Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes

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20.07.2015 Views

Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 200892culturais, políticos ou pessoais” 148 . A Barter coloca em cheque o privilégio conceitual da moeda –base da teoria econômica clássica – para em seu lugar colocar a troca ou as estratégias decirculação. Estas, por sua vez, independentes da mediação realizada pela moeda, aqui a moedapossui apenas um papel indireto: ser unidade de contagem. Trago este exemplo para expor quemesmo em meio ao mundo capitalista recente, diferentes formas de circulação e consumo sesobrepõem, não sendo privilégio exclusivo das sociedades “não-monetárias” ou classificadascomo pré-capitalistas, ou de estratégias superadas na história das formas de produção,circulação e consumo.A Barter é uma destas sopreposições que no mundo contemporâneo tem crescido.Somente nos Estados Unidos da América, por volta da década de 1980, a estimativa era deUS$12 bilhões ao ano de bens e serviços trocados via este sistema. APPADURAI 149 chama aatenção que, no circuito internacional, esta forma de troca configurava, então, uma complexaeconomia alternativa. O crescimento da Barter como procedimento para negociar bens, ao modode um “livre” comércio internacional onde, por exemplo, Pepsi pode ser trocada por vodka russa,ou coca-cola por palitos de dentes, ocorre em função desta apresentar-se como uma estratégiaeficaz para burlar as restrições comerciais internacionais que regulam as economias nacionais.Configurando-se como uma forma de troca que possibilita a diferentes bens serem negociados etrocados em diferentes circunstâncias (ou contextos) sociais, tecnológicos e institucionais.Em meio a formas outras de circulação e consumo sobrepostas à forma monetária,concordo com SAHLINS e sua análise da perspectiva marxiana. Para este autor, é necessáriochamar a atenção para o que Marx deixou de lado em suas análises, a saber: as relaçõessignificativas que envolvem homens/mulheres e os objetos, encerrando estas relações noconceito de fetichismo. Essas relações de classificação, valoração e significação, de acordo comSAHLINS, são essenciais para o entendimento da produção de qualquer forma histórica. E sobreisso afirma:De maneira a dar uma explicação cultural da produção é crucial que se note que o significadosocial de um objeto, o que o faz útil a uma certa categoria de pessoas, é menos visível por suaspropriedades físicas que pelo valor que pode ter na troca. O valor de uso não é menos simbólico148 A citação original a saber: (...) the exchange of objects for one another without reference to money and withmaximum feasible reduction of social, cultural, political, or personal transaction costs. APPADURAI, Anjur (1986) op.cit. p. 9.149 Idem.

Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 200893ou menos arbitrário que o valor-mercadoria. Porque a utilidade não é uma qualidade do objeto,mas uma significação das qualidades objetivas. (...) nenhum objeto, nenhuma coisa temmovimento na sociedade humana, exceto pela significação que os homens lhe atribuem. 150No entanto, e contraditoriamente (ou não), é por meio de algumas notas do próprioMARX sobre as coisas e sua apropriação amorosa por homens e mulheres, que gostaria delocalizar minhas percepções a respeito do fetichismo. Construo, dessa forma, o argumento,tendo ainda dentro de mim os ecos da leitura de “O Casaco de Marx”, de STALLYBRASS,pequeno ensaio que me fez voltar ao primeiro capítulo de “O Capital” 151 .Neste texto-fetiche, o primeiro capítulo carrega o título de “A mercadoria”. Aqui MARXconfigura sua reflexão sobre o capital, o valor e a proeminência da mercadoria na sociedademoderna e industrial. Mapeando talvez em uma cartografia virtual, os caminhos e as estratégiaspelas quais um objeto ordinário (coisa com valor-de-uso) converte-se em mercadoria (comsubstância e grandeza de valor). Este trajeto mapeado por MARX expõe as formas que ascoisas (objetos) assumem seu papel no mundo das mercadorias e, conseqüentemente, “numasociedade em que a forma de mercadoria é a forma geral dos produtos de trabalho, ou seja, emque a relação mútua dos homens como possuidores de mercadoria é a relação socialdominante” 152 . Esta estratégia Marxiana revela-se como um ato de descoberta dos múltiplosaspectos e usos das coisas. Ato que permite entender as variações históricas dos processossociais materializados nos corpos das mercadorias, em sua circulação e consumo, ou parautilizar as palavras de Marx, entender as relações mútuas entre sujeitos possuidores demercadorias, as contingências de seu tempo e as marcas de sua história.A alegoria marxiana recai sobre os sentidos do processo de transformação das coisasportadoras de qualidades sensoriais (valor de uso), neste caso um casaco, em mercadoriaesvaziada de particularidades, abstraída de seus componentes e forma corpórea. Todavia,impregnada de valor abstrato e, em função disso, impregnada de valor de troca, ou seja, de umamarca característica e imaterial (outro paradoxo marxiano) que a autoriza circular e serconsumida numa sociedade de possuidores de mercadorias. Tal valor coloca a materialidade de150 SAHLINS, Marshall (2003) op. cit. p. 169-170.151 Ao retomar O Capital, não me restrinjo aos limites de sua materialidade enquanto obra, mas amplio suasmargens a partir da utilização de seus comentadores. Conferir MARX, Karl. (2006) O Capital. Crítica à economiapolítica. Livro 1. 24ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; MARX, Karl (2006) A Mercadoria/ Karl Marx; JorgeGrespan traduz e comenta. São Paulo: Ática (série ensaios comentados).152 MARX, Karl. (2006) op. cit. p. 51.

