Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes

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Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 200884monetário. Isso em um claro processo de descontextualização de um objeto de uso cotidiano –de uso lúdico – em função de sua refuncionalização enquanto um objeto artístico. Este,“portador” de qualidades plásticas que seriam a síntese formal materializada da cosmovisãodestas etnias “brasileiras”. A estratégia da FUNAI tinha como objetivo alcançar os consumidores“culturais” ou colecionadores “etnicos”, turistas estrangeiros curiosos ou consumidores desuvenirs exóticos.RIBEIRO narra as conseqüências desta política estatal de inserção dos objetosartesanais indígenas nos circuitos de produção-circulação-consumo cultural, da seguinte forma:“a boneca Karajá passou a ser feita em série – mais de mil produzidas em dois meses, segundoos funcionários da DAÍ – perdendo muito em qualidade como não poderia deixar de ser” 129 . Aestratégia não teve os logros projetados e, pelo contrário, gerou instabilidade entre os Karajá eminou práticas culturais ligadas às formas de atuar num mundo indígena ou mestiço, como oexemplo apresentado pela autora: “Os jovens já não se pintavam como antigamente, achandofeio seu antigo ideal de beleza (...)” 130 , ou ainda, o trágico efeito do alcoolismo e suicídio entre osKarajá, causados – de acordo com esta autora - pela frustração e desgosto pela suadesintegração social e cultural.Certo que as estratégias implementadas pela FUNAI para este caso não levaram emconsideração, e que hoje podemos inferir com aprofundameto teórico e empírico 131 , oentendimento do que significa alcançar um “consumidor cultural” ou estimular este tipo deconsumo.Ou, ainda, o significado de problematizar as formas sociais de produção artesanalindígena (ou mestiça, ou “branca”, rural ou urbana) e a partir disso desenhar estratégias, oumesmo políticas culturais que estimulem ou viabilizem a inserção destes (as) agentes/produtores(as) em circuitos de consumo, sem que isso signifique seu achatamento enquanto etnia ou gruposócio-cultural-político-simbólico. É necessário ter em mente que mudanças em práticas sociaisde (re)produção material ou sistemas de objetos são seguidas de transformações em interações129 RIBEIRO, Berta. In: FUNARTE (1983) op. cit. p. 23.130 Idem.131 Isso em função da ampliação das investigações sobre a temática do consumo e em especial do consumocultural. Como exemplo, remeto aos ensaios publicados na antologia de ponencias, apresentados e debatidos noGrupo de Trabalho “Consumos Culturales: practicas, mercados y politicas. La sociedad de la información”. No marcodo XXVI Congreso Asociación Latinoamericana de Sociología ALAS, ocorrido no Centro Universitario de CienciasSociales y Humanidades CUCSH da Universidad de Guadalajara U de G – no Estado de Jalisco, República doMéxico, no período de 13 a 18 de agosto de 2007.

Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 200885sociais (rituais ou cotidianas), organização política (não entendida somente como práticapartidária) ou mesmo participação cidadã. Ou, em outro sentido, que mudanças sócio-culturais epolítico-simbólicas relacionadas às formas de participação nos circuitos produção-circulaçãoconsumo,refletem-se em sistemas de objetos e formas sociais de produção, alterando,modificando, atualizando as mesmas, ou simplesmente refuncionalizando-as em função de suaeficaz participação nestes circuitos.Entretanto, e apesar da falta de reflexão realizada a partir de investigaçãosociológica/antropológica, histórica, estéticas, e de outras disciplinas 132 que integrem em suasabordagens questões relativas a uma economia simbólica e política da indústria artesanal, épossível construir um cenário onde se encontram diversas formas de organização social deprodução artesanal e múltiplas expressões materiais tradicionais e contemporâneas. E buscar,por este cenário, por algumas pistas sobre a organização da indústria artesanal no Brasil, econseqüentemente do fenômeno econômico artesanal.Ao modo de um início, tomo uma classificação mais abrangente, formulada porMAUSS 133 , e que permite localizar a indústria artesanal em meio a uma história da tecnologiahumana ocidental. Para este autor, as formas de produção artesanal configurariam – em meio àdistribuição das técnicas – as técnicas especiais (ou especializadas) de uso geral, ou indústriasgerais de uso especial (ou especializado) como a cestaria, a cerâmica, cordas e fios, colas eresinas e tinturas.Esta classificação maussiana propõe que neste nível da classificação da tecnologiadesenvolvida pelo homem, encontra-se a noção de divisão do trabalho – por sexo, idade oulocalidade - e conseqüentemente de ofício. Com isso, funda a crença de que nem todas astécnicas estão distribuídas igualmente nos diferentes contextos humanos, o que geraria anecessidade de investigar cada arte em si mesma e, posteriormente, compará-la com outrasartes encontradas em outros contextos.Todavia, esta classificação maussiana, por mais significativa que possa ser para umaprimeira aproximação com a indústria artesanal, tem por parâmetros definidores os ramos de132 Como possível marco referencial de uma investigação sobre a organização da produção artesanal remeto àWILLIAMS em seu livro sobre a cultura. Numa perspectiva sociológica, tendo como apoio a história, este autorutiliza como exemplo as formas de organização artesanal da Europa medieval e seu desenvolvimento em função defatores, como a renascença e a racionalização daquela produção. Este autor não tinha como pretensão fazer umafotografia das mudanças nas formas de organização artesanal, contudo, a utilização deste exemplo poderia guiarmetodologicamente algumas investidas teóricas e empíricas sobre esta temática específica. WILLIAMS, Raymond(2000) Cultura. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra.133 MAUSS, Marcel (2006) op. cit.

