Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes
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Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008154geógrafo à artesão, ou um híbrido dessas duas possibilidades de ser), (...) eu fiz geografia naUFSC e quando eu tava na última fase, nas últimas fases, o Museu Universitário ofereceu, via oCINE/FAT, Fundo de Amparo ao Trabalhador (...) e o SEBRAE também, eles conseguiram umapoio para uma (...) para fazer uma oficina de artesanato de referência cultural, no caso, nacerâmica figurativa e no torno, nessas duas modalidades (...). Edwilson encontra nainstitucionalização das formas de aprender o fazer artesanal, uma estratégia para acessar astécnicas, (...) Eu entrei na primeira, na do torno, na que tinha lá (...), (...) eu fiz uma técnica quetrabalha na mesa mesmo né – chama acordelado, que é para fazer vaso (...); os modelos, (...)quando eu tava trabalhando um dia, eles ofereceram o curso de cerâmica figurativa, que tinhamais a ver com a cultura regional né (...); e, com isso, ele acessa as narrativas padronizadas àrespeito da objetificação de um tipo de cultura popular, (...) porque aí eu poderia fazer peças dabrincadeira do Boi de Mamão (...), i.é., o (...) artesanato de referência cultural (...) 204 .O marcador (...) eu poderia fazer (...), utilizado pelo narrador na exposição de suabiografia, identifica a potência que o domínio da modelagem folclórica provocou na suaconstituição enquanto herói de sua própria história. O “poder fazer” assim, assinala que Edwilsonesgarçou sua identidade de estudante universitário para abarcar neste gesto outra: de artesão.Com esta ação, a seqüência de fatos que se desenrolam forma um fluxo biográfico queconfigura, em algumas frases, uma nova imagem de si, a saber: artesão, (...) Então comecei afazer este Boi-de-Mamão (...). Marido, (...) daí eu conheci minha esposa e eu fui – a Resplendorque é minha esposa hoje – e eu perguntei pra ela se ela queria fazer o curso também (...).Agente em uma forma de produção, (...) a gente começou a fazer o curso juntos e a gentecomeçou a trabalhar mais com a ((cerâmica)) figurativa (...). Participante de um circuito decirculação e consumo cultural, ou mesmo turístico, (...) daí a gente começou a pegar, a estudar204 Para entender esta categoria artesanato de referência cultural foi necessário realizar uma entrevista de apoiocom a gestora cultural da Casa da Alfândega – galeria do artesanato. Este espaço, gerenciado pelo GovernoEstadual, foi criado na década de 1980, é um dos espaços do circuito de circulação e consumo cultural deFlorianópolis, SC., Lucília Lebarbechon Polli, naquele momento, gerente de pesquisa e tombamento da FundaçãoCatarinense de Cultura FCC (órgão responsável pela execução das políticas públicas culturais estatais). Aentrevista foi realizada nos escritórios da Casa da Alfândega, no dia 02 de março de 2006. Polli, seguindo suatrajetória laboral na Fundação Catarinense de Cultura, desenvolveu a seguinte classificação: arte popular,artesanato e artesanato urbano (trabalhos manuais); na forma de uma proposta híbrida entre classificaçõesacadêmicas, orientações internacionais para o patrimônio, as traduções locais realizadas por órgãos de gestão depatrimônio locais e nacionais daquelas orientações. Nesta classificação, as categorias arte popular e artesanato seconfundem ou mesclam-se em uma grande categoria: o artesanato para o consumo. Em tese, o artesanato dereferência cultural relaciona-se com “o saber-fazer popular de origem cultural”; todavia, esta é uma estratégia estatalde atualização das formas de fazer artesanais, ou seja, é uma forma de refuncionalização da objetualidade dacultura popular. Esta forma de compreender o artesanato de referência cultural qual artesanato para o consumo tempor função profissionalizar as formas de produção artesanal e direcioná-las para a comercialização, ou para ocircuito de circulação e consumo de Florianópolis, SC.
Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008155um pouco mais pra saber o que era uma bernuncia, o que era um boi, pra gente, quandotentasse vender nossas peças (...) falar o que seria de fato aquilo dali né (...) vai levar lá praMinas Gerais uma bernuncia e vai chegar lá e (...) “ah, essa é uma minhoca lá de Florianópolisdaí” (...) e a gente conseguiu ver a história tal, e começamos a colocar nossas pecinhas, todaselas com a historinha, o que é um boi, o que é uma bernúncia (...); participante em um grupo quese reconhece a partir de uma identidade laboral (...) e até foi legal que influenciou outrosartesãos que já trabalhavam (...).Ao comentar sobre o museu universitário, onde foi oferecida a oficina de modelagem etorno, o narrador expõe uma das estratégias utilizadas pelos agentes responsáveis (gestores depolíticas públicas culturais) por estes espaços institucionalizados para absorver e subordinar aspráticas e performances de artesãos (ãs) “tradicinais” e, (re)funcionalizá-las na forma de “novos”discursos sobre folclore e/ou cultura popular, a saber: a classificação das práticas artesanais(artesanato de referência cultural, cultura regional, trabalhos manuais e outras) e sua utilizaçãocomo moeda de troca num circuito ou arena de disputas acadêmicas e econômicas 205 ; afragmentação do saber sobre o barro em modalidades, (...) na cerâmica figurativa e no torno,nessas duas modalidades (...); seu “repasse” na forma de oficinas/cursos de artesanato/artepopular, (...) um dia, eles ofereceram o curso de cerâmica figurativa, que tinha mais a ver com acultura regional né (...); a tipificação dos gestos plásticos artesanais (...) Então comecei a fazereste Boi-de-Mamão, que era oferecida no período da manhã e a gente começou (...) e daí agente começou a pegar, a estudar um pouco mais pra saber o que era uma bernuncia, o que eraum boi, pra gente, quando tentasse vender nossas peças, ou nem (...).Neste último trecho especialmente, a utilização do marcador: “o que era um...”, evidenciaa importância de outras estratégias de aprender os fazeres artesanais. Nestas, a sobreposiçãodesloca as vivências (experiências) cotidianas, ou pelo menos não passa somente por elas, ebusca suas bases referenciais, narrativas e legitimadoras em outros discursos/narrativas ouconjuntos objetualizados da produção cultural recente, a saber: aqueles fornecidos pela205 Neste texto, pretendo abordar superficialmente estas disputas, especialmente aquelas acadêmicas. Todavia,seria importante a revisão crítica das perspectivas teóricas e utilizações políticas (ideológicas) no âmbito daacademia (faculdades, museus, centro de pesquisas e outros espaços que constituem esta instituição) a respeitodeste campo ou objeto de investigação e a construção de narrativas históricas e identitárias regionais (locais). O querealizo aqui é uma reflexão sobre algumas estratégias econômicas, deixando muitos de seus desdobramentos paraestudos posteriores e sob outros referenciais teóricos ou pontos de vista. Em verdade, acredito que a construção daarena de disputas a respeito da economia simbólica e política do artesanato/cultura popular deveria considerar apluralidade no tempo e nos espaços, dos distintos discursos sobre o artesanato ou cultura popular. Para isso,somente uma investigação em diferentes níveis institucionais, realizada por um grupo composto por diferentessujeitos e campos – penso diferentes saberes e formas de conhecer a realidade – poderia configurar mesmo quepor alguns instantes esta arena, suas tensões, fraturas e continuidades.
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