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A peleja da ilusão contra a realidade espiritual nos ... - CCHLA

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RBSE 9(26), Ago 2010RESUMO: Neste artigo acompanharemos os fenôme<strong>nos</strong>espirituais emergentes nas sessões ou trabalhos com o cháayahuasca no Centro de Harmonização Interior EssênciaDivina, irman<strong>da</strong>de ayahuasqueira cuja sede situa-se nodistrito de Riacho Doce, estado de Alagoas. Esse núcleoespecífico denominado Alto <strong>da</strong> Paz, Chã do Cruzeiro é umdos representantes <strong>da</strong> linha <strong>da</strong> unificação, estabeleci<strong>da</strong> porFrancisco Sousa de Almei<strong>da</strong> e que une os elementossimbólicos <strong>da</strong>imistas e udevistas no mesmo processo mítico eritual. Veremos a interação destes e de outros sistemassimbólicos <strong>nos</strong> trabalhos dessa irman<strong>da</strong>de, a partir <strong>da</strong> análisedescritiva dos ritos e <strong>da</strong> interpretação dos adeptos quantoaos fenôme<strong>nos</strong> comuns ao uso ritual dessa beberagempsicoativa xamânica, que em <strong>nos</strong>so caso particular, éadministra<strong>da</strong> seguindo os princípios <strong>da</strong> linha <strong>da</strong> unificação.Palavras-chavechave: Ayahuasca, Chá, Espirituali<strong>da</strong>de, Linha <strong>da</strong>Unificação, Essência Divina.O trabalho <strong>espiritual</strong>A noção de trabalho <strong>espiritual</strong> é bastantecomum entre àqueles que comungamritualmente a ayahuasca 1 . Tanto os xamãs e1 Ayahuasca é uma palavra de origem quéchua e significaliana dos espíritos, cipó <strong>da</strong>s almas, vinho dos mortos.Refere-se ao chá feito com o cipó <strong>da</strong> plantaMalphiguiaceae, o marirí, (Banisteriopsis caapi) junto com asfolhas de outro vegetal, a Rubiaceae chacrona do gêneroPsychotria, particularmente a Psychotria viridis. O uso destainfusão surgiu entre os antigos povos andi<strong>nos</strong> amazônicosonde a bebi<strong>da</strong> aparece associa<strong>da</strong> à criação e transformaçãodo mundo, do homem e dos demais seres, servindo tambémde elo e comunicação com os mortos e os espíritos. No691


RBSE 9(26), Ago 2010vegetalistas perua<strong>nos</strong> quanto os adeptos <strong>da</strong>sreligiões ayahuasqueiras brasileiras costumamdenominar de trabalho as ativi<strong>da</strong>des querealizam durante o uso dessa beberagem. Deacordo com Sandra Lúcia Goulart (2004,p.14) a expressão trabalho também ébastante comum nas narrativas dos fieis <strong>da</strong>sreligiões afro-brasileiras como, por exemplo, aUmban<strong>da</strong>. Nesse sentido, os trabalhos seriamas oferen<strong>da</strong>s cerimoniais feitas às divin<strong>da</strong>des.Na Umban<strong>da</strong>, essa ativi<strong>da</strong>de ritualísticatambém é denomina<strong>da</strong> despacho 2 .Brasil a ayahuasca é consumi<strong>da</strong> ritualmente <strong>nos</strong> cultos <strong>da</strong>strês principais religiões ayahuasqueiras brasileiras; o SantoDaime (CICLU-Alto Santo e CEFLURIS), a Barquinha(Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte deLuz) e a União do Vegetal (Centro Espírita BeneficenteUnião do Vegetal), assim como suas dissidências edissipações. Nesse artigo, veremos como os sistemassimbólicos dessas tradições xamânicas são rea<strong>da</strong>ptados ereconfigurados mediante o surgimento de um novo grupoayahuasqueiro, o CHIED, cuja proposta ideológica pretendeunir tradições e doutrinas, tirando proveito dos seusensinamentos.2 Os <strong>da</strong>imistas usam a expressão despacho quando sereferem ao ato de servir o Santo Daime.692


