Informação na Gestão Pública da saúde sob uma ótica ... - capes

Informação na Gestão Pública da saúde sob uma ótica ... - capes Informação na Gestão Pública da saúde sob uma ótica ... - capes

pct.capes.gov.br
from pct.capes.gov.br More from this publisher
21.07.2015 Views

54comunidade. Essa seria uma diferença fundamental entre a cultura popular, que é umaexpressão local, da cultura de massa que, segundo Bosi (1992), não tem raízes na vivênciacotidiana.Ginzburg (1987) ao escrever sobre um “homem do povo” do século XVI italiano,esclarece que a existência de desníveis culturais no interior das sociedades ditas civilizadas éo pressuposto da disciplina que foi se definindo como etnologia ou antropologia social. Mas oemprego do termo “cultura” para definir o código de conduta das classes “subalternas” foi,segundo ele, retirado da antropologia cultural.Bakhtin (1988) acrescenta luzes sobre o tema ao advogar que Gargântua e Pantagruel,de Rabelais, que talvez nunca tenham sido lidos por nenhum camponês, parece nos fazercompreender mais sobre a cultura camponesa que o Almanach des Bergers, que teve amplacirculação nos campos da França.Foucault (1982) analisa a questão do “poder microfísico” mostrando como ele seconstitui enquanto uma relação, inclusive entre os estratos populares ou marginalizados e acultura dominante. Na sua “História da Loucura” e em “Eu, Pierre Riviére [...] ” transita poresse paradoxo, ao recusar falar sobre a loucura utilizando a linguagem da razão ocidental. Arelação obscura de Pierre Riviére com a cultura dominante demonstra mais uma vez aambigüidade do que se chama de “cultura popular”. Os estudos sobre bruxaria na Europapadecem do mesmo problema – a dificuldade de entender o que era a bruxaria para seuspraticantes, e não para seus perseguidores.Para Burke (2005) a “descoberta do povo” iniciou-se juntamente com o nascimento da“história cultural” na Alemanha do século XVII, porém dói deixada de lado “para os amantesde antiguidades” sendo retomada apenas a partir de 1960. Este autor cita a História Social doJazz – que Eric Hobsbawn escreveu sob pseudônimo em 1959, jamais causando no meioacadêmico o impacto que merecia. O livro só foi assumido pelo autor décadas mais tarde,quando explicou que as observações perspicazes que fazia sobre a cultura popular dos negrosNorte-americanos não seria “bem vista” no meio elitizado da universidade inglesa dos anos50.A tradição marxista é apontada por Burke como uma rica fonte de estudos sobre otema – colocando inclusive problemas que foram abordados fora dela ao longo dos anos. Umadessas questões é a própria definição do significado de “popular”. “Quem é o “povo”? Todosou apenas quem não é da elite?” (BURKE, 2005, p. 40). A expansão do conceito de cultura,que partiu de uma definição restrita às artes e ciências, para abranger práticas como “comer” e“jogar” é outra dessas questões. Ele cita T. S. Eliot, que ao falar da cultura inglesa em 1948

55(em Notas para uma definição de Cultura) incluiu: “[...] o dia do Derby [...] o alvo de dardos[...] repolho cozido e picado [...] beterraba ao vinagrete [...] igrejas góticas do século XIX ea música de Elgar [...]” (ELIOT apud BURKE, 2005, p. 43).As explicações culturais assumiram uma dimensão mais importante com a obra deGeertz (1978). Seu estudo sobre as brigas de galo em Bali, entendida como verdadeiro “dramasocial” teve enorme impacto, e as interpretações calcadas no simbolismo da vida cotidianaganharam mais fôlego. A “micro-história” de Ginzburg (1987), já citada anteriormente, é umexemplo eloqüente. Outros estudos históricos examinaram unidades locais mais amplas,regiões e não aldeias. Mas a idéia básica permanece – analisar a relação entre a comunidade eo mundo externo a ela.Mesmo estudos que tem outras vertentes teóricas, como etnicidade e multiculturalismo– um bom exemplo seria o estudo sobre a identidade catalã de Oliveira (2006) – refletem esseconfronto. Esse autor reflete que o etnólogo treinado no estudo de povos ágrafos e de pequenaescala encontra um panorama totalmente diferente ao enfrentar uma história ricamentedocumentada, porém periférica, não-nacional. “Ser catalão” é uma categoria de transiçãoentre o “local” e o “nacional” – e se a Catalunha é de fato um pequeno território, trata-se de“uma nação de 1000 anos” (OLIVEIRA, 2006, p. 126) de língua e tradições particulares, emrelação confusa com o Estado Nacional do qual aparentemente não quer se separar, emboraexija seu status diferenciado e a manutenção de sua cultura. O país basco e a província deQuebec mostram realidades semelhantes, e enfrentamentos diferenciados.Percebe-se, portanto, que o “local” pode ser abordado por diversas perspectivas. Omarxismo, por exemplo, tem abordagens que “dissolvem” o “local” na estrutura geral dasociedade de classes outras e que o vêem como uma realidade mais complexa e contraditória(SILVA, 2001).A percepção de que o “local” é um espaço onde interagem diversos atores, cominteresses diversos abre uma nova frente de estudos sobre “poder local” e “governos locais”,entendidos muitas vezes como correspondentes às administrações municipais, quando têmautonomia para o exercício do poder, limitada pela legislação pertinente. Esse exercício podeser dominante - quando o governo local tem autonomia - ou pluralista, quando outros atoreslocais e outros níveis de governo têm influência relevante.No entanto, a cultura local vai refletir-se na forma de gestão e influenciá-la – nãosomente pela representação, mas também pela expressão dos valores e comportamentos que o“local” valoriza, compartilha e professa. As organizações, tanto públicas como privadas irãorefletir em maior ou menor grau os níveis circundantes da cultura.

