Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes
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Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008248consumidor (sujeito do querer) deixa de entender as relações de proxêmica que envolvem asesculturas, marcada em uma lógica das atuações, para exigir uma cenografia estática dasmanifestações populares. Dito de outra forma, no lugar da ilusão e do jogo de exposições evelamento desconcertantes de uma escultura em relação à outra e ao conjunto, o consumidor ésatisfeito com um diorama inerte e colorido. Esta tensão culmina na terceira cena escolhida paranarrar as atualizações das performances dramáticas do boi-de-mamão: o enfraquecimento daironia da maricota.A torpez da maricota, representada nas performances a que assisti, foi o movimento quechamou a minha atenção, no processo de atualização da encenação do boi-de-mamão.Impressiona o enfraquecimento da ironia de uma personagem que surge para ser a maiscontundente imagem do caráter carnavalesco rabelasiano. A maricota está presente no Boi-demamãopara satirizar as mulheres alemãs e converter-se no emblema de toda mulherdesproporcional, exagerada ou suntuosa. Esta ambiguidade da maricota em retratar tanto um“gosto”, quanto a falta deste, caracteriza a idéia do inacabamento da existência nas formaspopulares de (re)apresentar especial e burlescamente o outro.No roteiro original, a maricota - a “mulher gigante” - ironiza as disputas étnicas quemarcam a configuração das políticas de identidade na região, especialmente na Ilha e litoral,onde as escolhas ideológicas das instituições de gestão das políticas culturais tomaram porsujeito-épico o Mané, e como narrativa-mito identitária fundacional, a migração açoriana. Estanarrativa, elaborada e re-elaborada no decorrer do século XX, constrói disputas conflitivas entregrupos étnicos e suas práticas culturais, estabelecendo as fraturas que se instituem com opassar do tempo como desigualdades, por exemplo, o mané preguiçoso e o alemão trabalhador.A maricota é uma das objetualidades daquela tensão, talvez a mais contundente e dealguma forma a mais carnavalesca. Acredito ser importante a presença da maricota naperformance dramática do boi-de-mamão, pelo fato desta personagem irônica participar de umamanifestação popular que possui centralidade nas práticas culturais (e identitárias) na Ilha deSanta Catarina. Tomo, assim, a roda do boi-de-mamão como o espaço público onde as questõesde toda ordem podem ser apresentadas, subvertidas e destronadas. Este espaço, tomado qual apraça pública medieval, onde os espetáculos do riso vencem o medo salvaguardados pelaambivalência de toda as imagens. A roda aparece como a configuração do tempo carnavalesco,e nesta perspectiva, cronotopo da performance dramática. No que toca à objetualidade do dramado boi, ou seja, no artesanato, é a roda a forma que organiza o conjunto escultural, fazendo com
Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008249que seja construída a proximidade e o afastamento narrativo (visual) entre as personagens,encadeando dessa forma sutil o sumário (visual) do boi-de-mamão.Este fato me faz crer que a performance do boi, uma vez utilizada para dramatizar aFarra, converte-se em locos privilegiado para colocar em pauta, no âmbito das imaginaçõespopulares, os diferentes conflitos e tensões que se apresentam e que, de alguma forma, devemser “devorados” para, então, receberem a justa medida de sua existência no cosmos tradicional.Esta minha percepção confirma mais uma vez que o folclore/cultura popular éespaço/estratégia/dispositivo de re-organização psicossocial de grupos subalternos em meio aocosmos urbano recente, como propôs FERNANDES 326 . Sendo assim, cada personagem queparticipa é descartada ou incorporada, carrega em sua atuação uma potência de crítica social emanifestação política. Esta especificidade é compartilhada pelos sistemas de objetos artesanais,que em sua coisidade carregam os sentidos destes conflitos, gestos e ações.No entanto, retorno à objetualidade da maricota para, a partir dela, expor mais umdispositivo de atualização ou modernização das narrativas artesanais. Talvez o maisdesestabilizador de uma potência política relacionada a estes sistemas de objetos. Tomo porponto (ou pontos) de aproximação as maricotas modeladas por Dona Maricota (ficha técnica 28)e Edwilson e Resplendor (ficha técnica 27). Ambas têm por motriz da gestualidade plástica o queos artesãos (ãs) denominaram como “rusticidade”, que não está vinculada ao pouco trabalho,mas a uma qualidade superficial que demarca o lugar da peça no cenário das formas deprodução artesanal, que têm a modelagem como técnica (sistema técnico/tecnológico). Contudo,eu gostaria de chamar a atenção para a possibilidade de entender teoricamente esta qualidadede “rusticidade” no âmbito do que BAKHTIN denominou corpo grotesco: “Como já tinhamosassinalado, o corpo grotesco é um corpo em movimento. Não está nunca pronto nem acabado:está sempre em estado de construção, de criação e ele mesmo constrói outro corpo; ademais,este corpo absorve o mundo e é absorvido por este (...)” 327 .A rusticidade da maricota poderia ser explicada neste “enquanto” do corpo grotesco. Nãonecessariamente da forma que BAKHTIN apresenta este corpo, mas a partir do que acaracterização desta noção potencializa à maricota ser ironia e metamorfose. Como exemplo,interpreto a maricota de Dona Maricota. Aquela carrega no rosto as marcas da imagem grotesca,326 FERNANDES, Florestan (2004) op. cit.327 A citação original é: Como ya hemos señalado, el cuerpo grotesco es un cuerpo en movimiento. No és nunca listoni acabado: está siempre en estado de construcción, de creación y él mismo construye otro cuerpo; además, estecuerpo absorbe el mundo y es absorbido por éste (…). BAJITIN, Mijail. (2005) op. cit. p. 285.