RBSE 9(26), Ago 2010também é chamado de aparelho que, para o<strong>da</strong>imista, serve para cumprir a sua missãonesse plano terrestre que seria, justamente, oaperfeiçoamento de sua outra metade. Alémdo aparelho, os huma<strong>nos</strong> compartilham do EuSuperior, sua porção divina. Adormeci<strong>da</strong> emseu cotidiano, mas desperta durante osefeitos do enteógeno 4 . Um trabalho <strong>espiritual</strong>com o Daime, seria a oportuni<strong>da</strong>de única naqual esses duplos se comunicam, seaperfeiçoam e se identificam por intermédio<strong>da</strong>s mirações 5 .A visita ao Astral Superior, plano <strong>espiritual</strong>ou mundo dos espíritos é atuante <strong>nos</strong>sistemas <strong>da</strong>imistas. Esse contato permite aosadeptos, por intermédio dos estados ampliados<strong>da</strong> consciência 6 , uma reformulação diária de4 A palavra enteógeno é de origem grega e significa; “Deusdentro de si”, ou seja, o neologismo de tal denominaçãorefere-se a qualquer elemento <strong>da</strong> natureza que desperte ouleve a divin<strong>da</strong>de para dentro dos sujeitos (Labate; Goulart;Carneiro, 2005).5 Para os <strong>da</strong>imistas, a miração é o mais perfeito estágio <strong>da</strong>experiência. É quando se entra em contato com a reali<strong>da</strong>dedivina.6 Os enteóge<strong>nos</strong> proporcionam estados ampliados deconsciência, que permitem aos adeptos do xamanismoestabelecer relações com o mundo <strong>espiritual</strong> e que auxiliam694


RBSE 9(26), Ago 2010suas ações e pensamentos em prol dosensinamentos obtidos durante sua estadia noplano <strong>espiritual</strong>. Esses sol<strong>da</strong>dos do astralcostumam ser obedientes a partir do momentoem que assumem um lugar nesse exército depoder. Obediência, firmeza e concentraçãosão o que pedem as letras dos seus hi<strong>nos</strong>cantados e bailados 7 , visto que, taisexigências são delega<strong>da</strong>s à bebi<strong>da</strong> que, paraesses religiosos, possui vi<strong>da</strong>, sacrali<strong>da</strong>de evontade própria.Couto (2002, pp.390-391) afirma que ocontato com o Santo Daime desencadeia umprocesso de transformação <strong>nos</strong> <strong>da</strong>imistas,conferindo ao chá o status de sagrado. Issodevido às suas potências invisíveis e culturais.na continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> material, em prol <strong>da</strong> manutenção doequilíbrio entre os diversos pla<strong>nos</strong> <strong>da</strong> existência. Para tal, aconsciência é expandi<strong>da</strong> ritualmente, ampliando-se o campo<strong>da</strong> percepção cotidiana a partir do rompimento momentâneocom os limites de uma reali<strong>da</strong>de comum, dominante eparalela aos eventos espirituais vivenciados em ca<strong>da</strong> ritual(Lira, 2009, pp.19-20).7 Veremos mais adiante, que é comum entre as esferasayahuasqueiras o ato de cantar para o divino. Isso acontece<strong>nos</strong> sistemas udevistas cujos adeptos entoam, durante osrituais, alguns cânticos sagrados conhecidos por chama<strong>da</strong>s, etambém <strong>nos</strong> sistemas <strong>da</strong>imistas, que compartilham de hi<strong>nos</strong>sagrados e de um tipo de <strong>da</strong>nça circular, o bailado.695


RBSE 9(26), Ago 2010Para este autor, a relação com o sagrado,nesse caso, seria representa<strong>da</strong> por umarelação de poder estabeleci<strong>da</strong> entre ocomando e a obediência. Comando <strong>da</strong>senti<strong>da</strong>des e sensações provoca<strong>da</strong>s pelaingestão <strong>da</strong> bebi<strong>da</strong>, e obediência <strong>da</strong>quelesque a comungam, pois os mesmos passam aser guiados por tais enti<strong>da</strong>des que en<strong>contra</strong>mno Daime uma maneira de se manifestar.O sol<strong>da</strong>do desse exército não se deixainfluenciar pelos espíritos inferiores queporventura queiram atentar <strong>contra</strong> sua firmeza.Sua principal fortaleza é o aparelho queprecisa está protegido e preparado para ostrabalhos que, normalmente, costumam serbastante cansativos, mesmo quando o<strong>da</strong>imista en<strong>contra</strong>-se em repouso e relaxadodurante as sessões de concentração 8 .Segundo Macrae (1992, pp.97-98), o8 Os rituais <strong>da</strong>imistas variam de acordo com o calendário <strong>da</strong>doutrina, que foi montado a partir <strong>da</strong>s <strong>da</strong>tas comemorativasaos santos cristãos. São trabalhos de cura, concentração eou bailados, além <strong>da</strong>s missas e feitios. Os principais rituais<strong>da</strong>imistas consistem no canto, no bailado e na concentraçãoapós a ingestão do chá, momento em que os participantesficam em silêncio, meditando sob o efeito visionáriopropiciado pela beberagem.696