54comuni<strong>da</strong>de. Essa seria <strong>uma</strong> diferença fun<strong>da</strong>mental entre a cultura popular, que é <strong>uma</strong>expressão local, <strong>da</strong> cultura de massa que, segundo Bosi (1992), não tem raízes <strong>na</strong> vivênciacotidia<strong>na</strong>.Ginzburg (1987) ao escrever <strong>sob</strong>re um “homem do povo” do século XVI italiano,esclarece que a existência de desníveis culturais no interior <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des ditas civiliza<strong>da</strong>s éo pressuposto <strong>da</strong> discipli<strong>na</strong> que foi se definindo como etnologia ou antropologia social. Mas oemprego do termo “cultura” para definir o código de conduta <strong>da</strong>s classes “subalter<strong>na</strong>s” foi,segundo ele, retirado <strong>da</strong> antropologia cultural.Bakhtin (1988) acrescenta luzes <strong>sob</strong>re o tema ao advogar que Gargântua e Pantagruel,de Rabelais, que talvez nunca tenham sido lidos por nenhum camponês, parece nos fazercompreender mais <strong>sob</strong>re a cultura camponesa que o Alma<strong>na</strong>ch des Bergers, que teve amplacirculação nos campos <strong>da</strong> França.Foucault (1982) a<strong>na</strong>lisa a questão do “poder microfísico” mostrando como ele seconstitui enquanto <strong>uma</strong> relação, inclusive entre os estratos populares ou margi<strong>na</strong>lizados e acultura domi<strong>na</strong>nte. Na sua “História <strong>da</strong> Loucura” e em “Eu, Pierre Riviére [...] ” transita poresse paradoxo, ao recusar falar <strong>sob</strong>re a loucura utilizando a linguagem <strong>da</strong> razão ocidental. Arelação obscura de Pierre Riviére com a cultura domi<strong>na</strong>nte demonstra mais <strong>uma</strong> vez aambigüi<strong>da</strong>de do que se chama de “cultura popular”. Os estudos <strong>sob</strong>re bruxaria <strong>na</strong> Europapadecem do mesmo problema – a dificul<strong>da</strong>de de entender o que era a bruxaria para seuspraticantes, e não para seus perseguidores.Para Burke (2005) a “descoberta do povo” iniciou-se juntamente com o <strong>na</strong>scimento <strong>da</strong>“história cultural” <strong>na</strong> Alemanha do século XVII, porém dói deixa<strong>da</strong> de lado “para os amantesde antigui<strong>da</strong>des” sendo retoma<strong>da</strong> ape<strong>na</strong>s a partir de 1960. Este autor cita a História Social doJazz – que Eric Hobsbawn escreveu <strong>sob</strong> pseudônimo em 1959, jamais causando no meioacadêmico o impacto que merecia. O livro só foi assumido pelo autor déca<strong>da</strong>s mais tarde,quando explicou que as observações perspicazes que fazia <strong>sob</strong>re a cultura popular dos negrosNorte-americanos não seria “bem vista” no meio elitizado <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de inglesa dos anos50.A tradição marxista é aponta<strong>da</strong> por Burke como <strong>uma</strong> rica fonte de estudos <strong>sob</strong>re otema – colocando inclusive problemas que foram abor<strong>da</strong>dos fora dela ao longo dos anos. Umadessas questões é a própria definição do significado de “popular”. “Quem é o “povo”? Todosou ape<strong>na</strong>s quem não é <strong>da</strong> elite?” (BURKE, 2005, p. 40). A expansão do conceito de cultura,que partiu de <strong>uma</strong> definição restrita às artes e ciências, para abranger práticas como “comer” e“jogar” é outra dessas questões. Ele cita T. S. Eliot, que ao falar <strong>da</strong> cultura inglesa em 1948

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!