Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes

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Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008178Fragmento 18Fonte: EN: F02 – MM – 10/2006. Turnos 103-110E. Mas já lhe disseram: “Ah! É por causa de (...)” alguma coisa específica na peça?M. Não, eles perguntam o que é que eu tenho na mão que as minhas peças não ficam ásperas,parecem que são lixadas (...)E. Ah, tá!M. Esses três não fui eu que fiz. Foi uma pessoa que trabalhou aqui que fez (...) mas pode ver, jápega aqui e vê o meu ((me pede para pegar duas peças e compará-las)).E. Realmente (...)M. Eles têm (...) eu disse: ”sabe o que que é! Vocês têm o hábito de trabalhar com as mãossujas de barro, né! Porque quando termina de sovar o barro, eles sovam (...) pode ver tudolisinho!!!E. Agora eu vou reparar mais, quando eu for nos lugares, para ver se as peças são lisinhas!M. Porque quando eles terminham de sovar o barro, porque a mesa – o sovador do barro é alifora – vou lá no tanque, lavo a mão, pra depois vim trabalhar (...) aí eu sovo as torinhas, parafazer os pedacinhos para fazer as peças, vou lá lavo a mão de novo (...) se gastasse eu já nãotinha mais nem mão! Pra sempre a mão está limpa, proque se a mão está com barro, que ficao barro molhado, quando tu pega aquele barro já fica aquela marca. Então tu trabalha semprecom a mão limpa, por isso tem sempre aqueles paninhos também por aqui, que eu tô semprepassando a mão, aí num marca nada, porque a mão está limpa, entendesse!Nota-se que, em justapondo as três narrativas, algumas técnicas são privilegiadas eoutras não 233 . Ao centralizar a atenção nas técnicas de solda e acabamento, Resplendor expõeque seu gesto técnico tem por motivação a plástica (o acabamento, outros) e Dona Olindaprivilegia os desenhos, e, por conseguinte, as preocupações estéticas. De outra forma, DonaMaricota vê na matéria do barro o locus do gesto plástico. Dito de outra forma, para esta artesã éna preparação da massa onde reside a estética das peças modeladas, como marcado no trecho(...) porque a mesa – o sovador do barro é alí fora – vou lá no tanque, lavo a mão, pra depois vimtrabalhar (...) aí eu sovo as torinhas, para fazer os pedacinhos para fazer as peças, vou lá lavo amão de novo (...).233Deixo claro que na narrativa dos (as) artesãos (ãs) todos os processos técnicos de alguma forma aparecem. Oque discuto aqui é a relevância que alguns procedimentos tomam na construção das histórias e como estasrelevâncias ajudam a entender as estratégias de modernizar-se.

Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008179Na especificidade da técnica de sovar, (...) lavo a mão (...), e (...) lavo a mão de novo(...), a narradora localiza a motivação de seu gesto neste procedimento. Esta localizaçãoconfirma minha argumentação de que, no processo de identificar as possibilidades deatualização biográfica, artesãos (ãs) dispõem de diferentes dispositivos para modernizar-se.Com isso quero dizer que, ao mapear as estratégias narrativas e reconstruí-las, é impossívelsustentar argumentos como os de a-historicidade, de uma tradição tirânica em relação àsagências dos grupos subalternos, ou de anonimato, entre tantas outras sustentadas com relaçãoà cultura popular.Ao ter exposto alguns fragmentos narrativos sobre as formas de fazer artesanal,apresento minha reconstrução do gesto técnico de Resplendor e Edwilson, assim como aquelade Dona Olinda e Seu Petrolino e a de Dona Maricota. Ou seja, apresento, comparo e interpretoas matrizes de processos de produção artesanal. A partir desta comparação, pretendo expor queas técnicas utilizadas por estes artesãos ultrapassam aquelas listadas nos fluxos narrativosanalisados, e que, em alguns momentos, aquelas motivações interpretadas anteriormenteconfiguram-se qual fases das formas de fazer.A partir da observação, reconstrução e sistematização do gesto técnico de Resplendor eEdwilson no protocolo MMPA – ED&R – 11/2007, apresento 05 (cinco) fases e 16 (dezesseis)processos/técnicas, dependentes de 09 (nove) instrumentos ou ferramentas. No proceder decada técnica seria possível desdobrá-la em muitas outras, e tenho ciência ser uma orientação deMAUSS no “Manual...”, a observação atenta das técnicas, como bem alerta este autor: “éindispensável uma precisão absoluta na observação das técnicas” 234 . Especialmente sobre astécnicas mecânicas, como a cerâmica, MAUSS alerta ser importante os “estudos dos diferentesmomentos de fabricação, desde a matéria-prima até o objeto terminado. Será estudado, pois, damesma forma, o modo de uso e a produção de cada ferramenta” 235 . Todavia, assumo estaespecificidade dos procedimentos ser desnecessária no tipo de interpretação que realizo nesteensaio, visto que minha intenção recai sobre a gestualidade e não sobre a descrição sistemáticados procedimentos.234 A citação original, a saber é: Es indispensable una precisión absoluta en la observación de las técnicas. MAUSS,Marcel. (2006) op. cit. p. 49.235 Conferir a citação original: Estudio de los diferentes momentos de la fabricación, desde la materia prima hasta elobjeto terminado. Se estudiará luego de la misma manera el modo de empleo y la producción de cada herramienta.Idem, p. 54.

