O olhar inocente é cego. A construção da cultura visual ... - capes
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O OLHAR INOCENTE É CEGO 192tinham mais “alma” do que as mais recentes que pareciam, muitas vezes,desenvolver vida própria tal o modo com que produziam influência sobre apercepção humana.Em relação ao ambiente físico, as ferrovias transcendem a possibilidade deaproximação a novos lugares. Se, de um lado, elas incorporam novos espaços,antes inacessíveis pela distância e o tempo necessário para alcançá-los, de outro,elas suprimem os espaços entre os pontos de partida e o de chegada. A viagemtorna-se uma travessia por um espaço intocado. A eliminação do espaço entre osdois pontos é observada significativamente por John Ruskin. Em um texto de1849, Ruskin comenta que a ferrovia transforma o viajante em um “pacotevivo” 383 , na medida em que é levado de um lugar ao outro sem que desempenhealguma participação neste processo. No pensamento de Ruskin, a viagem de tremdeixa de acrescentar experiência ao viajante. Sua crítica encontra algumasustentação na medida em que a ferrovia pode ser colocada em relação às viagensdo mesmo modo que a indústria está para os objetos manufaturados.John Ruskin considerava que, indiferente ao fato da viagem de trem ser feitaou não de olhos abertos, tudo o que se podia saber sobre o lugar por onde se passaé, “na melhor hipótese, sua estrutura geológica e uma visão geral sobre os modosde vestir”. 384 Ao contrário de que pensava Ruskin, muitos contemporâneosconsideravam que as viagens de trem produziam novas sensações mesmoavaliando uma eventual perda de controle sobre os próprios sentidos. Greenhow,por exemplo, escreveu em 1846 que “quando um corpo se move em altavelocidade ele se torna um projétil, sujeito às leis que comandam os projéteis”. 385Esta metáfora explicita o poder e a força da tecnologia ferroviária, mas, também, aausência de controle e da participação do passageiro, além de modificações no seurelacionamento com a paisagem. De acordo com Schivelbusch, o passageiro detrem perdeu a percepção sinestésica, que incluía aromas e sons e passa a tercontato apenas com as qualidades que para Newton eram as que poderiam ser382 DU PASQUIER, Ch. Le Plaisir d’aller à bicyclette, Revue Scientifique, ser. 4, vol. 6., Paris, 1896, p. 144-145. Disponível em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k215125w, acesso em 5/6/2007 às 16:10 hs.383 RUSKIN, John. The seven lamps of architecture. London: Adamant Media Corporation, 2005. p. 210.384 RUSKIN, John. The works of John Ruskin. Vol 36. Longmans, Green, and co., 1909. p. 62.385 GREENHOW, C. H. An exposition of the danger and deficiences of the present mode of railwayconstruction with suggestion of its improvement. London: George Woodfall and son, 1846. p. 6.
O OLHAR INOCENTE É CEGO 193percebidas objetivamente no mundo físico: tamanho, forma, quantidade emovimento. 386No pensamento pré-industrial de John Ruskin, isto é, dentro de uma culturapré-moderna, encontramos o que Schivelbusch 387 considera próximo à umacorrelação matemática negativa entre o número de objetos percebidos emdeterminado período de tempo e a qualidade desta percepção. De certa formaseguindo o tema do olhar inocente, Ruskin escreve sobre a superioridade do olharda criança diante do frescor das coisas frente aos seus olhos recém abertos. 388Entre os conselhos práticos dados por Ruskin encontra-se a sugestão de contentarsecom o menor número de novidades de cada vez e preservar, tanto quantopossível, as fontes de novidade. 389 Em relação ao “menor número possível denovidades”, Ruskin observa que em um passeio no campo, atentar para umacabana que nunca tínhamos visto antes, seria o suficiente para recuperar o frescordo novo. Observar duas cabanas já seria excessivo. Em linguagem atual, dir-se-iatratar-se de “muita informação”. Ruskin conclui que uma caminhada tranqüila denão mais do que 10 ou 12 milhas 390 por dia seria o bastante para uma viagemrecreativa. “Toda viagem torna-se enfadonha na exata proporção de suavelocidade”. 391 Deste modo, para Ruskin os deslocamentos de trem não poderiamser chamados de viagens.As críticas de Ruskin pertencem a um momento de ambivalência, onde aspossibilidades de uma nova tecnologia mostram-se, ao mesmo tempo, apreciadase temidas. Deste modo, trata-se de um excesso de simplificação taxar as opiniõesde Ruskin como meramente conservadoras ou contrárias ao desenvolvimento. Emum contexto semelhante, Walter Benjamin observa que “o mesmo Arago, autor dofamoso parecer favorável à fotografia, tenha submetido – no mesmo ano (?), em1838 – um parecer desfavorável à construção das ferrovias planejadas pelogoverno”. 392 O parecer de Arago, ao qual somaram-se outras 160 vozes, contra 90favoráveis, argumentava, dentre outras coisas que a diferença de temperatura naentrada e na saída dos túneis provocaria calores e friagens mortais.386 SCHIVELBUSCH, W. op. cit., p. 55.387 Ibid., p. 57.388 RUSKIN, John. Modern Painters. Vol. 3. Of many things. Adamanta Media Corp. 2000. p. 310.389 Ibid., p. 311.390 Entre 16 e 19 km.391 RUSKIN, J. Modern Painters… p. 311.392 BENJAMIN, Walter. A fotografia. Passagens... p. 715. [Y 1a,5].
