Flammarion, 1992. p. 118.

O OLHAR INOCENTE É CEGO 215cinco minutos. A linha horizontal indica a distância entre as estações. Um fio éestendido do ponto de partida até o ponto de chegada de cada trem. O importanteé que nenhum destes fios se cruze para que não haja acidentes. A complexidadedo processo parece oferecer poucas garantias de sucesso deste intento.Figura 139. As linhas do sistema dehorário das ferrovias. The IllustratedLondon News, 6 de junho de 1908. TheILN Picture Library (17/09/07)Neste segmento do trabalho, apresentamos como as modificaçõesresultantes das novas relações tempo-espaço, predominantemente originadas nocontexto de influência de novas tecnologias, produziram influências naformulação de um novo modo de observar o mundo e de uma nova cultura visualmoderna. Harvey observa, a partir de Bourdieu, “se as experiências espaciais etemporais são veículos primários da codificação e reprodução de relações sociais,uma mudança no modo de representação daquelas quase certamente gera algumtipo de modificação nestas”. 449 A natureza da mudança gerada pelas experiênciasespaciais e temporais assumiu grande evidência com o advento da arte modernano final do século XIX e início do XX. Hall engrandece esta discussão ao lembrarque tempo e espaço constituem as coordenadas básicas de todos os sistemas derepresentação. Apesar de, como assinala o autor, diferentes épocas culturaisestabelecerem diferentes formas de combinar estas coordenadas 450 , elas449 HARVEY, D. op. cit., p. 225450 HALL, S. op. cit., p. 70.

O OLHAR INOCENTE É CEGO 215cinco minutos. A linha horizontal indica a distância entre as estações. Um fio <strong>é</strong>estendido do ponto de parti<strong>da</strong> at<strong>é</strong> o ponto de chega<strong>da</strong> de ca<strong>da</strong> trem. O importante<strong>é</strong> que nenhum destes fios se cruze para que não haja acidentes. A complexi<strong>da</strong>dedo processo parece oferecer poucas garantias de sucesso deste intento.Figura 139. As linhas do sistema dehorário <strong>da</strong>s ferrovias. The IllustratedLondon News, 6 de junho de 1908. TheILN Picture Library (17/09/07)Neste segmento do trabalho, apresentamos como as modificaçõesresultantes <strong>da</strong>s novas relações tempo-espaço, predominantemente origina<strong>da</strong>s nocontexto de influência de novas tecnologias, produziram influências naformulação de um novo modo de observar o mundo e de uma nova <strong>cultura</strong> <strong>visual</strong>moderna. Harvey observa, a partir de Bourdieu, “se as experiências espaciais etemporais são veículos primários <strong>da</strong> codificação e reprodução de relações sociais,uma mu<strong>da</strong>nça no modo de representação <strong>da</strong>quelas quase certamente gera algumtipo de modificação nestas”. 449 A natureza <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça gera<strong>da</strong> pelas experiênciasespaciais e temporais assumiu grande evidência com o advento <strong>da</strong> arte modernano final do s<strong>é</strong>culo XIX e início do XX. Hall engrandece esta discussão ao lembrarque tempo e espaço constituem as coordena<strong>da</strong>s básicas de todos os sistemas derepresentação. Apesar de, como assinala o autor, diferentes <strong>é</strong>pocas <strong>cultura</strong>isestabelecerem diferentes formas de combinar estas coordena<strong>da</strong>s 450 , elas449 HARVEY, D. op. cit., p. 225450 HALL, S. op. cit., p. 70.

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