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O OLHAR INOCENTE É CEGO 104outra metade o eterno e o imutável”. 189 A dialética contida neste conceitoevidencia as dificuldades encontradas nas tentativas de compreensão e definiçãodo conceito de modernidade. Este sentido é reforçado por Berman em suaafirmação de que ser moderno é viver em uma época que promete aventura, novosprazeres, autotransformação e transformação das coisas em redor, mas, ao mesmotempo, ameaça destruir tudo o que somos. 190 A experiência moderna é perpassadapor uma sensação de insegurança e a crescente perda de valores, que Bermanressalta em Marx:Todas as relações fixas, enrijecidas, com seu travo de Antigüidade e veneráveispreconceitos e opiniões, foram banidas; todas as novas relações se tornamantiquadas antes que cheguem a se ossificar. Tudo o que é sólido desmancha noar. 191Segundo Berman, o mundo moderno que nos envolve como um turbilhãotem sido parte da vida de um número crescente de pessoas ao longo dos últimosquinhentos anos - embora cada uma delas possa sentir-se como as primeiras, etalvez as últimas, a passar por isso. 192 O turbilhão que é, de fato, uma figura paradefinir a “modernização” 193 , tem sido alimentado pelas inúmeras descobertas nasciências, pela industrialização e sua transformação de conhecimento científico emtecnologia e pela aceleração do crescimento urbano e do ritmo de vida, dentreoutros fatores. O termo “modernização” é encontrado a partir do século XVIIIrelacionado a modificações na habitação, na ortografia, no modo de vestir e nocomportamento. A partir do século XIX seu emprego se generaliza 194 .A sensação de efemeridade e fragmentação produzida pelas mudançascaóticas e muitas vezes abruptas, mas que se insinuavam – ainda quemomentaneamente – com a certeza e a racionalidade oferecidas pelo Iluminismo,passou a expressar-se estética e culturalmente a partir do século XIX. Se apaisagem da modernização é algo que conseguimos identificar, a sua relação coma modernidade nem sempre é algo facilmente definida. De fato, moderno emodernidade não remetem a conceitos claros e fechados, nem a periodicidadesdefinidas, como ainda parecem apresentar variações de sentido conforme o idioma189 BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. In: ______. Poesia e prosa: volume único. Rio deJaneiro: Editora Nova Aguilar, 1995. p. 859. O texto original foi publicado em 1863.190 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Ed. Schwarcz, 2001. p. 15.191 The Marx-Engels Reader. Norton, 1978. p. 475-6. apud Ibid., p. 20.192 Ibid., p. 15-16.193 Id.

O OLHAR INOCENTE É CEGO 105utilizado ou o campo em que é empregado 195 . Segundo Schorske, a palavra“moderno” era empregada até o fim do século XVIII com “certa ressonância degrito de guerra”, mas apenas como antítese ao “antigo”. A partir de meados doséculo XIX, ainda segundo este autor, o “moderno serve-nos para diferenciarnossas vidas e nossos tempos de tudo o que o precedeu”. 196 A oposição aopassado é deixada de lado ante a prevalência de independência em relação aopassado. Esta formulação é sintetizada por Bayly com uma frase que, emboratautológica, parece levar clareza ao conceito: “ser moderno é pensar-semoderno”. 197 Modernidade é a aspiração de estar de acordo com o seu tempo (tobe up with the times). 198 Segundo este autor, entre 1780 e 1914, um crescentenúmero de pessoas qualificava-se como “modernos” ou consideravam sua própriaexistência em um “mundo moderno”, mesmo que esta idéia não lhes agradasse. 199Bayly considera que, em certo sentido, o século XIX pode ser creditado como aera da modernidade precisamente porque assim pensava um considerável númerode pensadores, governantes e cientistas influentes. Este sentimento foi enfatizado,na segunda metade do século XIX, pela avalanche de ícones da modernidadeindustrial e tecnológica - trens, carros, aviões, telegrafo, rádio e telefone. Baylyconsidera ainda o surgimento de um diferencial na qualidade de percepção dasmudanças deste período. Antes do século XIX, as mudanças passadas seriampercebidas de modo diferente, mais próxima de “renovação”, com implicações derepetição e não de substituição, como pode ser observado no Renascimentoatravés da retomada dos conhecimentos da antiguidade clássica. 200A demarcação de datas precisas na formulação do conceito de modernidadeé dificultada pelo fato de que os diversos eventos, agentes modificadores de umadeterminada situação, dificilmente ocorrem de forma sincrônica. Além disso, umaanálise de uma determinada cultura visual não pode ater-se apenas aos eventos,mas deve abraçar também os discursos produzidos e as evidências registradas. Asmudanças capazes de promover uma nova realidade social podem acontecer de194 WILLIAMS, Raymond. Palavras-chave. Um vocabulário de cultura e sociedade. São Paulo: BoitempoEditorial, 2007. p. 282.195 COMPAGNON, Anton. Os cinco paradoxos da modernidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003. p. 15.196 SCHORSKE, Carl E. Viena fin-de-siècle. São Paulo: Ed. da Unicamp e Cia. das Letras, 1988. p. 13.197 BAYLY, Christopher Alan. The birth of the modern world 1780-1914: global connections andcomparisons. USA, UK and Australia: Blachwell Publishing, 2004. p. 10.198 Id.199 Datas estabelecidas pelo estudo autor em seu estudo. Id.200 Ibid., p. 11.