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Ronaldo <strong>de</strong> Oliveira CorrêaTe<strong>se</strong> <strong>de</strong> Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008249que <strong>se</strong>ja construída a proximida<strong>de</strong> e o afastamento narrativo (visual) entre as personagens,enca<strong>de</strong>ando <strong>de</strong>ssa forma sutil o sumário (visual) do boi-<strong>de</strong>-mamão.Este fato me faz crer que a performance do boi, uma vez utilizada para dramatizar aFarra, converte-<strong>se</strong> em locos privilegiado para colocar em pauta, no âmbito das imaginaçõespopulares, os diferentes conflitos e tensões que <strong>se</strong> apre<strong>se</strong>ntam e que, <strong>de</strong> alguma forma, <strong>de</strong>vem<strong>se</strong>r “<strong>de</strong>vorados” para, então, receberem a justa medida <strong>de</strong> sua existência no cosmos tradicional.Esta minha percepção confirma mais uma vez que o folclore/cultura popular éespaço/estratégia/dispositivo <strong>de</strong> re-organização psicossocial <strong>de</strong> grupos subalternos em meio aocosmos urbano recente, como propôs FERNANDES 326 . Sendo assim, cada personagem queparticipa é <strong>de</strong>scartada ou incorporada, carrega em sua atuação uma potência <strong>de</strong> crítica social emanifestação política. Esta especificida<strong>de</strong> é compartilhada pelos sistemas <strong>de</strong> objetos artesanais,que em sua coisida<strong>de</strong> carregam os <strong>se</strong>ntidos <strong>de</strong>stes conflitos, gestos e ações.No entanto, retorno à objetualida<strong>de</strong> da maricota para, a partir <strong>de</strong>la, expor mais umdispositivo <strong>de</strong> atualização ou mo<strong>de</strong>rnização das narrativas artesanais. Talvez o mais<strong>de</strong><strong>se</strong>stabilizador <strong>de</strong> uma potência política relacionada a estes sistemas <strong>de</strong> objetos. Tomo porponto (ou pontos) <strong>de</strong> aproximação as maricotas mo<strong>de</strong>ladas por Dona Maricota (ficha técnica 28)e Edwilson e Resplendor (ficha técnica 27). Ambas têm por motriz da gestualida<strong>de</strong> plástica o queos artesãos (ãs) <strong>de</strong>nominaram como “rusticida<strong>de</strong>”, que não está vinculada ao pouco trabalho,mas a uma qualida<strong>de</strong> superficial que <strong>de</strong>marca o lugar da peça no cenário das formas <strong>de</strong>produção artesanal, que têm a mo<strong>de</strong>lagem como técnica (sistema técnico/tecnológico). Contudo,eu gostaria <strong>de</strong> chamar a atenção para a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r teoricamente esta qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> “rusticida<strong>de</strong>” no âmbito do que BAKHTIN <strong>de</strong>nominou corpo grotesco: “Como já tinhamosassinalado, o corpo grotesco é um corpo em movimento. Não está nunca pronto nem acabado:está <strong>se</strong>mpre em estado <strong>de</strong> construção, <strong>de</strong> criação e ele mesmo constrói outro corpo; a<strong>de</strong>mais,este corpo absorve o mundo e é absorvido por este (...)” 327 .A rusticida<strong>de</strong> da maricota po<strong>de</strong>ria <strong>se</strong>r explicada neste “enquanto” do corpo grotesco. Nãonecessariamente da forma que BAKHTIN apre<strong>se</strong>nta este corpo, mas a partir do que acaracterização <strong>de</strong>sta noção potencializa à maricota <strong>se</strong>r ironia e metamorfo<strong>se</strong>. Como exemplo,interpreto a maricota <strong>de</strong> Dona Maricota. Aquela carrega no rosto as marcas da imagem grotesca,326 FERNANDES, Florestan (2004) op. cit.327 A citação original é: Como ya hemos <strong>se</strong>ñalado, el cuerpo grotesco es un cuerpo en movimiento. No és nunca listoni acabado: está siempre en estado <strong>de</strong> construcción, <strong>de</strong> creación y él mismo construye otro cuerpo; a<strong>de</strong>más, estecuerpo absorbe el mundo y es absorbido por éste (…). BAJITIN, Mijail. (2005) op. cit. p. 285.