Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes
Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes
Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008172Esta estratégia de construir o enunciado caracteriza esta tomada de ponto de vista comoa instituição de uma narradora–testemunha. Na afirmativa (...) eu entendo da seguinte forma (...),este “eu” em primeira pessoa é um “eu” que observa de dentro os acontecimentos; este “eu” étestemunha não por um acaso, mas, e sobretudo, pelo desejo de instituir uma verdade ou, ainda,pelo desejo de que os acontecimentos pareçam como verdade 230 . Deveras, Resplendor atuasintetizando as histórias a partir de seu lugar de fala, construindo cenas (sumários), relatandoseqüências como as que seguem este trecho.A explanação das técnicas inicia com o seguinte trecho: (...) ela é feita a partir depedaços (...) e pedaços geométricos, né, mais ou menos geométricos (...), desdobra-se emfases, (...) foi feito a partir de um rolo, um cilindro né, aqui então umas esferas (...) e a partirdestas formas geométricas que a gente vai colando, tem a parte de colagem (...), e encerra como acabamento (...) a gente risca com uma argila bem molinha, e vai colando estas partes e vaiprocurando fazer desaparecer as imendas (...). De forma a sistematizar a reconstrução dofragmento, a modelagem narrada por Resplendor possui três técnicas, a saber: 1. Fragmentaçãoda massa em pedaços. 2. Configuração dos pedaços em formas geométricas. 3. Colagem eacabamento. Todavia, esta descrição sombreia, em sua simplicidade, a complexidade doato/gesto de modelar.Na reconstrução dos gestos de deslizar de mãos sobre o barro, transformar a massa embonecos (as), preparar para a queima e queimar, imprimir cores e padrões sobre os corpos deargila, reservar e embalar os conjuntos modelados, percebi que existe muito mais do que amanipulação de rolinhos e esferas – aquelas três técnicas anunciadas no trecho reconstruído.Por trás da manipulação daquela geometria e de marcadores como (...) a partir destas (...), (...)que a gente vai (...), (...) e vai (...), (...) tem a parte de (...), oculta-se uma infinidade de pequenosmovimentos, pequenas pressões e impressões de sentido que, iconizados, constituem os signosa serem lidos como textos que narram a respeito do trabalho, das histórias e personagens, dostempos e dos lugares. Neste deslizar de dedos sobre cilindros e esferas, cada pressão configurauma forma, um sentido: são cavidades onde serão pintados olhos, são ondulações quedesdobram movimentos e simulam danças, são rasgos que abrem bocas monstruosas, sãoincontáveis pontos coloridos que mimetizam tecidos baratos, rendas elaboradas e laços de fitasde cetim.230 A caracterização do foco narrativo (do narrador/a) qual narrador-testemunha (“I” as witness) está em consonânciacom o proposto nas teorias do foco narrativo de Norman Friedman explicado por LEITE. LEITE, Ligia ChiappiniMoraes (2006) O foco narrativo. 10ª ed., 8ª reimpressão. São Paulo: Editora Ática. (série Princípios).
Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008173Acredito que dizer: (...) É basicamente isso que eu entendo, por esta técnica demodelagem (...), é a forma mais árida de expor o fazer, é a forma mais simples de apresentar ogesto técnico artesanal. E desconfiando desta simplicidade, lanço mão da seguinte estratégia:num primeiro momento, sigo aproximando as vozes (narrativas), expondo os enunciados sobreas técnicas e estéticas, as percepções sobre o fazer, para, logo em seguida, realizar acomparação entre as matrizes de processos de produção artesanal. Isso, para expor o queacredito ser a materialidade do gesto técnico artesanal - o fazer – em sua complexidade.Como uma primeira questão a ser refletida a partir das estratégias citadas acima, chamoa atenção aos esquecimentos e às intencionalidades de sua presença como dispositivo deobscurecimento, de desvio da atenção, de lusco-fusco que distrai a “guarda do castelo”. E amodo de uma primeira resposta, penso ser possível que o “esquecimento” de Resplendor, e quepermanece de forma variada nos outros narradores, de grande parte das técnicas, sejaprovocado pelo fato das seqüências de gestos já estarem profundamente incorporados aocotidiano da narradora, constituindo pouca novidade ou uma nova impressão ou gestualidadeque mereçam ser mencionados na narrativa. Mas, também, pode ser recurso de manutençãodos mistérios sobre o barro. Para aprofundar minha inquietação sobre os esquecimentos(sombreamentos), e com isso configurar este dispositivo ao modo de evidência das estratégiassobre as mudanças biográficas e laborais, apresento o fragmento em que Dona Olinda comentasobre as técnicas da modelagem que utiliza:Fragmento 16Fonte: EN: F01 – O&P – 09/2006. Turnos 22-26O. Daí tive meu filho com (...) aí ia fazer quarenta e um, né! Então na gravidez dele todinha fiqueina cerâmica, trabalhando. Aí tive umas aulinhas de como trabalhar mesmo, como queimar queeu não sabia (...) aí eu aprendi (...)E. E essas aulas a senhora teve onde?O. Na universidade, ali! ((UFSC))E. Ah, é!O. É, teve umas aulas, foi uma professora lá de São José, lá da escola de São José! Foi fazerumas aulas, lá (...) então eu fiz (...) só os principios, assim né (...) aí aprendi um pouco do boi-demamão,pra fazer o boi-de-mamão, tal assim (...), que é o de rolinho, né! Que a gente fazprimeiro (...) depois aí (...) depois disso eu comecei a desenvolver o meu jeito, né (...) agora eufaço tudo, agora eu faço presépio, né! Tudo os costumes aqui da ilha, os costumes que eulembro assim (...), de quando eu era criança, por exemplo, ali ((aponta para uma prateleira)) ovendedor de cebola, vendedor de rosca (...) ah (...) e outros costumes assim (...)