RBSE 9(26), Ago 2010trabalho <strong>da</strong>imista pode ser interpretado comouma ativi<strong>da</strong>de psíquica intensa e exaustiva naqual os participantes realizam inúmerasativi<strong>da</strong>des no plano astral.Portanto, o trabalho <strong>da</strong>imista aplica-se aomesmo tempo ao corpo e ao pensamento(Cemin, 2002, p.348). O suporte doespírito é o corpo, então para que se realizeum trabalho <strong>espiritual</strong> é necessário, naconcepção <strong>da</strong>imista, que o aparelho estejapreparado para realizar as ativi<strong>da</strong>des rituaisconsidera<strong>da</strong>s leves e ou pesa<strong>da</strong>s. É precisoexercitar o aparelho para que o mesmo possaagüentar com firmeza as batalhas de umtrabalho <strong>espiritual</strong>.Em minha dissertação de mestrado, mostreia partir <strong>da</strong> análise <strong>da</strong>s teorias de NormanZinberg (1984) e Edward MacRae (2004),que a concentração e a firmeza exigi<strong>da</strong>s paraa realização dos trabalhos espirituais <strong>nos</strong>sistemas udevistas 9 parecem vir de acordocom o tempo, devido à continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s9 Considero como sistema udevista todo grupo derivado <strong>da</strong>linha doutrinária estabeleci<strong>da</strong> pelo mestre José Gabriel <strong>da</strong>Costa, o fun<strong>da</strong>dor do Centro Espírita Beneficente União doVegetal.697


RBSE 9(26), Ago 2010experiências do adepto com o Vegetal 10(Lira, 2009, pp.97-137). Assim tambémocorre <strong>nos</strong> sistemas <strong>da</strong>imistas, a partir domomento em que o homem domestica oêxtase, por meio dos rituais e sansõessociais, e o êxtase domestica o homem, porintermédio <strong>da</strong>s sensações e reflexõesvisionárias que o fazem reavaliar o seu jeitode ser no mundo.Durante esse processo de interação entre oplano material e o <strong>espiritual</strong>, osayahuasqueiros 11 também passam por umasérie de testes impostos pelo chá professor.Testes que reformulam atos e conceitos, poisos mesmos passam a ser reavaliadosrotineiramente a partir <strong>da</strong> freqüência doindivíduo <strong>nos</strong> trabalhos com a bebi<strong>da</strong>. Testesque fazem interagir corpo e mente durante otrabalho <strong>espiritual</strong>.Em relação aos sistemas guiados pelalinha udevista, Gabriela Ricciardi (2008,p.47) <strong>nos</strong> mostra a existência de duas10 O chá ayahuasca, <strong>nos</strong> sistemas udevistas, é denominadoVegetal.11 Todo indivíduo, que tem como referencial simbólico ereligioso o uso ritual <strong>da</strong> bebi<strong>da</strong> xamânica ayahuasca podeser considerado um ayahuasqueiro.698


RBSE 9(26), Ago 2010forças poderosas que costumam duelar entresi ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dos hoasqueiros 12 . Paraesses religiosos, a força negativa e a forçapositiva são interpreta<strong>da</strong>s como dois pólosopostos cujas ações distintas e concorrentesagem no intuito de atrair e sintonizar osespíritos ao seu favor. Cabe ao udevistacanalizar e sintonizar suas atitudes epensamentos na vibração positiva desse duelo,no intuito de ser merecedor e receber coisaspositivas ao longo de sua vi<strong>da</strong>.O trabalho <strong>espiritual</strong>, nesse sistema decrenças específico, gira em torno dessasintonia, ou seja, do abandono de certaspráticas considera<strong>da</strong>s inferiores ou nãocondizentes à estação positiva desse dueloentre forças opostas. “Os vícios sejam elesmateriais ou de comportamento sãoconsiderados atributos <strong>da</strong> força negativa, <strong>da</strong>ía necessi<strong>da</strong>de de se limpar <strong>da</strong>s impurezas dequalquer natureza, material ou <strong>espiritual</strong>”(Ricciardi, 2008, p.47). Para participar do12 Os hoasqueiros são todos udevistas guiados pelasabedoria de Hoasca, importante personagem <strong>da</strong> cosmologiadessa tradição. Maiores detalhes sobre o mito fun<strong>da</strong>nte <strong>da</strong>doutrina; “a História <strong>da</strong> Hoasca” consultar: Goulart (2004),Andrade (2005) e Lira (2009).699


