Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes

Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes

pct.capes.gov.br
from pct.capes.gov.br More from this publisher
20.07.2015 Views

Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 200862NOVELO complementa estas duas possibilides de classificação com outras que vêem oartesanato como os produtos resultados de uma intervenção de designers profissionais(englobam esta categoria as atividades projetuais como o design - e suas especificidades, asaber: de produto, textil, gráfico, interiores, entre outros -, e a arquitetura), promotores culturaisou artistas em comunidades ou grupos produtores. Ou ainda, os produtos gerados pela“inspiração” daqueles especialistas numa tentativa de “resgatar” e “modernizar” os velhossistemas de objetos tradicionais 89 , que se produz, na visão destes especialistas, informalmentepor “autores” anônimos e sem instrução técnica formal.Esta última questão soma às caracterizações do artesanato, exigências e qualidadesrelacionadas com o campo da arte – ou de um tipo de arte institucionalizada, tais como: anecessidade de um autor/artista, seja ele (ela) indígena, popular, primitivo, urbano. Todavia, aomesmo tempo em que estas classificações prescionam o (a) artesão (ã) a exercer umaperformance de autor-artista, esta deve ser, necessariamente, de autor desconhecido ouanônimo. Isso pelo fato da autoria/identidade autoral ser um estatuto, entre vários, de um tipo dearte hegemônica. Sendo impossível conceber sua existência fora deste contexto ou “campo deforça”, salvo como deformação do campo hegemônico (marcado pela arte naïf) ou, pelaaculturação dos “artistas primitivos” 90 .Para estas classificações ligadas às exigências e qualidades de um tipo de artehegemônica, as formas artesanais (ou seja, os modelos) devem ser tradicionais ou remeter a umtipo de tradição rural, popular ou étnica tirânica que não permite a mudança ou atualização dasformas, técnicas, narrativas em função de um “ideal” de pureza, originalidade ou autenticidade.89 Exemplos citados por NOVELO em outro texto, a saber: “usar las dotes de las bordadoras de huipiles yucatecospara bordar camisetas com leyendas turísticas; convertir morrales en cojines o canastros en lámparas; hacer tapaspara cajas de Kleenex com barro decorado, y muchos etcéteras”. NOVELO, Victória. Intoducción. In: ______(coordenadora) (2003) La capacitación de artesanos en México, una revisión. México: PyV, S.A. de C.V. nota 1. p.12.90 Sobre esta questão, remeto a uma citação de Holm, no texto de PRICE, a saber: “Os artistas indígenas da costanoroeste [estadunidense], assim como os ‘artistas primitivos’ de outras culturas, têm permanecido, em sua grandeparte, anônimos no nosso tempo. Ademais, quando o homem moderno, produto de uma sociedade que colocagrande ênfase em nomes, fama e realização individual, olha para uma coleção de máscaras ou outras obras de artede tais culturas exóticas, ele dificilmente visualiza um indivíduo humano criador por trás de cada peça”. E sobre esteindivíduo humano, criador, completa, “A idéia de que cada objeto representa a atividade criativa de umapersonalidade humana específica, que viveu e trabalhou em determinado tempo e lugar, cuja carreira artística tevecomeço, meio e fim, e cujo trabalho influenciou e foi influenciado pelo trabalho de outros artistas, dificilmente serálembrada” (Holm, 1974), citado por PRICE, Sally (2000) op. cit. p. 98.

Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 200863Por fim, NOVELO explcita um aúltima forma de classificação do sistema de objetosartesanais. Estes seriam caracterizados como produto ideológico. Onde se depositaria, entreoutros signos/significados, a nacionalidade ou identidade nacional.Nestas definições, a preocupação recai sobre a descrição física, técnica e decorativa esobre a classificação dos objetos artesanais de acordo com parâmetros, como: ramos deprodução, procedência geográfica e técnicas de elaboração, atribuição de significadosideológicos, pouco se interessando pelas formas sociais de produção destes objetos e por seusrealizadores/autores.Ademais, abordar as formas/processos de trabalho e não somente os objetos artesanais,permite definir o artesanato por um lado, através de sua produção manual na elaboração dosprodutos. Por outro, pelo tipo de produtos que resulta desta elaboração, de acordo com os tiposde trabalho (gestos ou ações) e as relações sociais implícitas, ou explícitas nos objetos e na suacirculação nos circuitos de consumo. E, concordando com NOVELO, “que quero dizer com isso?Simplesmente que não vamos poder falar dos artesanatos como objetos acabados sem antesvermos quem produz, como produz, para quem produz, para que se produz, quando se produz eem que situação estão [vivem] os que produzem” 91 .Estas questões, transformadas em perspectiva de investigação, podem ser observadasno trabalho de GARCIA CANCLINI 92 relacionado às culturas populares mexicanas e suainserção no capitalismo. Sua pesquisa, realizada em fins da década de 1970 e início da décadade 1980, tem por objeto as esculturas de diablos modeladas, em sua maioria, por artesãs emOcumicho – povoado localizado na Região Tarasca, no Estado de Michoacán, na República doMéxico.Utilizando como procedimento metodológico a análise contextual e histórica, aqueleautor interpreta (ao modo antropológico) a produção plástica dos conjuntos escultóricosproduzidos nessa região mexicana. GARCIA CANCLINI buscou identificar o mito fundador quedeu suporte a esta objetualidade escultórica, identificar os (as) atores/autores (as) do processode criação/inovação de uma tradição, as temáticas e suas relações com o repertório da produçãoartesanal mexicana. Aquele investigador não se furtou de interpretar as atualizações91 A citação original é: “¿Qué quiero dicir com esto? Sencillamente que no vamo a poder hablar de las artesaníascomo objetos acabados si antes no vemos quién las produce, cómo las produce, para quién se produce, para quése producen, cuándo se producen y en qué situación están los que producen”. NOVELO, Victoria. In: BESTMAURD, Adolfo (1982) op. cit. p. 257.92 GARCIA CANCLINI, Néstor (2002) op. cit.

