Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes

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Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 200830ser ceramistas, no caso das mulheres alfareras de Amatenango, Estado de Chiapas naRepública do México 25 , ou em outras, onde é privilégio dos homens, esta forma de produção deobjetos utilitários, como os alfareros de Puebla, no Estado de Puebla, também no México 26 .Em função da ampliação do conceito de fenômeno econômico, penso o circuitoprodução-circulação-consumo da indústria artesanal, ou seja, a economia simbólica doartesanato, através da lente maussiana do dom, onde dar, receber e entregar envolve outrasdimensões além da material – as simbólicas, éticas, estéticas e comunicativas. Em uma breveinterpretação do ensaio sobre a dádiva de MAUSS 27 , podemos entender as obrigações como aexplicação dos sentidos dos mitos, e conseqüentemente das ideologias 28 envolvidas no circuitode troca. As obrigações, contra-obrigações e entregas, poderiam materializar-se no interessepelos objetos trocados, interesse jamais separado dos homens (e mulheres) que participamdeste circuito. Assim, as obrigações constituiriam alianças – que envolvem desejos,experiências, símbolos e eventos comunicativos profundos –, as quais estabeleceriam práticasindissolúveis e duradouras entre sujeitos ou grupos sociais. Portanto, as interações diretas via atroca de objetos e não somente deles, entrelaçaria os grupos, estabeleceria uma dívida entre osque trocam, recebem ou entregam, assim como sua reciprocidade/solidariedade, possibilitando25 Remeto às mulheres de origem Maya do Alto de Chiapas (Amatenango del Valle), que têm na cerâmica umaantiga tradição com características pré-hispânicas. Nas comunidades indígenas desta região são as mulheres asresponsaveis pela produção de cerâmica. Isso por estarem relacionadas com a água e todas as tarefas ligadas aeste elemento, exceto a construção de casa, de responsabilidade dos homens. Em uma interpretação mitológicadesta forma de divisão do trabalho, está a personagem “la abuela Xmucané”, antecessora de tudo o que foi criado,aquela que carrega a água vital em um cântaro. Esta ancestralidade mitológica relaciona todas as mulheres com aágua e as liga fraternalmente com os objetos que contém este líquido, no decorrer dos tempos. Conferir TOVARYANNINI, Arturo; MORRIS JR., Walter F. (S.F.) El fuego sobre la tierra: alfareras de Amatenango. México: Institutode Artesania Chiapaneca.26 Cito como exemplo os alfareros urbanos de Puebla, que produzem a louça vitrificada em negro sobre o vermelho.Esta forma de produção - a arte de fazer panelas - passa de pai para filho ou então é ensinada a aprendizes - tendoas regras de parentesco como forma de legitimação do aprendiz. Conferir KAPLAN, Flora S.; PASCHERO, Cecilia(1980) Conocimiento y Estilo: um analisis basado em uma tradición de alfareria mexicana. México: Instituto NacionalIndigenista.27 MAUSS, Marcel. (1923-24) Ensaio sobre a dádiva. In: MAUSS, Marcel (2003) Sociologia e Antropologia. SãoPaulo: Cosac y Naify; PAULME, Denise (1967) Prefacio a la tercera edición. In: MAUSS, Marcel (2006) op. cit. p. 13-2028 Por ideologia estou de acordo com a proposta de conceituação de VILLORO, que ao refletir sobre a dupla funçãoque exercem as crenças coletivas em uma sociedade submetida a uma estrutura de dominação (p. 09), realiza umarevisão histórica, teórica e metodológica deste conceito. Dessa forma, o conceito de ideologia se definiria por suafunção objetiva nas lutas sociais para a obtenção ou manutenção do domínio sobre um grupo, assim como o seucondicionamento social. Portanto, ideologia se refere não ao conjunto de enunciados falsos, mas às crençasdeterminadas socialmente, todavia não necessariamente verdadeiras ou falsas; sendo assim, um conceitosociológico. VILLORO, Luis. (2007) El concepto de ideologia y otros ensayos. 2ª ed. México: Fondo de CulturaEconómico.

Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 200831perceber não só a coerência do circuito e o comprometimento dos seus participantes, mas suasdiferenças, separações, proibições, modificações e atualizações.Ao refletir sobre a organização da economia simbólica do artesanato em FlorianópolisS.C., Brasil, e ao ter alguns contextos mexicanos como testemunhas e parâmetros, busco porapreender num instante interpretativo: 1. A coerência possível encontrada em meio àcomplexidade dos processos sociais de (re)produção de cultura – material. 2. Os movimentosincessantes das interações humanas no intercâmbio de objetos e sentidos. 3. A vida social,como uma instância privilegiada onde os indivíduos tomam consciência de si mesmos e dosdemais, e com esta ação, dão sentido ao estar e atuar no mundo – em específico o mundourbano, multiétnico ou intercultural, capitalista e estratificado recente.Ao assim entender este capítulo, utilizo a entrevista narrativa – em parte biográfica e emparte temática - como procedimento metodológico. Caracterizado como qualitativa, a entrevistanarrativa biográfica 29 tem por objetivo compreender as percepções e construções individuais arespeito da realidade sócio-histórica, e, com isso, possibilita (re)localizar as mudanças culturaisem uma sociedade local, ou grupo social determinado. Este procedimento permite entender asestruturas de dominação ou controle, a partir dos dispositivos identificados em enunciadosextensos. Ou seja, a partir da interação entre o sujeito e o que ele (ela) diz a um outro com quemcompartilha universos simbólicos (conhecimentos, pressupostos, sentimentos), busca-se porsentidos, que são atribuídos não só referencialmente, mas também contextualmente, i.é.,sentidos indexicais (indiciais) 30 . Todos estes sentidos compartilhados em meio a situações29 Agradeço ao Professor Doutor Rainer Henrique Hamel e aos colegas que participaram do Taller de Metodologia“La entrevista autobiográfica narrativa. Metodologia cualitativa em ciencias sociales”, oferecido pelo Posgrado enCiencias Antropologicas da Universidad Autónoma Metropolitana, unidad Iztapalapa. Este seminário cordenado peloDr. Hamel, foi realizado em junho de 2007. Naquela oportunidade, apresentei parte de minha proposta metodológicapara coleta das entrevistas e a forma de aproximação com procedimentos da etnometodologia e da história oral.Este exercício ordenou minha aproximação com o campo da antropologia lingüística e da teoria da crítica literária.30 Com relação ao sentido indexical, remeto à formulação de BRIGGS a respeito dos conceitos-chave utilizados naanálise e interpretação de uma entrevista narrativa. Para este autor os significados em uma narrativa possuem duasformas, a saber: referencial e indexical (indicial). A forma referencial tem relação direta com os conteúdos materiaisdo “mundo real”; contrastivamente a forma indexical (indicial) está relacionada com uma expressão contextual do“mundo real”, ou seja, seu sentido depende das fórmulas padronizadas pelo grupo social, i.e., são sinaisintrinsecamente contextuais que não podem ser interpretados sem o conhecimento ou relação com a situação emque foram utilizados. BRIGGS, Charles L. (1986) Learning how to ask. Cambridge: Cambridge University Press. Vertambém PRIES, Ludger (1993) Biografia y Sociedad: un enfoque integrativo e interdisciplinario. Anuário ´93. EstudosSociales. Puebla: El Colegio de Puebla: Claves Latino Americanas S.A. de C.V. (1ª edición, 1994); APPEL, Michel(2005) La entrevista autobiográfica narrativa: fundamentos teóricos y la praxis de la análisis mostrada a partir delestudio de caso sobre el cambio cultural de los Otomíes en México. Forum Qualitative Sozialforschung/ Forum:Qualitative Social Research [on line journal], 6(2), Art. 16. http://www.qualitative-research.net/fqs-texte/2-05/05-2-16-s.htm

Ronaldo <strong>de</strong> Oliveira CorrêaTe<strong>se</strong> <strong>de</strong> Doutorado PPGICH UFSC | outono 200830<strong>se</strong>r ceramistas, no caso das mulheres alfareras <strong>de</strong> Amatenango, Estado <strong>de</strong> Chiapas naRepública do México 25 , ou em outras, on<strong>de</strong> é privilégio dos homens, esta forma <strong>de</strong> produção <strong>de</strong>objetos utilitários, como os alfareros <strong>de</strong> Puebla, no Estado <strong>de</strong> Puebla, também no México 26 .Em função da ampliação do conceito <strong>de</strong> fenômeno econômico, penso o circuitoprodução-circulação-consumo da indústria artesanal, ou <strong>se</strong>ja, a economia simbólica doartesanato, através da lente maussiana