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O OLHAR INOCENTE É CEGO 192tinham mais “alma” do que as mais recentes que pareciam, muitas vezes,desenvolver vi<strong>da</strong> própria tal o modo com que produziam influência sobre apercepção humana.Em relação ao ambiente físico, as ferrovias transcendem a possibili<strong>da</strong>de deaproximação a novos lugares. Se, de um lado, elas incorporam novos espaços,antes inacessíveis pela distância e o tempo necessário para alcançá-los, de outro,elas suprimem os espaços entre os pontos de parti<strong>da</strong> e o de chega<strong>da</strong>. A viagemtorna-se uma travessia por um espaço intocado. A eliminação do espaço entre osdois pontos <strong>é</strong> observa<strong>da</strong> significativamente por John Ruskin. Em um texto de1849, Ruskin comenta que a ferrovia transforma o viajante em um “pacotevivo” 383 , na medi<strong>da</strong> em que <strong>é</strong> levado de um lugar ao outro sem que desempenhealguma participação neste processo. No pensamento de Ruskin, a viagem de tremdeixa de acrescentar experiência ao viajante. Sua crítica encontra algumasustentação na medi<strong>da</strong> em que a ferrovia pode ser coloca<strong>da</strong> em relação às viagensdo mesmo modo que a indústria está para os objetos manufaturados.John Ruskin considerava que, indiferente ao fato <strong>da</strong> viagem de trem ser feitaou não de olhos abertos, tudo o que se podia saber sobre o lugar por onde se passa<strong>é</strong>, “na melhor hipótese, sua estrutura geológica e uma visão geral sobre os modosde vestir”. 384 Ao contrário de que pensava Ruskin, muitos contemporâneosconsideravam que as viagens de trem produziam novas sensações mesmoavaliando uma eventual per<strong>da</strong> de controle sobre os próprios sentidos. Greenhow,por exemplo, escreveu em 1846 que “quando um corpo se move em altaveloci<strong>da</strong>de ele se torna um proj<strong>é</strong>til, sujeito às leis que coman<strong>da</strong>m os proj<strong>é</strong>teis”. 385Esta metáfora explicita o poder e a força <strong>da</strong> tecnologia ferroviária, mas, tamb<strong>é</strong>m, aausência de controle e <strong>da</strong> participação do passageiro, al<strong>é</strong>m de modificações no seurelacionamento com a paisagem. De acordo com Schivelbusch, o passageiro detrem perdeu a percepção sinest<strong>é</strong>sica, que incluía aromas e sons e passa a tercontato apenas com as quali<strong>da</strong>des que para Newton eram as que poderiam ser382 DU PASQUIER, Ch. Le Plaisir d’aller à bicyclette, Revue Scientifique, ser. 4, vol. 6., Paris, 1896, p. 144-145. Disponível em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k215125w, acesso em 5/6/2007 às 16:10 hs.383 RUSKIN, John. The seven lamps of architecture. London: A<strong>da</strong>mant Media Corporation, 2005. p. 210.384 RUSKIN, John. The works of John Ruskin. Vol 36. Longmans, Green, and co., 1909. p. 62.385 GREENHOW, C. H. An exposition of the <strong>da</strong>nger and deficiences of the present mode of railwayconstruction with suggestion of its improvement. London: George Woodfall and son, 1846. p. 6.