Ronaldo <strong>de</strong> Oliveira CorrêaTe<strong>se</strong> <strong>de</strong> Doutorado PPGICH UFSC | outono 200862NOVELO complementa estas duas possibili<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classificação com outras que vêem oartesanato como os produtos resultados <strong>de</strong> uma intervenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>signers profissionais(englobam esta categoria as ativida<strong>de</strong>s projetuais como o <strong>de</strong>sign - e suas especificida<strong>de</strong>s, asaber: <strong>de</strong> produto, textil, gráfico, interiores, entre outros -, e a arquitetura), promotores culturaisou artistas em comunida<strong>de</strong>s ou grupos produtores. Ou ainda, os produtos gerados pela“inspiração” daqueles especialistas numa tentativa <strong>de</strong> “resgatar” e “mo<strong>de</strong>rnizar” os velhossistemas <strong>de</strong> objetos tradicionais 89 , que <strong>se</strong> produz, na visão <strong>de</strong>stes especialistas, informalmentepor “autores” anônimos e <strong>se</strong>m instrução técnica formal.Esta última questão soma às caracterizações do artesanato, exigências e qualida<strong>de</strong>srelacionadas com o campo da arte – ou <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> arte institucionalizada, tais como: anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um autor/artista, <strong>se</strong>ja ele (ela) indígena, popular, primitivo, urbano. Todavia, aomesmo tempo em que estas classificações prescionam o (a) artesão (ã) a exercer umaperformance <strong>de</strong> autor-artista, esta <strong>de</strong>ve <strong>se</strong>r, necessariamente, <strong>de</strong> autor <strong>de</strong>sconhecido ouanônimo. Isso pelo fato da autoria/i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> autoral <strong>se</strong>r um estatuto, entre vários, <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong>arte hegemônica. Sendo impossível conceber sua existência fora <strong>de</strong>ste contexto ou “campo <strong>de</strong>força”, salvo como <strong>de</strong>formação do campo hegemônico (marcado pela arte naïf) ou, pelaaculturação dos “artistas primitivos” 90 .Para estas classificações ligadas às exigências e qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> artehegemônica, as formas artesanais (ou <strong>se</strong>ja, os mo<strong>de</strong>los) <strong>de</strong>vem <strong>se</strong>r tradicionais ou remeter a umtipo <strong>de</strong> tradição rural, popular ou étnica tirânica que não permite a mudança ou atualização dasformas, técnicas, narrativas em função <strong>de</strong> um “i<strong>de</strong>al” <strong>de</strong> pureza, originalida<strong>de</strong> ou autenticida<strong>de</strong>.89 Exemplos citados por NOVELO em outro texto, a saber: “usar las dotes <strong>de</strong> las bordadoras <strong>de</strong> huipiles yucatecospara bordar cami<strong>se</strong>tas com leyendas turísticas; convertir morrales en cojines o canastros en lámparas; hacer tapaspara cajas <strong>de</strong> Kleenex com barro <strong>de</strong>corado, y muchos etcéteras”. NOVELO, Victória. Intoducción. In: ______(coor<strong>de</strong>nadora) (2003) La capacitación <strong>de</strong> artesanos en México, una revisión. México: PyV, S.A. <strong>de</strong> C.V. nota 1. p.12.90 Sobre esta questão, remeto a uma citação <strong>de</strong> Holm, no texto <strong>de</strong> PRICE, a saber: “Os artistas indígenas da costanoroeste [estaduni<strong>de</strong>n<strong>se</strong>], assim como os ‘artistas primitivos’ <strong>de</strong> outras culturas, têm permanecido, em sua gran<strong>de</strong>parte, anônimos no nosso tempo. A<strong>de</strong>mais, quando o homem mo<strong>de</strong>rno, produto <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> que colocagran<strong>de</strong> ênfa<strong>se</strong> em nomes, fama e realização individual, olha para uma coleção <strong>de</strong> máscaras ou outras obras <strong>de</strong> arte<strong>de</strong> tais culturas exóticas, ele dificilmente visualiza um indivíduo humano criador por trás <strong>de</strong> cada peça”. E <strong>sobre</strong> esteindivíduo humano, criador, completa, “A idéia <strong>de</strong> que cada objeto repre<strong>se</strong>nta a ativida<strong>de</strong> criativa <strong>de</strong> umapersonalida<strong>de</strong> humana específica, que viveu e trabalhou em <strong>de</strong>terminado tempo e lugar, cuja carreira artística tevecomeço, meio e fim, e cujo trabalho influenciou e foi influenciado pelo trabalho <strong>de</strong> outros artistas, dificilmente <strong>se</strong>rálembrada” (Holm, 1974), citado por PRICE, Sally (2000) op. cit. p. 98.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!