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O OLHAR INOCENTE É CEGO 182seu emprego pela polícia. Esta dificuldade teve origem nas próprias característicasdos primeiros momentos da fotografia. As baixas velocidades de exposiçãorequeriam que o fotografado permanecesse imóvel pelo tempo necessário para agravação de sua imagem. Alguns acusados procuravam aproveitar estaespecificidade para distorcer o próprio rosto de forma a garantir seu anonimato(Figura 122). Embora este problema, algumas vezes considerado com um arcaricatural, não tenha se prolongado por muito tempo, chama a atenção para aimpossibilidade do corpo rejeitar sua entrega à captura da lente. Outro fator dedificuldade para o emprego da fotografia como agente regulador pode serapontado no seu próprio sucesso e no desejo moderno de fazê-la arte. A fotografiapassou a atuar diretamente no processo administrativo de controle. Para acriminalística foi uma invenção tão importante quanto à imprensa para aliteratura 360 . Vestígios duradouros e inequívocos dos seres humanos puderam a serregistrados em uma tentativa de demolir a incognoscibilidade da multidão nascidades, onde “ninguém é para o outro nem totalmente nítido nem totalmenteopaco”. 361Figura 121. Cartão antropométrico de AlphonseBertillon, 1892. University College London.http://www.eugenicsarchive.org/html/eugenics/static/images/2005.html(23/09/07)Figura 122. Ampliação de umfotograma do filme de 1904 daBiograph, A Subject for the Rogue’sGallery, filmado pelo cinegrafista A.E. Weed. Retirado de GUNNINGS,op. cit., p.55.359 A fotografia foi inventada em 1839.360 BENJAMIN, Walter. Paris do Segundo Império. Obras escolhidas III. Charles Baudelaire. Um lírico noauge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 2000. p. 45.361 BENJAMIN, Walter. Paris do Segundo Império... p. 46.

O OLHAR INOCENTE É CEGO 183As primeiras evidências do emprego da fotografia na investigação policialaparecem em 1843. 362 Em meados do século XIX, as delegacias de polícia jámantinham rogue’s gallerie, coleções desorganizadas de fotografias de suspeitos econfessos, que eram muitas vezes exibidas ao público com grande sucesso. Mas, ogrande volume de fotografias mostrava-se inútil na medida em que o seumanuseio não seguia nenhum método ordenado. É neste quadro que o arquivocomplementa o método, impondo-se como fator de controle da visualidade.O sistema de imagem e arquivo criado por Bertillon foi empregado ao longodo século XIX, inclusive na logística das diversas Exposições Universais como naWorld’s Columbian Exposition, realizada na Chicago de 1893. Neste evento damodernidade, calçadas rolantes conduziam os visitantes a partir da entrada e umpequeno trem elétrico fazia a circulação do público por toda a feira. Os espaçosda feira eram completamente higienizados ao final de cada dia e amplamentepoliciados numa tentativa de deixar evidente apenas os melhores legados da vidamoderna. A preocupação com a proteção dos visitantes aparece em um artigopublicado na North American Review por R. W. M’Claughry, superintendentegeral da polícia de Chicago e John Bonfield, chefe do serviço secreto da World’sColumbian Exposition. No texto, o superintendente comenta que as experiênciaspassadas demonstram que eventos como as exposições universais atraem “classesperigosas da sociedade”. 363 Apesar disso, consegue ser tranqüilizador quandoafirma que as “classes criminosas” estão sendo observadas atentamente 364 atravésda utilização de determinados métodos. Parece claro que as “classes perigosas”eram constituídas por proletários desempregados, potencialmente consideradosvagabundos e criadores de problemas. Uma das ferramentas utilizadas pela políciae pelo serviço secreto, com o objetivo de prevenir a ação dos fora-da-lei, foi oemprego do “sistema de identificação antropométrica e classificação decriminosos” desenvolvido por “M. Alphonse Bertillon, de Paris”. 365 Aindasegundo o texto, em Chicago, este sistema começou a ser aplicadoaproximadamente três anos antes da realização da exposição. Diversas fotografias362 GUNNING, Tom. O retrato do corpo humano: a fotografia, os detetives e os primórdios do cinema. InCHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanessa (orgs). O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac& Naify, 2001. p 51-52.363 M’CLAUGHRY, R. W. Police Protection at the World's Fair. The North American review. Vol. 156, Issue439. p. 714. http://cdl.library.cornell.edu/cgi-bin/moa/moa-cgi?notisid=ABQ7578-0156-88364 Id., p. 711.365 Id., p. 712.

O OLHAR INOCENTE É CEGO 182seu emprego pela polícia. Esta dificul<strong>da</strong>de teve origem nas próprias característicasdos primeiros momentos <strong>da</strong> fotografia. As baixas veloci<strong>da</strong>des de exposiçãorequeriam que o fotografado permanecesse imóvel pelo tempo necessário para agravação de sua imagem. Alguns acusados procuravam aproveitar estaespecifici<strong>da</strong>de para distorcer o próprio rosto de forma a garantir seu anonimato(Figura 122). Embora este problema, algumas vezes considerado com um arcaricatural, não tenha se prolongado por muito tempo, chama a atenção para aimpossibili<strong>da</strong>de do corpo rejeitar sua entrega à captura <strong>da</strong> lente. Outro fator dedificul<strong>da</strong>de para o emprego <strong>da</strong> fotografia como agente regulador pode serapontado no seu próprio sucesso e no desejo moderno de fazê-la arte. A fotografiapassou a atuar diretamente no processo administrativo de controle. Para acriminalística foi uma invenção tão importante quanto à imprensa para aliteratura 360 . Vestígios duradouros e inequívocos dos seres humanos puderam a serregistrados em uma tentativa de demolir a incognoscibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> multidão nasci<strong>da</strong>des, onde “ningu<strong>é</strong>m <strong>é</strong> para o outro nem totalmente nítido nem totalmenteopaco”. 361Figura 121. Cartão antropom<strong>é</strong>trico de AlphonseBertillon, 1892. University College London.http://www.eugenicsarchive.org/html/eugenics/static/images/2005.html(23/09/07)Figura 122. Ampliação de umfotograma do filme de 1904 <strong>da</strong>Biograph, A Subject for the Rogue’sGallery, filmado pelo cinegrafista A.E. Weed. Retirado de GUNNINGS,op. cit., p.55.359 A fotografia foi inventa<strong>da</strong> em 1839.360 BENJAMIN, Walter. Paris do Segundo Imp<strong>é</strong>rio. Obras escolhi<strong>da</strong>s III. Charles Baudelaire. Um lírico noauge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 2000. p. 45.361 BENJAMIN, Walter. Paris do Segundo Imp<strong>é</strong>rio... p. 46.

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