Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes

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Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 200814Notas prefaciaisEscrever é se vingar da perda.Embora o material tenha se derretido todo,Igual queijo fundidoEscrever é se vingar?Waly Salomão. POEMA JET-LEGGED. 1993.Uma investigação sobre o artesanato/cultura popular, num primeiro momento, soa qual vingançacontra a objetualidade das coisas resultado das formas de produção industrial recente. Ou ainda,como empresa (pateticamente) romântica sobre as perdas das culturas populares (estaspensadas como originárias, essenciais e autênticas) em face da modernização ocidental. Nemvingança, nem pessimismo romântico. O que está subjacente a este texto é menos a denúnciaingênua a respeito de coisas que se perdem, e mais a formulação de questionamentos ereflexões sobre as transmutações e/ou metamorfoses realizadas por homens e mulheres, coisase significados na duração histórica. Por transmutação/metamorfose entendo o movimento internoda existência, ou seja, a permanente alteração de certas formas em outras. Ao modobakhtiniano, entendo a transmutação como o eterno inacabamento da existência, dos sentidos esignificados incorporados à concepção cômica do mundo 1 .Tomo, pois, como ponto de partida o movimento, o inacabamento e o cômicocarnavalesco para interpretar uma manifestação da cultura popular brasileira: o artesanato emcerâmica. Explicito, através destes dispositivos, algumas das tensões e conflitos relacionados aocircuito criação, circulação e consumo da cultura popular nos cosmos urbanos contemporâneos(ou recentes). Chamo a atenção para a sobreposição destes sistemas de objetos artesanais aum tipo de sociedade urbana e “moderna” e a sua objetualidade industrial. Interpreto, pois,1 Esta conceituação de metamorfose e transmutação (encaradas, neste momento, como similares) está vinculada aoque BAKHTIN nominou de “grotesco”. A potência desta categoria reside nos seus dispositivos de inversão edestronamento, ironia e rebaixamento. Estes dispositivos fazem parte de um complexo sistema de sentidos esignificados que BAKHTIN estuda a partir da obra de Rabelais. Utilizo estes dispositivos na interpretação que realizono capítulo 3. Neste momento, explicito de forma mais abrangente este sistema de sentidos/significados burlescosda concepção cômica carnavalesca. Remeto a BAJITIN, Mijail (2005) La cultura popular en la edad media y en elrenacimiento. El contexto de François Rabelais. 4º reimp. Madrid: Alianza Editorial. (colección Historia y Geografía).

Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 200815algumas das subordinações e estratégias de resistência utilizadas em meio aos processos dedominação/homogeneização de um tipo de performance popular/subalterna. Em suma, utilizandocomo mediação a ironia cômica popular, busco explicitar as disputas políticas e simbólicasexistentes em uma arena do artesanato/cultura popular recente, cuja construção realizo ao longodo texto.Em função da força motriz que faz meu movimento de escritura inscrever-se nacontramão de uma alegoria da vingança (ao modo de Hamlet em Shakespeare), tenho porpropósito mergulhar no derretimento (dissolvimento) das categorias – entendidas como barreira,limite, delimitação – ordenadoras no cosmos urbano, do âmbito das biografias de gentes e decoisas que narram sobre o trânsito humano nos tempos e nos espaços contemporâneos. Paraisso, vou ao encontro das gentes e das manifestações das culturas populares (subalternas) emcontextos urbanos, percorro as margens deste lugar que defino como urbano para, neste limiar,encontrar os “combates” e “enfrentamentos”, as “fraturas” e “inversões” que demarcam territóriose desejos, tempos e atuações.A respeito da noção de culturas populares, estou de acordo com GARCIA CANCLINI 2 .Para este autor, as culturas populares – sempre grafadas no plural – não podem ser entendidascomo “expressão” da personalidade de um povo, ou como um conjunto de tradições (costumes)ideais e preservadas. Elas são o produto sócio-cultural e histórico das condições materiais davida social. Produtos que estão em contínuos processos de atualização e descarte realizadostanto por indivíduos isolados quanto por gerações inteiras, na duração histórica. Dessa forma,“as culturas populares (mais que a cultura popular) configuram-se por um processo deapropriação desigual dos bens econômicos e culturais de uma nação ou etnia por parte dos seussetores subalternos, e pela compreensão, reprodução e transformação, real e simbólica, dascondições gerais e próprias de trabalho e de vida” 3 .De forma igual, concordo com GARCIA CANCLINI, ao ter como pano de fundo suacaracterização da noção de culturas populares, de que a assimetria no acesso aos benseconômicos e culturais, por parte dos setores subalternos (camadas populares), constitui um tipode participação desigual destes setores nas dinâmicas sociais, econômicas, políticas e estéticas2 Remeto a GARCIA CANCLINI, Néstor (2002) Culturas populares en el capitalismo. México D.F.: Editorial Grijalbo(re-edición ampliada).3 A citação original é: las culturas populares (más que la cultura popular) se configuran por um proceso deapropiación desigual de los bienes económicos y culturales de una nación e etnia por parte de sus sectoressubalternos, y por la comprensión, reproducción y transformación, real y simbólica, de las condiciones generales ypropias de trabajo y de vida. GARCIA CANCLINI, Néstor (2002) op. cit. p. 90.

