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O OLHAR INOCENTE É CEGO 210cicloramas, um panorama dramático. “Em nossa época, tão rica em pano-, cosmo-,neo-, mirio-, kigo- e dioramas.” 431Havia ainda uma outra variante, o Kaiserpanorama, que surgiu em Breslauem 1880 e chegou a Berlin em 1883. Seu inventor chegou a estabelecer uma redecom algo em torno de 250 pontos através da Alemanha. O Kaiserpanorama nãoera de fato um panorama, mas um carrossel de estereoscópios que retratavampaisagens e cidades. Os cinqüenta espectadores postavam-se sentados em volta doaparato e cada vez que o carrossel girava tinham a oportunidade de observar umadiferente localidade. Fotógrafos eram contratados para viajar e produzir imagenspara alimentar as duas diferentes seções a cada semana. Aproximadamente125.000 imagens estereoscópicas foram produzidas para este espetáculo. WalterBenjamin em seu texto Infância em Berlin, comenta o seu contato com oKaiserpanorama e o efeito incômodo da campainha que soava antes de cadamudança de imagem. 432O principal rival do panorama era o diorama, surgido em 1822. Consistiaem uma tela plana ou ligeiramente curva que de acordo com as mudanças nailuminação apresentavam a mesma paisagem de dia e à noite. O efeito dependiada transparência da tela e da variação de iluminação – se pela frente ou por trás.As apresentações duravam aproximadamente quinze minutos em salas queacomodavam até 350 espectadores. Apesar de concorrer com o panorama, suaorigem pode ser encontrada nas fantasmagorias ou na lanterna mágica, “que nãoconhecia a perspectiva, mas com a qual a magia da luz se insinuava de modo bemdiferente nas habitações ainda pouco iluminadas”. 433 A aproximação do dioramacom a mágica e o encantamento é evidenciada no Salão de 1859 onde Baudelaire,após apontar os efeitos maléficos da fotografia, escreve:Gostaria de ser levado de novo para os dioramas cuja magia brutal e imensa sabeme impor uma útil ilusão. Prefiro contemplar alguns cenários teatrais ondeencontro, expressos com arte e concentrados de forma trágica, meus sonhos maiscaros. Essas coisas, porque falsas, estão infinitamente mais próximas da verdade,enquanto a maioria de nossos paisagistas são mentirosos justamente porquenegligenciam mentir. 434431 M. G. Saphir no Berniler Courier, 4 mar. 1829, cit. em Erich Stenger, Daguerres Diorama in Berlin,Berlim, 1925, p. 73. BENJAMIN, Walter. Panorama. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, São Paulo:Imprensa Oficial, 2006. p. 569. [Q 1,1].432 BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas II. Rua de Mão Única. São Paulo: Brasiliense, 2000. p. 76.433 BENJAMIN, Walter. Panorama. Passagens... p. 572. [Q 2,3].434 BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1859. Poesia e prosa: volume único. Rio de Janeiro: Editora NovaAguilar, 1995. p. 840.