Ronaldo <strong>de</strong> Oliveira CorrêaTe<strong>se</strong> <strong>de</strong> Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008178Fragmento 18Fonte: EN: F02 – MM – 10/2006. Turnos 103-110E. Mas já lhe dis<strong>se</strong>ram: “Ah! É por causa <strong>de</strong> (...)” alguma coisa específica na peça?M. Não, eles perguntam o que é que eu tenho na mão que as minhas peças não ficam ásperas,parecem que são lixadas (...)E. Ah, tá!M. Es<strong>se</strong>s três não fui eu que fiz. Foi uma pessoa que trabalhou aqui que fez (...) mas po<strong>de</strong> ver, jápega aqui e vê o meu ((me pe<strong>de</strong> para pegar duas peças e compará-las)).E. Realmente (...)M. Eles têm (...) eu dis<strong>se</strong>: ”sabe o que que é! Vocês têm o hábito <strong>de</strong> trabalhar com as mãossujas <strong>de</strong> barro, né! Porque quando termina <strong>de</strong> sovar o barro, eles sovam (...) po<strong>de</strong> ver tudolisinho!!!E. Agora eu vou reparar mais, quando eu for nos lugares, para ver <strong>se</strong> as peças são lisinhas!M. Porque quando eles terminham <strong>de</strong> sovar o barro, porque a mesa – o sovador do barro é alifora – vou lá no tanque, lavo a mão, pra <strong>de</strong>pois vim trabalhar (...) aí eu sovo as torinhas, parafazer os pedacinhos para fazer as peças, vou lá lavo a mão <strong>de</strong> novo (...) <strong>se</strong> gastas<strong>se</strong> eu já nãotinha mais nem mão! Pra <strong>se</strong>mpre a mão está limpa, proque <strong>se</strong> a mão está com barro, que ficao barro molhado, quando tu pega aquele barro já fica aquela marca. Então tu trabalha <strong>se</strong>mprecom a mão limpa, por isso tem <strong>se</strong>mpre aqueles paninhos também por aqui, que eu tô <strong>se</strong>mprepassando a mão, aí num marca nada, porque a mão está limpa, enten<strong>de</strong>s<strong>se</strong>!Nota-<strong>se</strong> que, em justapondo as três narrativas, algumas técnicas são privilegiadas eoutras não 233 . Ao centralizar a atenção nas técnicas <strong>de</strong> solda e acabamento, Resplendor expõeque <strong>se</strong>u gesto técnico tem por motivação a plástica (o acabamento, outros) e Dona Olindaprivilegia os <strong>de</strong><strong>se</strong>nhos, e, por con<strong>se</strong>guinte, as preocupações estéticas. De outra forma, DonaMaricota vê na matéria do barro o locus do gesto plástico. Dito <strong>de</strong> outra forma, para esta artesã éna preparação da massa on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> a estética das peças mo<strong>de</strong>ladas, como marcado no trecho(...) porque a mesa – o sovador do barro é alí fora – vou lá no tanque, lavo a mão, pra <strong>de</strong>pois vimtrabalhar (...) aí eu sovo as torinhas, para fazer os pedacinhos para fazer as peças, vou lá lavo amão <strong>de</strong> novo (...).233Deixo claro que na narrativa dos (as) artesãos (ãs) todos os <strong>processo</strong>s técnicos <strong>de</strong> alguma forma aparecem. Oque discuto aqui é a relevância que alguns procedimentos tomam na construção das histórias e como estasrelevâncias ajudam a enten<strong>de</strong>r as estratégias <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnizar-<strong>se</strong>.

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