Ronaldo <strong>de</strong> Oliveira CorrêaTe<strong>se</strong> <strong>de</strong> Doutorado PPGICH UFSC | outono 200892culturais, políticos ou pessoais” 148 . A Barter coloca em cheque o privilégio conceitual da moeda –ba<strong>se</strong> da teoria econômica clássica – para em <strong>se</strong>u lugar colocar a troca ou as estratégias <strong>de</strong>circulação. Estas, por sua vez, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da mediação realizada pela moeda, aqui a moedapossui apenas um papel indireto: <strong>se</strong>r unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contagem. Trago este exemplo para expor quemesmo em meio ao mundo capitalista recente, diferentes formas <strong>de</strong> circulação e consumo <strong>se</strong><strong>sobre</strong>põem, não <strong>se</strong>ndo privilégio exclusivo das socieda<strong>de</strong>s “não-monetárias” ou classificadascomo pré-capitalistas, ou <strong>de</strong> estratégias superadas na história das formas <strong>de</strong> produção,circulação e consumo.A Barter é uma <strong>de</strong>stas sopreposições que no mundo contemporâneo tem crescido.Somente nos Estados Unidos da América, por volta da década <strong>de</strong> 1980, a estimativa era <strong>de</strong>US$12 bilhões ao ano <strong>de</strong> bens e <strong>se</strong>rviços trocados via este sistema. APPADURAI 149 chama aatenção que, no circuito internacional, esta forma <strong>de</strong> troca configurava, então, uma complexaeconomia alternativa. O crescimento da Barter como procedimento para negociar bens, ao modo<strong>de</strong> um “livre” comércio internacional on<strong>de</strong>, por exemplo, Pepsi po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r trocada por vodka russa,ou coca-cola por palitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes, ocorre em função <strong>de</strong>sta apre<strong>se</strong>ntar-<strong>se</strong> como uma estratégiaeficaz para burlar as restrições comerciais internacionais que regulam as economias nacionais.Configurando-<strong>se</strong> como uma forma <strong>de</strong> troca que possibilita a diferentes bens <strong>se</strong>rem negociados etrocados em diferentes circunstâncias (ou contextos) sociais, tecnológicos e institucionais.Em meio a formas outras <strong>de</strong> circulação e consumo <strong>sobre</strong>postas à forma monetária,concordo com SAHLINS e sua análi<strong>se</strong> da perspectiva marxiana. Para este autor, é necessáriochamar a atenção para o que Marx <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> lado em suas análi<strong>se</strong>s, a saber: as relaçõessignificativas que envolvem homens/mulheres e os objetos, encerrando estas relações noconceito <strong>de</strong> fetichismo. Essas relações <strong>de</strong> classificação, valoração e significação, <strong>de</strong> acordo comSAHLINS, são es<strong>se</strong>nciais para o entendimento da produção <strong>de</strong> qualquer forma histórica. E <strong>sobre</strong>isso afirma:De maneira a dar uma explicação cultural da produção é crucial que <strong>se</strong> note que o significadosocial <strong>de</strong> um objeto, o que o faz útil a uma certa categoria <strong>de</strong> pessoas, é menos visível por suasproprieda<strong>de</strong>s físicas que pelo valor que po<strong>de</strong> ter na troca. O valor <strong>de</strong> uso não é menos simbólico148 A citação original a saber: (...) the exchange of objects for one another without reference to money and withmaximum feasible reduction of social, cultural, political, or personal transaction costs. APPADURAI, Anjur (1986) op.cit. p. 9.149 I<strong>de</strong>m.

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