RBSE 9(26), Ago 2010trabalho <strong>espiritual</strong>, a mente e o corpoprecisam estar livres dessas más influências.Os ayahuasqueiros do CHIED alagoanotambém acreditam que a união dessas folhascom esses cipós é o que dá a sabedoria eo discernimento necessários para que osmesmos apren<strong>da</strong>m a viver no mundocotidiano, interpretado, nesse caso, como omundo <strong>da</strong> ilusão. Tomando ayahuasca, elesacreditam que a pessoa abandonamomentaneamente a ilusão do dia-a-dia,como, por exemplo, falsos amigos, dinheirofácil, bens supérfluos, veículos, bebi<strong>da</strong>s edemais excessos materiais, passando a refletirsobre a sua situação no mundo.Nos encantos do chá, é comum aoshuma<strong>nos</strong> reconhecerem o princípio de suafalibili<strong>da</strong>de a partir, por exemplo, <strong>da</strong> aceitação<strong>da</strong> morte 13 . Mirações e burracheiras 14 mostram13 Para os ayahuasqueiros em geral, o chá aju<strong>da</strong> o homema não temer a hora de sua morte. Segundo os xamãs oefeito <strong>da</strong> ayahuasca assemelha-se ao estado de falecimento.A ingestão <strong>da</strong> bebi<strong>da</strong> é considera<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mental napreparação do indivíduo para a morte e está diretamenteliga<strong>da</strong> ao destino pós-morte. Nas esferas ayahuasqueirasbrasileiras persiste a idéia xamânica de que a bebi<strong>da</strong> preparao indivíduo para o destino pós-morte. Assim sendo, umapessoa que nunca entrou em contato com o enteógeno,700


RBSE 9(26), Ago 2010a reali<strong>da</strong>de dos espíritos, fazendo-os recor<strong>da</strong>rde onde vieram, porque existem e para ondevão. Essa ver<strong>da</strong>de teria sido camufla<strong>da</strong> pelailusão cultural capitalista, e quando tomaayahuasca, o ser liberta-se desses miméticosgrilhões ilusórios, passa a ter contato com areali<strong>da</strong>de <strong>espiritual</strong> e é levado pelos encantos,no intuito de recor<strong>da</strong>r ca<strong>da</strong> vez mais aorigem de sua alma, renovando suas forçaspara nunca esquecer de que tem um espírito,uma pequena parte de Deus dentro de si.O trabalho <strong>espiritual</strong>, para osfreqüentadores do CHIED, não se restringeapenas aos momentos rituais. Ele acompanhao cotidiano dos adeptos que assumem umapostura de alerta mediante a eterna batalhaentre as forças <strong>da</strong> ilusão <strong>contra</strong> às <strong>da</strong>reali<strong>da</strong>de <strong>espiritual</strong>. Algumas substâncias, entreelas o álcool, o tabaco e demais drogas sãoencara<strong>da</strong>s como possuidoras de uma cargaenergética oposta e concorrente à atuação <strong>da</strong>quando desencarnar, teoricamente enfrentará algunsproblemas, principalmente relativos à a<strong>da</strong>ptação ao plano<strong>espiritual</strong>. Maiores detalhes consultar; Lira (2009, pp. 109-115).14 O êxtase místico promovido pela ingestão <strong>da</strong> ayahuasca<strong>nos</strong> sistemas udevistas é denominado burracheira.701


RBSE 9(26), Ago 2010ayahuasca. Esses ayahuasqueiros afirmam quetais substâncias são instrumentos <strong>da</strong> força domal, <strong>da</strong> força <strong>da</strong> ilusão que os remetem àreali<strong>da</strong>de ilusória <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista. Osvícios são encarados como instrumentos dessailusão, que trabalha <strong>contra</strong> o desprendimentomaterial e, conseqüentemente, <strong>contra</strong> apercepção <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de do espírito.Então os vícios atrapalhariam a evolução<strong>espiritual</strong> do ser. Os interlocutores afirmamque quando a força do mal; a força <strong>da</strong>ilusão percebe que está perdendo um dosseus dominados para a força <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<strong>espiritual</strong>, ela não se contenta. Asoportuni<strong>da</strong>des passam a surgir e oayahuasqueiro precisa analisar com cautelaessas ocasiões, na luta do eterno resistir.Eles acreditam que a força do Vegetal atuapor meio <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de <strong>espiritual</strong>, <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<strong>da</strong> alma e <strong>da</strong> sabedoria <strong>da</strong> natureza divinavivencia<strong>da</strong>s em ca<strong>da</strong> sessão ou trabalhos <strong>nos</strong>quais os adeptos renovam suas crenças eenergias, para poder seguir com suas vi<strong>da</strong>sna grande ilusão, chama<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Umcorpo preparado é um corpo limpo, ou seja,livre <strong>da</strong>s más influências estampa<strong>da</strong>s <strong>nos</strong>702