Ronaldo <strong>de</strong> Oliveira CorrêaTe<strong>se</strong> <strong>de</strong> Doutorado PPGICH UFSC | outono 200815algumas das subordinações e estratégias <strong>de</strong> resistência utilizadas em meio aos <strong>processo</strong>s <strong>de</strong>dominação/homogeneização <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> performance popular/subalterna. Em suma, utilizandocomo mediação a ironia cômica popular, busco explicitar as disputas políticas e simbólica<strong>se</strong>xistentes em uma arena do artesanato/cultura popular recente, cuja construção realizo ao longodo texto.Em função da força motriz que faz meu movimento <strong>de</strong> escritura inscrever-<strong>se</strong> nacontramão <strong>de</strong> uma alegoria da vingança (ao modo <strong>de</strong> Hamlet em Shakespeare), tenho porpropósito mergulhar no <strong>de</strong>rretimento (dissolvimento) das categorias – entendidas como barreira,limite, <strong>de</strong>limitação – or<strong>de</strong>nadoras no cosmos urbano, do âmbito das biografias <strong>de</strong> gentes e <strong>de</strong>coisas que narram <strong>sobre</strong> o trânsito humano nos tempos e nos espaços contemporâneos. Paraisso, vou ao encontro das gentes e das manifestações das culturas populares (subalternas) emcontextos urbanos, percorro as margens <strong>de</strong>ste lugar que <strong>de</strong>fino como urbano para, neste limiar,encontrar os “combates” e “enfrentamentos”, as “fraturas” e “inversões” que <strong>de</strong>marcam território<strong>se</strong> <strong>de</strong><strong>se</strong>jos, tempos e atuações.A respeito da noção <strong>de</strong> culturas populares, estou <strong>de</strong> acordo com GARCIA CANCLINI 2 .Para este autor, as culturas populares – <strong>se</strong>mpre grafadas no plural – não po<strong>de</strong>m <strong>se</strong>r entendidascomo “expressão” da personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um povo, ou como um conjunto <strong>de</strong> tradições (costumes)i<strong>de</strong>ais e pre<strong>se</strong>rvadas. Elas são o produto sócio-cultural e histórico das condições materiais davida social. Produtos que estão em contínuos <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> atualização e <strong>de</strong>scarte realizadostanto por indivíduos isolados quanto por gerações inteiras, na duração histórica. Dessa forma,“as culturas populares (mais que a cultura popular) configuram-<strong>se</strong> por um <strong>processo</strong> <strong>de</strong>apropriação <strong>de</strong>sigual dos bens econômicos e culturais <strong>de</strong> uma nação ou etnia por parte dos <strong>se</strong>us<strong>se</strong>tores subalternos, e pela compreensão, reprodução e transformação, real e simbólica, dascondições gerais e próprias <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> vida” 3 .De forma igual, concordo com GARCIA CANCLINI, ao ter como pano <strong>de</strong> fundo suacaracterização da noção <strong>de</strong> culturas populares, <strong>de</strong> que a assimetria no acesso aos ben<strong>se</strong>conômicos e culturais, por parte dos <strong>se</strong>tores subalternos (camadas populares), constitui um tipo<strong>de</strong> participação <strong>de</strong>sigual <strong>de</strong>stes <strong>se</strong>tores nas dinâmicas sociais, econômicas, políticas e estéticas2 Remeto a GARCIA CANCLINI, Néstor (2002) Culturas populares en el capitalismo. México D.F.: Editorial Grijalbo(re-edición ampliada).3 A citação original é: las culturas populares (más que la cultura popular) <strong>se</strong> configuran por um proceso <strong>de</strong>apropiación <strong>de</strong>sigual <strong>de</strong> los bienes económicos y culturales <strong>de</strong> una nación e etnia por parte <strong>de</strong> sus <strong>se</strong>ctoressubalternos, y por la comprensión, reproducción y transformación, real y simbólica, <strong>de</strong> las condiciones generales ypropias <strong>de</strong> trabajo y <strong>de</strong> vida. GARCIA CANCLINI, Néstor (2002) op. cit. p. 90.

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