O OLHAR INOCENTE É CEGO 104outra metade o eterno e o imutável”. 189 A dial<strong>é</strong>tica conti<strong>da</strong> neste conceitoevidencia as dificul<strong>da</strong>des encontra<strong>da</strong>s nas tentativas de compreensão e definiçãodo conceito de moderni<strong>da</strong>de. Este sentido <strong>é</strong> reforçado por Berman em suaafirmação de que ser moderno <strong>é</strong> viver em uma <strong>é</strong>poca que promete aventura, novosprazeres, autotransformação e transformação <strong>da</strong>s coisas em redor, mas, ao mesmotempo, ameaça destruir tudo o que somos. 190 A experiência moderna <strong>é</strong> perpassa<strong>da</strong>por uma sensação de insegurança e a crescente per<strong>da</strong> de valores, que Bermanressalta em Marx:To<strong>da</strong>s as relações fixas, enrijeci<strong>da</strong>s, com seu travo de Antigüi<strong>da</strong>de e veneráveispreconceitos e opiniões, foram bani<strong>da</strong>s; to<strong>da</strong>s as novas relações se tornamantiqua<strong>da</strong>s antes que cheguem a se ossificar. Tudo o que <strong>é</strong> sólido desmancha noar. 191Segundo Berman, o mundo moderno que nos envolve como um turbilhãotem sido parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de um número crescente de pessoas ao longo dos últimosquinhentos anos - embora ca<strong>da</strong> uma delas possa sentir-se como as primeiras, etalvez as últimas, a passar por isso. 192 O turbilhão que <strong>é</strong>, de fato, uma figura paradefinir a “modernização” 193 , tem sido alimentado pelas inúmeras descobertas nasciências, pela industrialização e sua transformação de conhecimento científico emtecnologia e pela aceleração do crescimento urbano e do ritmo de vi<strong>da</strong>, dentreoutros fatores. O termo “modernização” <strong>é</strong> encontrado a partir do s<strong>é</strong>culo XVIIIrelacionado a modificações na habitação, na ortografia, no modo de vestir e nocomportamento. A partir do s<strong>é</strong>culo XIX seu emprego se generaliza 194 .A sensação de efemeri<strong>da</strong>de e fragmentação produzi<strong>da</strong> pelas mu<strong>da</strong>nçascaóticas e muitas vezes abruptas, mas que se insinuavam – ain<strong>da</strong> quemomentaneamente – com a certeza e a racionali<strong>da</strong>de ofereci<strong>da</strong>s pelo Iluminismo,passou a expressar-se est<strong>é</strong>tica e <strong>cultura</strong>lmente a partir do s<strong>é</strong>culo XIX. Se apaisagem <strong>da</strong> modernização <strong>é</strong> algo que conseguimos identificar, a sua relação coma moderni<strong>da</strong>de nem sempre <strong>é</strong> algo facilmente defini<strong>da</strong>. De fato, moderno emoderni<strong>da</strong>de não remetem a conceitos claros e fechados, nem a periodici<strong>da</strong>desdefini<strong>da</strong>s, como ain<strong>da</strong> parecem apresentar variações de sentido conforme o idioma189 BAUDELAIRE, Charles. O pintor <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> moderna. In: ______. Poesia e prosa: volume único. Rio deJaneiro: Editora Nova Aguilar, 1995. p. 859. O texto original foi publicado em 1863.190 BERMAN, Marshall. Tudo que <strong>é</strong> sólido desmancha no ar. São Paulo: Ed. Schwarcz, 2001. p. 15.191 The Marx-Engels Reader. Norton, 1978. p. 475-6. apud Ibid., p. 20.192 Ibid., p. 15-16.193 Id.

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