do dom, on<strong>de</strong> dar, receber e entregar envolve outrasdimensões além da material – as simbólicas, éticas, estéticas e comunicativas. Em uma breveinterpretação do ensaio <strong>sobre</strong> a dádiva <strong>de</strong> MAUSS 27 , po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r as obrigações como aexplicação dos <strong>se</strong>ntidos dos mitos, e con<strong>se</strong>qüentemente das i<strong>de</strong>ologias 28 envolvidas no circuito<strong>de</strong> troca. As obrigações, contra-obrigações e entregas, po<strong>de</strong>riam materializar-<strong>se</strong> no interes<strong>se</strong>pelos objetos trocados, interes<strong>se</strong> jamais <strong>se</strong>parado dos homens (e mulheres) que participam<strong>de</strong>ste circuito. Assim, as obrigações constituiriam alianças – que envolvem <strong>de</strong><strong>se</strong>jos,experiências, símbolos e eventos comunicativos profundos –, as quais estabeleceriam práticasindissolúveis e duradouras entre sujeitos ou grupos sociais. Portanto, as interações diretas via atroca <strong>de</strong> objetos e não somente <strong>de</strong>les, entrelaçaria os grupos, estabeleceria uma dívida entre osque trocam, recebem ou entregam, assim como sua reciprocida<strong>de</strong>/solidarieda<strong>de</strong>, possibilitando25 Remeto às mulheres <strong>de</strong> origem Maya do Alto <strong>de</strong> Chiapas (Amatenango <strong>de</strong>l Valle), que têm na cerâmica umaantiga tradição com características pré-hispânicas. Nas comunida<strong>de</strong>s indígenas <strong>de</strong>sta região são as mulheres asresponsaveis pela produção <strong>de</strong> cerâmica. Isso por estarem relacionadas com a água e todas as tarefas ligadas aeste elemento, exceto a construção <strong>de</strong> casa, <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> dos homens. Em uma interpretação mitológica<strong>de</strong>sta forma <strong>de</strong> divisão do trabalho, está a personagem “la abuela Xmucané”, antecessora <strong>de</strong> tudo o que foi criado,aquela que carrega a água vital em um cântaro. Esta ancestralida<strong>de</strong> mitológica relaciona todas as mulheres com aágua e as liga fraternalmente com os objetos que contém este líquido, no <strong>de</strong>correr dos tempos. Conferir TOVARYANNINI, Arturo; MORRIS JR., Walter F. (S.F.) El fuego <strong>sobre</strong> la tierra: alfareras <strong>de</strong> Amatenango. México: Instituto<strong>de</strong> Artesania Chiapaneca.26 Cito como exemplo os alfareros urbanos <strong>de</strong> Puebla, que produzem a louça vitrificada em negro <strong>sobre</strong> o vermelho.Esta forma <strong>de</strong> produção - a arte <strong>de</strong> fazer panelas - passa <strong>de</strong> pai para filho ou então é ensinada a aprendizes - tendoas regras <strong>de</strong> parentesco como forma <strong>de</strong> legitimação do aprendiz. Conferir KAPLAN, Flora S.; PASCHERO, Cecilia(1980) Conocimiento y Estilo: um analisis basado em uma tradición <strong>de</strong> alfareria mexicana. México: Instituto NacionalIndigenista.27 MAUSS, Marcel. (1923-24) Ensaio <strong>sobre</strong> a dádiva. In: MAUSS, Marcel (2003) Sociologia e Antropologia. SãoPaulo: Cosac y Naify; PAULME, Deni<strong>se</strong> (1967) Prefacio a la tercera edición. In: MAUSS, Marcel (2006) op. cit. p. 13-2028 Por i<strong>de</strong>ologia estou <strong>de</strong> acordo com a proposta <strong>de</strong> conceituação <strong>de</strong> VILLORO, que ao refletir <strong>sobre</strong> a dupla funçãoque exercem as crenças coletivas em uma socieda<strong>de</strong> submetida a uma estrutura <strong>de</strong> dominação (p. 09), realiza umarevisão histórica, teórica e metodológica <strong>de</strong>ste conceito. Dessa forma, o conceito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia <strong>se</strong> <strong>de</strong>finiria por suafunção objetiva nas lutas sociais para a obtenção ou manutenção do domínio <strong>sobre</strong> um grupo, assim como o <strong>se</strong>ucondicionamento social. Portanto, i<strong>de</strong>ologia <strong>se</strong> refere não ao conjunto <strong>de</strong> enunciados falsos, mas às crenças<strong>de</strong>terminadas socialmente, todavia não necessariamente verda<strong>de</strong>iras ou falsas; <strong>se</strong>ndo assim, um conceitosociológico. VILLORO, Luis. (2007) El concepto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia y otros ensayos. 2ª ed. México: Fondo <strong>de</strong> CulturaEconómico.

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