Ronaldo <strong>de</strong> Oliveira CorrêaTe<strong>se</strong> <strong>de</strong> Doutorado PPGICH UFSC | outono 200885sociais (rituais ou cotidianas), organização política (não entendida somente como práticapartidária) ou mesmo participação cidadã. Ou, em outro <strong>se</strong>ntido, que mudanças sócio-culturais epolítico-simbólicas relacionadas às formas <strong>de</strong> participação nos circuitos produção-circulaçãoconsumo,refletem-<strong>se</strong> em sistemas <strong>de</strong> objetos e formas sociais <strong>de</strong> produção, alterando,modificando, atualizando as mesmas, ou simplesmente refuncionalizando-as em função <strong>de</strong> suaeficaz participação nestes circuitos.Entretanto, e apesar da falta <strong>de</strong> reflexão realizada a partir <strong>de</strong> investigaçãosociológica/antropológica, histórica, estéticas, e <strong>de</strong> outras disciplinas 132 que integrem em suasabordagens questões relativas a uma economia simbólica e política da indústria artesanal, épossível construir um cenário on<strong>de</strong> <strong>se</strong> encontram diversas formas <strong>de</strong> organização social <strong>de</strong>produção artesanal e múltiplas expressões materiais tradicionais e contemporâneas. E buscar,por este cenário, por algumas pistas <strong>sobre</strong> a organização da indústria artesanal no Brasil, econ<strong>se</strong>qüentemente do fenômeno econômico artesanal.Ao modo <strong>de</strong> um início, tomo uma classificação mais abrangente, formulada porMAUSS 133 , e que permite localizar a indústria artesanal em meio a uma história da tecnologiahumana oci<strong>de</strong>ntal. Para este autor, as formas <strong>de</strong> produção artesanal configurariam – em meio àdistribuição das técnicas – as técnicas especiais (ou especializadas) <strong>de</strong> uso geral, ou indústriasgerais <strong>de</strong> uso especial (ou especializado) como a cestaria, a cerâmica, cordas e fios, colas eresinas e tinturas.Esta classificação maussiana propõe que neste nível da classificação da tecnologia<strong>de</strong><strong>se</strong>nvolvida pelo homem, encontra-<strong>se</strong> a noção <strong>de</strong> divisão do trabalho – por <strong>se</strong>xo, ida<strong>de</strong> oulocalida<strong>de</strong> - e con<strong>se</strong>qüentemente <strong>de</strong> ofício. Com isso, funda a crença <strong>de</strong> que nem todas astécnicas estão distribuídas igualmente nos diferentes contextos humanos, o que geraria anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investigar cada arte em si mesma e, posteriormente, compará-la com outrasartes encontradas em outros contextos.Todavia, esta classificação maussiana, por mais significativa que possa <strong>se</strong>r para umaprimeira aproximação com a indústria artesanal, tem por parâmetros <strong>de</strong>finidores os ramos <strong>de</strong>132 Como possível marco referencial <strong>de</strong> uma investigação <strong>sobre</strong> a organização da produção artesanal remeto àWILLIAMS em <strong>se</strong>u livro <strong>sobre</strong> a cultura. Numa perspectiva sociológica, tendo como apoio a história, este autorutiliza como exemplo as formas <strong>de</strong> organização artesanal da Europa medieval e <strong>se</strong>u <strong>de</strong><strong>se</strong>nvolvimento em função <strong>de</strong>fatores, como a renascença e a racionalização daquela produção. Este autor não tinha como pretensão fazer umafotografia das mudanças nas formas <strong>de</strong> organização artesanal, contudo, a utilização <strong>de</strong>ste exemplo po<strong>de</strong>ria guiarmetodologicamente algumas investidas teóricas e empíricas <strong>sobre</strong> esta temática específica. WILLIAMS, Raymond(2000) Cultura. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra.133 MAUSS, Marcel (2006) op. cit.

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