Narrativas sobre o processo de modernizar-se - capes

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Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008140os quartos das gentes daquela casa? Onde estão as pedras dos passeios por onde, nas noitesde luar, passavam os homens que cantavam e tocavam músicas antigas? Onde estão as vigasdas varandas que suportaram o peso dos telhados acalentadores dos sonhos de jovens e velhoscasais e seus pequenos (as) de antes de ontem? Como uma vez escreveu BENEDETTI:“Algumas chaves / do futuro / não estão no presente / nem no passado / estão / estranhamente /no futuro (...)” 189 .Assim, as chaves para entender este lugar que ontem foi onde a gente se criou, estãocontidas no futuro das matérias do passado: são paredes, portas, janelas que presenciaram opassar das mãos e pés dos irmãos e irmãs de Dona Maricota. São quartos, salas e banheirosque testemunharam suas fantasias, medos e exasperações. São pedras, pregos, vidros que (re)construíram o futuro de toda uma família de oleiros. São matérias mascaradas por um tempofora-do-tempo.Em verdade, com este fragmento é possível acreditar que “(...) há / ontens / eamanhãs / mas não existem / hojes” 190 . Por fim, não é possível configurar um estilo arquitetônico,não é possível definir uma plástica historicizada, somente a desconstrução das peças e suacatalogação poderiam sugerir um tempo, um espaço, uma ação estética, mas isso já não épossível. A olaria também foi consumida, desconstruída, virou madeira e talvez tenha sidoentregue ao fogo dos fornos da Escola de Oleiros como carvão. No destino de sua biografia aolaria cumpriu sua função primeira, servir de espaço-matéria-prima-trabalho para homens emulheres.189 Remeto ao poema de Mario Benedetti “Conjugaciones”, In: BENEDETTI, Mario (2007) Inventario I. 6ª reimp.México D.F.: Punto de Lectura (serie Biblioteca de Bolsillo) p. 43-45, a saber:2. (claves)Algunas clavesdel futurono están en el presenteni en el pasadoestánextrañamenteen el futuro(…)190 Idem, a saber:9. (plurales)Hayayeresy mañanaspero no hayhoyes

Ronaldo de Oliveira CorrêaTese de Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008141Esta tensão entre materialidades velhas e novas, entre personagens igualmente velhase novas e entre tempos verbais e marcadores presentes e passados em um mesmo fragmentonarrativo e, por conseguinte, em uma mesma alegoria ou performance, que chamo dereconstrução obsessiva de um tempo-fora-do-tempo, numa apropriação da noção cunhada porOZ. A mesma estratégia de deslocamento da temporalidade foi utilizada por Márquez no seuromance “O outono do Patriarca”. Neste romance, analisado por OZ 191 , a metáfora utilizada paracontar sobre este tempo-fora-do-tempo, foi o movimento de desmontar uma boneca russa, quecontém dentro de si um igual (análogo), todavia em menor escala ou mais condensado. Dito deoutra forma, o tempo-fora-do-tempo seria exatamente o desmonte do mesmo tempo-fora-dotempo.No “O outono...” Márquez conta a (re)construção de um dia que inicia uma e outra vezcom a invasão do palácio e termina igualmente uma e outra vez com o deparar-se com o corpoinerte do patriarca sob a mesa de banquetes. Como ocorreu da primeira vez, e como tornará aacontecer muitos anos mais tarde – não outro patriarca, não outro palácio invadido e menosainda, outro tempo, mas o mesmo, o próprio. A forma desta temporalidade condensada, nainterpretação de OZ, é descrita da seguinte forma: “o começo é a conclusão: o presente, oevento de encontrar o corpo, mescla e contém tanto o futuro quanto o passado. O momento é aeternidade” 192 . O momento repete obstinadamente o mesmo dia, as mesmas ações, os mesmosgestos.Da mesma forma procede Dona Maricota ao repetir o mesmo gesto de instituir ocronotopo da estrada geral e por ele me fazer vir também. Repete o mesmo localizar-se em umageografia onde, lá em baixo e lá em cima, desenham a topografia do circuito de circulação dacerâmica em São José. Lá se repetem as relações de parentesco velhos e novos (...) E daí ali,onde tem a olaria agora, era da mãe da minha madrinha, que eles diziam antes que era“madrinha velha” (...). Todavia, uma sombra se configura na eternidade do momento, se ali é otopos da olaria de agora e se “madrinha velha” era como eles diziam antes da forma de umarelação de parentalidade, posso pensar que há uma duplicidade da experiência, uma duplicidadeque autoriza uma tensão.191 OZ, Amós (2007) op. cit.192 Idem, p. 102.

Ronaldo <strong>de</strong> Oliveira CorrêaTe<strong>se</strong> <strong>de</strong> Doutorado PPGICH UFSC | outono 2008140os quartos das gentes daquela casa? On<strong>de</strong> estão as pedras dos pas<strong>se</strong>ios por on<strong>de</strong>, nas noites<strong>de</strong> luar, passavam os homens que cantavam e tocavam músicas antigas? On<strong>de</strong> estão as vigasdas varandas que suportaram o peso dos telhados acalentadores dos sonhos <strong>de</strong> jovens e velhoscasais e <strong>se</strong>us pequenos (as) <strong>de</strong> antes <strong>de</strong> ontem? Como uma vez escreveu BENEDETTI:“Algumas chaves / do futuro / não estão no pre<strong>se</strong>nte / nem no passado / estão / estranhamente /no futuro (...)” 189 .Assim, as chaves para enten<strong>de</strong>r este lugar que ontem foi on<strong>de</strong> a gente <strong>se</strong> criou, estãocontidas no futuro das matérias do passado: são pare<strong>de</strong>s, portas, janelas que pre<strong>se</strong>nciaram opassar das mãos e pés dos irmãos e irmãs <strong>de</strong> Dona Maricota. São quartos, salas e banheirosque testemunharam suas fantasias, medos e exasperações. São pedras, pregos, vidros que (re)construíram o futuro <strong>de</strong> toda uma família <strong>de</strong> oleiros. São matérias mascaradas por um tempofora-do-tempo.Em verda<strong>de</strong>, com este fragmento é possível acreditar que “(...) há / ontens / eamanhãs / mas não existem / hojes” 190 . Por fim, não é possível configurar um estilo arquitetônico,não é possível <strong>de</strong>finir uma plástica historicizada, somente a <strong>de</strong>sconstrução das peças e suacatalogação po<strong>de</strong>riam sugerir um tempo, um espaço, uma ação estética, mas isso já não épossível. A olaria também foi consumida, <strong>de</strong>sconstruída, virou ma<strong>de</strong>ira e talvez tenha sidoentregue ao fogo dos fornos da Escola <strong>de</strong> Oleiros como carvão. No <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> sua biografia aolaria cumpriu sua função primeira, <strong>se</strong>rvir <strong>de</strong> espaço-matéria-prima-trabalho para homens emulheres.189 Remeto ao poema <strong>de</strong> Mario Bene<strong>de</strong>tti “Conjugaciones”, In: BENEDETTI, Mario (2007) Inventario I. 6ª reimp.México D.F.: Punto <strong>de</strong> Lectura (<strong>se</strong>rie Biblioteca <strong>de</strong> Bolsillo) p. 43-45, a saber:2. (claves)Algunas claves<strong>de</strong>l futurono están en el pre<strong>se</strong>nteni en el pasadoestánextrañamenteen el futuro(…)190 I<strong>de</strong>m, a saber:9. (plurales)Hayayeresy mañanaspero no hayhoyes

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