RBSE 9(26), Ago 2010vícios, preconceitos, fraqueza, ódio, rancor edemais atitudes não compatíveis à reali<strong>da</strong>de<strong>espiritual</strong>.Mary Douglas (1976, pp.13-14) acreditaque as concepções culturais e religiosas sobrepoluição, impureza, limpeza e higiene sãocondizentes à visão geral <strong>da</strong> ordem social naqual estão inseri<strong>da</strong>s. Segundo a autora, asleis de pureza e perigo estão presentes <strong>nos</strong>sistemas de crenças mágico-religiosas nointuito de reforçar o código moral de umasocie<strong>da</strong>de específica. Dessa forma, “ouniverso todo é arreado aos esforços doshomens, no sentido de forçar o outro a umaboa ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Logo, achamos que certosvalores morais são mantidos e certas regrassociais são defini<strong>da</strong>s por crenças” (idem).No caso ayahuasqueiro não é diferente.Em relação à atribuição dos vícios comoimpuros, possuidores de cargas negativas,imorais, <strong>da</strong><strong>nos</strong>os ou até mesmo veículosaliados às forças <strong>da</strong> ilusão podemos verclaramente o reforço de alguns valores moraisatuantes e presentes nas cosmologias dessessistemas de crenças. Observando as distintasinterpretações entre àqueles que utilizam703


RBSE 9(26), Ago 2010ritualmente a ayahuasca, percebemos umcomum acordo ao notarmos, por exemplo,que os ayahuasqueiros incorporam, em suascosmologias, elementos que se adéquam aospadrões e interditos sociais vigentes.Reichel-Dolmatoff (1968, pp.88-94), aoestu<strong>da</strong>r o simbolismo ayahuasqueiro entre osíndios Tukano na Amazônia, chega àconclusão de que o uso do enteógeno é umforte instrumento de poder na mão do xamã,pois o mesmo assume o papel de “controlar”o grupo, a partir <strong>da</strong> reprodução dos valorese crenças socialmente sancionados durante ostrabalhos com a bebi<strong>da</strong>. O uso <strong>da</strong>ayahuasca, segundo esse autor, atenderia adois propósitos fun<strong>da</strong>mentais: o primeiroestaria relacionado às visões mitológicas eimagens vivencia<strong>da</strong>s pelos participantes, e queconfirmam as crenças vigentes num grupoespecífico, assim como a origem de suasinstituições religiosas e sociais. O segundopropósito estaria diretamente relacionado aosestímulos ambientais, que envolvem o ritual,assim como músicas, incensos, vozes, ruídos,histórias, narrativa dos participantes, entretantos outros.704


RBSE 9(26), Ago 2010O objetivo dessa atmosfera ritual é induziros sujeitos a múltiplos estados deconsciência, que automaticamente levam àintrojeção <strong>da</strong>s normas de comportamentosocial e individual. No caso dos vícios,devemos lembrar que a reali<strong>da</strong>de socialbrasileira assume uma política proibicionistaem relação ao consumo de determinadosentorpecentes ilegais, enquanto outros,considerados “legais” (álcool e tabaco) sãotratados por meio de propagan<strong>da</strong>s“educativas” como as do tipo: “fumar causacâncer” ou “se for dirigir não beba”. O“perigo” diante do consumo dessassubstâncias, também é reforçado nestessistemas de crenças, que surgem comopossibili<strong>da</strong>des de li<strong>da</strong>r com o supostomalefício provocado pelas mesmas.A ayahuasca e as doutrinas que surgirama partir de seu uso atuam, na ver<strong>da</strong>de,como eficientes mecanismos norteadores diante<strong>da</strong> redução de <strong>da</strong><strong>nos</strong> causados por vícios edemais doenças que tenham neles suasorigens. Os fieis encaram ca<strong>da</strong> trabalho comserie<strong>da</strong>de e sobrie<strong>da</strong>de necessárias paralouvar as divin<strong>da</strong>des. Dessa forma, criam-se705


