21.07.2015 Views

O olhar inocente é cego. A construção da cultura visual ... - capes

O olhar inocente é cego. A construção da cultura visual ... - capes

O olhar inocente é cego. A construção da cultura visual ... - capes

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O OLHAR INOCENTE É CEGO 206ferrovia pode expor à vista to<strong>da</strong> a França, desenrolando diante dos nossos olhos“um panorama infinito, uma vasta sucessão de quadros charmosos, de novassurpresas”. 416 De uma paisagem podemos ver uma vista geral: “não perguntesobre os detalhes, mas por um todo vivo. Depois de termos nos encantado comsuas habili<strong>da</strong>des pictóricas, ele [o trem] repentinamente pára e, simplesmente,deixa-nos descer aonde queremos chegar”. 417Um outro autor, Dolf Sternberger, utiliza o conceito de panorama paradescrever a tendência de <strong>olhar</strong> os elementos individuais e descontínuos de formaindiscrimina<strong>da</strong>, um modo de percepção ocidental, predominantemente europ<strong>é</strong>ia,surgi<strong>da</strong> no s<strong>é</strong>culo XIX. “A paisagem profun<strong>da</strong>mente transforma<strong>da</strong> do s<strong>é</strong>culo XIXpermanece visível at<strong>é</strong> hoje, pelo menos em seus rastros. Ela foi forma<strong>da</strong> pelaestra<strong>da</strong> de ferro”. 418 Para Sternberger, a vista <strong>da</strong>s janelas <strong>da</strong> Europa haviamperdido sua profundi<strong>da</strong>de e os objetos transfiguraram-se em meras partículas deum único mundo panorâmico que nos envolve como uma superfície pinta<strong>da</strong> 419 .Esta visão do autor <strong>é</strong> credita<strong>da</strong> às ferrovias que “transformam o mundo de terras emares em um panorama que pode ser experienciado”. 420Em nosso ponto de vista, a visão panorâmica não destrói de maneira algumaa experiência <strong>da</strong> tridimensionali<strong>da</strong>de. A crença nesta id<strong>é</strong>ia baseia-se no fato deque as figuras que se encontram em primeiro plano, mais próximas <strong>da</strong> janela, sãovistas borra<strong>da</strong>s, nubla<strong>da</strong>s. Embora não se possa negar este fato, há um outro fatorque garante a tridimensionali<strong>da</strong>de. Trata-se <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong>de. Uma paisagem <strong>é</strong>constituí<strong>da</strong> por muitos planos: árvores dispersas, casas, outros veículos, pessoasespalha<strong>da</strong>s por diversos pontos <strong>da</strong> paisagem. O movimento do trem faz com queestes diversos pontos do plano pareçam se modificar a ca<strong>da</strong> momento. Destemodo, uma grande árvore que parecia ocultar uma casa, em determinado momentoaparece reduzi<strong>da</strong> de tamanho como a figura de um escorço, enquanto a casaavança para mostrar-se.Neste contexto, não se trata de uma paisagem apreendi<strong>da</strong> como se projeta<strong>da</strong>sobre um plano bidimensional o que garante a id<strong>é</strong>ia <strong>da</strong> visão panorâmica, mas aseparação entre o espaço de percepção e o espaço dos objetos percebidos. Na416 CLARÉTIE, Jules. Vouages d’un parisien. Paris, 1865. p. 4. apud SCHIVELBUSCH, W. op. cit., p. 61.417 Id.418 STERNBERGER, Dolf. Panorama, oder Ansichten vom 19. Jahrundert, 3rd. ed. Hamburgo, 1938. pp. 34-35. apud BENJAMIN, Walter. Passagens... p. 520. [N 12a,2].419 Ibid,. p. 50. apud SCHIVELBUSCH, W. op. cit., p. 62-63.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!