O OLHAR INOCENTE É CEGO 211Enquanto o diorama apresentava afinidade com a mágica, o panoramabuscava ampliar a experiência a partir da crescente importância dada à percepçãovisual no período. Neste contexto, os panoramas em movimento com suassimulações de viagens por rios ou estradas foram muito atuantes. Nos espetáculosde panoramas em movimento os espectadores eram colocados em barcos oucarruagens com pouca iluminação ladeadas por telas que eram movidasvagarosamente. Alguns panoramas em movimento bastante sofisticados foramapresentados na Exposição de 1900, apesar de, neste período, o espetáculo já seencontrar em seus últimos estertores. Dentre estes, o Panorama FerroviárioTrans-Siberiano, que simulava a viagem de trem entre Moscou e Beijing, onde ospassageiros eram instalados em três carros luxuosos dos quais podiam vislumbraras paisagens através da janela. Um sistema mecânico permitia que quatro camadassucessivas de paisagens se movessem em velocidades diferentes. O Mareoramacombinava a simulação de movimento com a genuína configuração circular dospanoramas. Até 700 pessoas eram colocadas em uma enorme plataforma que sefazia passar pelo deque de um transatlântico. As gigantescas telas simulavam omovimento do navio. O vento passando por uma camada de algas marinhassugeria a brisa e o cheiro do mar. Era um show imersivo, uma obra de arte total,sinestésica.O apelo dos panoramas encontrava-se, sobretudo, no seu aspecto desubstituição da realidade, onde os espectadores poderiam vivenciar a experiênciado estrangeiro e do exótico sem os inconvenientes da viagem. 435 A naturezaespetacular do novo meio oferecia a um público em formação, experiênciasnormalmente fora do seu alcance, mas de forma editada e domesticada. O espaçoreal (da rotunda) era transformado em um outro espaço, onde os traços darealidade eram ocultados. Arquitetura e pintura atuavam juntas para articular aexperiência. O continuum espaço-temporal dos panoramas rompeu a doutrina UtPictura Poesis que segregava em diferentes dimensões as artes irmãs, pintura epoesia. Com os panoramas, as distinções entre tempo e espaço, visual e verbal,foram destituídas das artes. Apesar disso, o status artístico desta representação foimuito contestado como sucedeu posteriormente com a fotografia, o cinema e a435 MILLER, A. op. cit., p. 41.

O OLHAR INOCENTE É CEGO 211Enquanto o diorama apresentava afini<strong>da</strong>de com a mágica, o panoramabuscava ampliar a experiência a partir <strong>da</strong> crescente importância <strong>da</strong><strong>da</strong> à percepção<strong>visual</strong> no período. Neste contexto, os panoramas em movimento com suassimulações de viagens por rios ou estra<strong>da</strong>s foram muito atuantes. Nos espetáculosde panoramas em movimento os espectadores eram colocados em barcos oucarruagens com pouca iluminação ladea<strong>da</strong>s por telas que eram movi<strong>da</strong>svagarosamente. Alguns panoramas em movimento bastante sofisticados foramapresentados na Exposição de 1900, apesar de, neste período, o espetáculo já seencontrar em seus últimos estertores. Dentre estes, o Panorama FerroviárioTrans-Siberiano, que simulava a viagem de trem entre Moscou e Beijing, onde ospassageiros eram instalados em três carros luxuosos dos quais podiam vislumbraras paisagens atrav<strong>é</strong>s <strong>da</strong> janela. Um sistema mecânico permitia que quatro cama<strong>da</strong>ssucessivas de paisagens se movessem em veloci<strong>da</strong>des diferentes. O Mareoramacombinava a simulação de movimento com a genuína configuração circular dospanoramas. At<strong>é</strong> 700 pessoas eram coloca<strong>da</strong>s em uma enorme plataforma que sefazia passar pelo deque de um transatlântico. As gigantescas telas simulavam omovimento do navio. O vento passando por uma cama<strong>da</strong> de algas marinhassugeria a brisa e o cheiro do mar. Era um show imersivo, uma obra de arte total,sinest<strong>é</strong>sica.O apelo dos panoramas encontrava-se, sobretudo, no seu aspecto desubstituição <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, onde os espectadores poderiam vivenciar a experiênciado estrangeiro e do exótico sem os inconvenientes <strong>da</strong> viagem. 435 A naturezaespetacular do novo meio oferecia a um público em formação, experiênciasnormalmente fora do seu alcance, mas de forma edita<strong>da</strong> e domestica<strong>da</strong>. O espaçoreal (<strong>da</strong> rotun<strong>da</strong>) era transformado em um outro espaço, onde os traços <strong>da</strong>reali<strong>da</strong>de eram ocultados. Arquitetura e pintura atuavam juntas para articular aexperiência. O continuum espaço-temporal dos panoramas rompeu a doutrina UtPictura Poesis que segregava em diferentes dimensões as artes irmãs, pintura epoesia. Com os panoramas, as distinções entre tempo e espaço, <strong>visual</strong> e verbal,foram destituí<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s artes. Apesar disso, o status artístico desta representação foimuito contestado como sucedeu posteriormente com a fotografia, o cinema e a435 MILLER, A. op. cit., p. 41.

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