RBSE 9(26), Ago 2010estratégias no combate aos males <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de como o alcoolismo e o tabagismo,por exemplo. Os ayahuasqueiros do CHIEDcostumam manter-se alerta, procurando nãodeixar-se ludibriar pelas armas <strong>da</strong>s forças <strong>da</strong>ilusão, pois uma vez esclareci<strong>da</strong>, elesafirmam que a reali<strong>da</strong>de <strong>espiritual</strong> jamais seráesqueci<strong>da</strong>. As forças <strong>da</strong> ilusão perdemterritório, ca<strong>da</strong> vez que um ritual acontece.Elas tentam puxar o adepto para o seu lado.Por isso, têm muitos que saem no meio dotrabalho para fumar, para simplesmente sairdo espaço ritual ou conversar coisas fora docontexto. Para esses ayahuasqueiros issoenfraquece o trabalho e as forças <strong>da</strong>reali<strong>da</strong>de ficam defasa<strong>da</strong>s.Quando isso acontece, o esforço diante <strong>da</strong>concentração e <strong>da</strong> firmeza sob o efeito doVegetal é redobrado. Qualquer interferênciadurante a sessão permite a generalização dedistúrbios que tendem a se espalhar pelacorrente. No fim de ca<strong>da</strong> trabalho as forças<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>espiritual</strong> costumam vencer às <strong>da</strong>ilusão, to<strong>da</strong>via é conveniente salientar que osparticipantes <strong>da</strong> sessão influenciam diretamentenessa dinâmica ritual. A experiência exige um706


RBSE 9(26), Ago 2010preparo individual para o bom an<strong>da</strong>mento dorito, mesmo porque para domesticar o êxtaseé preciso ser domesticado por ele.No CHIED alagoano, os maus pensamentosque surgem durante o trabalho, as másvisões, o medo <strong>da</strong> morte e demaisinseguranças passageiras, segundo estesayahuasqueiros, são projeções de outros seresespirituais inferiores, zombeteiros, aliados <strong>da</strong>força <strong>da</strong> ilusão, materializados <strong>nos</strong> vícios eatitudes dos aparelhos despreparados e quesempre querem desestabilizar a ordem dostrabalhos. Por isso, durante a sessão, àsvezes surgem algumas conversas paralelas,alguns pensamentos ruins ou até mesmoventos, gemidos e barulhos estranhos. Issotudo é encarado como manifestações dessesespíritos inferiores impregnados na matéria <strong>da</strong>ilusão. Essa matéria emana uma forte energiaque tenta atuar no espaço de domínio <strong>da</strong>reali<strong>da</strong>de <strong>espiritual</strong>. Ilusão e reali<strong>da</strong>denovamente entram em conflito.O que aparece de ruim nas burracheiras,segundo os interlocutores, por exemplo, umamá visão ou mau sentimento, são tidos comoreflexos desses espíritos, dessas energias707


RBSE 9(26), Ago 2010inferiores. Portanto, o mestre André 15 sempreafirma que é preciso que o fiel saiba secontrolar nesse sentido, para que quando ascoisas más se apresentem, ele possa tercondições de perguntar, na força, o que sãoàquelas coisas e a que vieram. Só assim,diante dessa firmeza, adquire-se o poderpara despachar as más aparições <strong>nos</strong>momentos <strong>da</strong> burracheira, permitindo-senavegar por águas calmas outra vez.O segredo para o bom an<strong>da</strong>mento de umtrabalho <strong>espiritual</strong> no CHIED seria, justamente,o autocontrole do adepto que o permitedespachar os maus pensamentos durante abatalha astral e não deixar que os mesmosimpregnem o ciclo harmônico construído emantido em ca<strong>da</strong> rito. Durante os trabalhoscom ayahuasca, o templo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de érevisitado, de forma que a ilusão não podepenetrar nesse santuário, cabendo a ca<strong>da</strong>adepto, aluno, sol<strong>da</strong>do ou guardião manter-sefirme e concentrado <strong>nos</strong> ensi<strong>nos</strong> dessabeberagem enteógena.Antes dos rituais, eles recomen<strong>da</strong>m umcui<strong>da</strong>do especial. No Essência Divina os15 Mestre fun<strong>da</strong>dor e representante do CHIED alagoano.708