- Page 121 and 122: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 123 and 124: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 125 and 126: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 127 and 128: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 129 and 130: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 131 and 132: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 133 and 134: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 135 and 136: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 137 and 138: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 139 and 140: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 141 and 142: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 143 and 144: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 145 and 146: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 147 and 148: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 149 and 150: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 151 and 152: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 153 and 154: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 155 and 156: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 157 and 158: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 159 and 160: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 161 and 162: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 163 and 164: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 165 and 166: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 167 and 168: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 169 and 170: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 171: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 175 and 176: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 177 and 178: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 179 and 180: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 181 and 182: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 183 and 184: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 185 and 186: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 187 and 188: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 189 and 190: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 191 and 192: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 193 and 194: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 195 and 196: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 197 and 198: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 199 and 200: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 201 and 202: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 203 and 204: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 205 and 206: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 207 and 208: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 209 and 210: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 211 and 212: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 213 and 214: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 215 and 216: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 217 and 218: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 219 and 220: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
- Page 221 and 222: Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de
Ronaldo <strong>de</strong> Oliveira CorrêaTe<strong>se</strong> <strong>de</strong> Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008173Acredito que dizer: (...) É basicamente isso que eu entendo, por esta técnica <strong>de</strong>mo<strong>de</strong>lagem (...), é a forma mais árida <strong>de</strong> expor o fazer, é a forma mais simples <strong>de</strong> apre<strong>se</strong>ntar ogesto técnico artesanal. E <strong>de</strong>sconfiando <strong>de</strong>sta simplicida<strong>de</strong>, lanço mão da <strong>se</strong>guinte estratégia:num primeiro momento, sigo aproximando as vozes (narrativas), expondo os enunciados <strong>sobre</strong>as técnicas e estéticas, as percepções <strong>sobre</strong> o fazer, para, logo em <strong>se</strong>guida, realizar acomparação entre as matrizes <strong>de</strong> <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> produção artesanal. Isso, para expor o queacredito <strong>se</strong>r a materialida<strong>de</strong> do gesto técnico artesanal - o fazer – em sua complexida<strong>de</strong>.Como uma primeira questão a <strong>se</strong>r refletida a partir das estratégias citadas acima, chamoa atenção aos esquecimentos e às intencionalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua pre<strong>se</strong>nça como dispositivo <strong>de</strong>obscurecimento, <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio da atenção, <strong>de</strong> lusco-fusco que distrai a “guarda do castelo”. E amodo <strong>de</strong> uma primeira resposta, penso <strong>se</strong>r possível que o “esquecimento” <strong>de</strong> Resplendor, e quepermanece <strong>de</strong> forma variada nos outros narradores, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte das técnicas, <strong>se</strong>japrovocado pelo fato das <strong>se</strong>qüências <strong>de</strong> gestos já estarem profundamente incorporados aocotidiano da narradora, constituindo pouca novida<strong>de</strong> ou uma nova impressão ou gestualida<strong>de</strong>que mereçam <strong>se</strong>r mencionados na narrativa. Mas, também, po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r recurso <strong>de</strong> manutençãodos mistérios <strong>sobre</strong> o barro. Para aprofundar minha inquietação <strong>sobre</strong> os esquecimentos(sombreamentos), e com isso configurar este dispositivo ao modo <strong>de</strong> evidência das estratégias<strong>sobre</strong> as mudanças biográficas e laborais, apre<strong>se</strong>nto o fragmento em que Dona Olinda comenta<strong>sobre</strong> as técnicas da mo<strong>de</strong>lagem que utiliza:Fragmento 16Fonte: EN: F01 – O&P – 09/2006. Turnos 22-26O. Daí tive meu filho com (...) aí ia fazer quarenta e um, né! Então na gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong>le todinha fiqueina cerâmica, trabalhando. Aí tive umas aulinhas <strong>de</strong> como trabalhar mesmo, como queimar queeu não sabia (...) aí eu aprendi (...)E. E essas aulas a <strong>se</strong>nhora teve on<strong>de</strong>?O. Na universida<strong>de</strong>, ali! ((UFSC))E. Ah, é!O. É, teve umas aulas, foi uma professora lá <strong>de</strong> São José, lá da escola <strong>de</strong> São José! Foi fazerumas aulas, lá (...) então eu fiz (...) só os principios, assim né (...) aí aprendi um pouco do boi-<strong>de</strong>mamão,pra fazer o boi-<strong>de</strong>-mamão, tal assim (...), que é o <strong>de</strong> rolinho, né! Que a gente fazprimeiro (...) <strong>de</strong>pois aí (...) <strong>de</strong>pois disso eu comecei a <strong>de</strong><strong>se</strong>nvolver o meu jeito, né (...) agora eufaço tudo, agora eu faço presépio, né! Tudo os costumes aqui da ilha, os costumes que eulembro assim (...), <strong>de</strong> quando eu era criança, por exemplo, ali ((aponta para uma prateleira)) oven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> cebola, ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> rosca (...) ah (...) e outros costumes assim (...)