21.07.2015 Views

O olhar inocente é cego. A construção da cultura visual ... - capes

O olhar inocente é cego. A construção da cultura visual ... - capes

O olhar inocente é cego. A construção da cultura visual ... - capes

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O OLHAR INOCENTE É CEGO 141Neste texto, Baudelaire exalta – evitando citar seu nome – o desenhista,aquarelista e gravador Constantin Guys, artista “enamorado pela multidão e peloincógnito”. 284 De fato, como afirma Baudelaire, C. G. 285 <strong>é</strong> mais do que um artista,<strong>é</strong> um homem do mundo, “homem que compreende o mundo e as razõesmisteriosas e legítimas de todos os seus costumes” e não simplesmente um artistasubordinado à sua palheta, “como o servo à gleba”. 286 Baudelaire escreve:Para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, <strong>é</strong> um imenso júbilo fixarresidência no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no infinito.Estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver omundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo. 287O flâneur caminha pelas ruas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e observa incógnito o movimento <strong>da</strong>multidão, imerso na dimensão est<strong>é</strong>tica deste contato. Seu universo <strong>é</strong> a multidão,“como o ar <strong>é</strong> dos pássaros, como a água, o dos peixes”. 288 Ele <strong>é</strong> o homem <strong>da</strong>multidão e dela retira sua energia e vigor. Sua anonimi<strong>da</strong>de garante a liber<strong>da</strong>de e afluidez do seu <strong>olhar</strong>. Há uma ligação intrínseca entre o flâneur e a multidão de umlado, e o interior <strong>da</strong>s casas e as ruas de outro. Neste contexto, o flâneur se tornaparte <strong>da</strong> multidão: “O coletivo <strong>é</strong> um ser eternamente inquieto, eternamenteagitado, que, entre os muros dos pr<strong>é</strong>dios, vive, experimenta, reconhece e inventatanto quanto os indivíduos ao abrigo de suas quatro paredes”. 289Em O homem <strong>da</strong> multidão de Edgar Allan Poe, a inquietação e o incógnitotêm origem no crescimento urbano iniciado no s<strong>é</strong>culo XIX. No conto, transcorridona Londres do s<strong>é</strong>culo XIX, o narrador convalescente, na sua volta às ruas, viveuma excitação que <strong>é</strong> exatamente o oposto do t<strong>é</strong>dio. Sente-se atraído por tudo o quelhe passa à frente, “ora os anúncios, ora observando a promíscua companhiareuni<strong>da</strong> no salão, ora espreitando a rua atrav<strong>é</strong>s <strong>da</strong>s vidraças enfumaça<strong>da</strong>s”. Comouma criança, nos lembra Baudelaire, que vê tudo como novi<strong>da</strong>de 290 , o narradorpermanece sentado à janela de um caf<strong>é</strong> londrino, primeiro observando a multidãoque flui compacta, depois passa a prestar atenção às figuras, trajes, portes e283 CLARK, T. J. op. cit., p. 91.284 BAUDELAIRE, Charles. O Pintor <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> Moderna. In: Poesia e prosa: volume único. Rio de Janeiro:Editora Nova Aguilar, 1995. p. 854.285 A pedido do próprio Constantin Guys, Bauldeire tem a intenção de manter-lhe o anonimato, de forma quepassa a descreve-lo como C. G.286 BAUDELAIRE, C. op. cit., p. 855.287 Ibid., p. 857.288 Ibid., p. 857.289 BENJAMIN, Walter. O Flâneur. In: Obras escolhi<strong>da</strong>s III. Charle Baudelaire: um lírico no auge docapitalismo. São Paulo: Brasiliense, 2000. p. 194.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!