RBSE 9(26), Ago 2010adeptos costumam ingerir comi<strong>da</strong>s leves eevitam o consumo de álcool ou outrasdrogas, que possam atuar de maneiraadversa durante a experiência. Na ver<strong>da</strong>de,essa recomen<strong>da</strong>ção tem a ver com apreparação do corpo para receber osacramento. É preciso entrar na sintonia doVegetal e para tal se faz necessária umareflexão maior, uma meditação profun<strong>da</strong> nointuito de se preparar para receber o queestá por vir.Sessões, comemorações e ensaiosOs adeptos do Essência Divina reúnem-sequinzenalmente no Alto <strong>da</strong> Paz Chã doCruzeiro durante as sessões de escala destecentro ayahuasqueiro. Os trabalhos comayahuasca, nestas reuniões, levam em médiasete horas segui<strong>da</strong>s. Devido à amplitude dossistemas simbólicos 16 , principalmente <strong>da</strong>imistas16 A linha <strong>da</strong> unificação, estabeleci<strong>da</strong> pelo mestre FranciscoSouza de Almei<strong>da</strong> e que norteia os trabalhos do CHIEDalagoano, une os elementos simbólicos dessas duas linhasayahuasqueiras (<strong>da</strong>imistas e udevistas), <strong>da</strong>í a existência dehi<strong>nos</strong>, chama<strong>da</strong>s e bailados durante os ritos nessasirman<strong>da</strong>des, como veremos em segui<strong>da</strong>. Informações sobre omestre Francisco e o Centro de Cultura Cósmica Suprema709


RBSE 9(26), Ago 2010e udevistas, compartilhados pela irman<strong>da</strong>de, asessão de escala apresenta-se extensa edividi<strong>da</strong> por algumas etapas, explicita<strong>da</strong>s maisadiante. Por hora, <strong>nos</strong> interessa saber quequalquer pessoa pode freqüentar essestrabalhos quinzenais desde que siga algumasregras principais estabeleci<strong>da</strong>s para o controlee resguardo do grupo 17 . Existem também assessões para far<strong>da</strong>dos 18 , que são exclusivasàqueles mais envolvidos com as práticas <strong>da</strong>irman<strong>da</strong>de. Nestes encontros eles discutemassuntos administrativos, planejam asativi<strong>da</strong>des do centro como, por exemplo,feitios, mutirões, plantio e demaisLuz, Paz e Amor podem ser consulta<strong>da</strong>s em Lima (2004,p. 62) e Lira (2009, p.138-142).17 Os visitantes devem preencher um formulário antes <strong>da</strong>ssessões de escala e que precisa ser entregue momentosantes <strong>da</strong> sessão, até mesmo para resguar<strong>da</strong>r a irman<strong>da</strong>dede determina<strong>da</strong>s situações adversas que venham a acontecerdurante o ritual. Algumas perguntas desse protocolo giram emtorno do histórico do visitante como, por exemplo, nome,endereço, filiação, histórico de doenças, usos controlados demedicamentos e outras drogas alteradoras <strong>da</strong> consciência. Ovisitante pode participar de qualquer sessão de escala, desdeque cumpra com esses princípios fun<strong>da</strong>mentais.18 Os far<strong>da</strong>dos são àqueles discípulos mais antigos e queconseqüentemente são os mais dedicados com as causas <strong>da</strong>irman<strong>da</strong>de.710


RBSE 9(26), Ago 2010empreendimentos necessários àsustentabili<strong>da</strong>de do núcleo.Durante essas sessões exclusivas, elestambém bebem o chá em momentos deconcentração, <strong>nos</strong> quais podem meditar edialogar sob o efeito <strong>da</strong> bebi<strong>da</strong>, no intuito doconhecimento grupal e individual. Outrassessões são reserva<strong>da</strong>s aos casamentos ebatizados que são grandes comemoraçõesentre a irman<strong>da</strong>de. É bastante comum obatizado de crianças, assim como o dealguns adultos far<strong>da</strong>dos que escolhem seuspadrinhos de acordo com as afini<strong>da</strong>desespirituais, adquiri<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong>s vivênciasno grupo. Os casamentos são momentos decelebração <strong>nos</strong> quais os adeptos festejam aunião dos conjugues que, normalmente, sãofar<strong>da</strong>dos no CHIED.Os ensaios são momentos <strong>nos</strong> quais oshi<strong>nos</strong> são estu<strong>da</strong>dos tanto pelos músicos,como por alguns far<strong>da</strong>dos que também devemsaber cantar e bailar durante os trabalhosespirituais. O Vegetal servido <strong>nos</strong> ensaios nãopode ser muito forte. As pessoas seesforçam durante o estudo <strong>da</strong> letra e <strong>da</strong>harmonia dos hi<strong>nos</strong>, portanto a concentração711


RBSE 9(26), Ago 2010<strong>da</strong> bebi<strong>da</strong> precisa ser bran<strong>da</strong>. Brando é ocontrário de denso. Denso seria um cháconsiderado forte com força e luz ampliados.Brando seria um chá ameno, com força e luzreduzidos. No CHIED esse é o chamadoVegetal para trabalho 19 direcionado ao estudodos cânticos e aprendizado dos passos dobailado ou qualquer outra ativi<strong>da</strong>de que exijadestreza e concentração.O ensaio é necessário para que durante adinâmica ritual as coisas aconteçam emsintonia de modo que os movimentos dobailado e a marcação dos maracás devemestar sincronizados com a melodia e a letrados hi<strong>nos</strong> para que, durante a sessão, oobjetivo norteador 20 destes cânticos sagrados,que conduzem a experiência dos adeptos,seja alcançado. Na ver<strong>da</strong>de, o ensaio seapresenta como uma oportuni<strong>da</strong>de única para19 Veremos mais adiante que a concentração do Vegetalvaria de acordo com a ordem dos cozimentos realizadosdurante os rituais de feitio.20 O conteúdo dos hi<strong>nos</strong> estimula e estrutura os efeitos <strong>da</strong>ayahuasca conduzindo as visões e sensações dosparticipantes do ritual. O conteúdo <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s udevistastambém possui esse caráter norteador durante a experiênciacom ayahuasca. Maiores detalhes consultar Lira (2009,pp.119-125).712


RBSE 9(26), Ago 2010que o fiel se familiarize com a experiência,testando assim sua concentração mediante osestados ampliados <strong>da</strong> consciência.Quando a irman<strong>da</strong>de consegue sincronizaresses elementos, no momento ritual, atingeseo objetivo maior que é o estudo completode um hinário. Um hinário corresponde aoconjunto de hi<strong>nos</strong> recebidos 21 , na maioria <strong>da</strong>svezes, por apenas uma pessoa (Cemin,2002, p. 359; Goulart, 2004, p. 31 e Lima,2005, p. 6). Os sistemas guiados pela linha<strong>da</strong>imista apresentam cerca de oitenta hináriosrecebidos por alguns adeptos ao longo desuas vi<strong>da</strong>s (Pacheco, 1999). Os principaisparecem ser àqueles trazidos pelo mestrefun<strong>da</strong>dor Raimundo Irineu Serra: o Cruzeiro,os Quatro Falecidos e o Hinário de Finados.O CHIED compartilha desses e de outroshinários que são trazidos por algunsdiscípulos. Os novos hi<strong>nos</strong> também passam aser estu<strong>da</strong>dos e ensaiados no intuito deserem incorporados à dinâmica ritual.21 Os hi<strong>nos</strong> são trazidos ou recebidos quando o adeptoestabelece uma íntima relação com o astral que o presenteiacom tais mensagens divinas.713


RBSE 9(26), Ago 2010Durante a pesquisa de campo 22 , o CHIEDalagoano estudou e incorporou os seguinteshinários: o Cruzeiro do mestre Irineu e VósSois Baliza do <strong>da</strong>imista piauiense GermanoGuilherme. Antes destes, eles estu<strong>da</strong>ramquatro hinários de uma adepta do centro, aClarissa Rodrigues, mais conheci<strong>da</strong> porPassarinho: Rosa <strong>da</strong> Cari<strong>da</strong>de, Semente doDivino, Tridente do Sagrado Pai e Luz Interior23 . A irman<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> compartilha de umhinário denominado Top Hits que inclui muitoshi<strong>nos</strong> recebidos por outras pessoas,principalmente, adeptos do CHIEDbrasiliense 24 . Esse hinário, muitas vezes, écantado, tocado e bailado nas sessõesdireciona<strong>da</strong>s aos batizados e casamentos.Nos sistemas <strong>da</strong>imistas, segundo Rehen(2007), os hi<strong>nos</strong> são considerados ofertasconcedi<strong>da</strong>s pelo Astral Superior, cujas22 Foram dedicados ao CHIED alagoano os meses deagosto de 2007, abril, maio e junho de 2008.23 Os hi<strong>nos</strong> <strong>da</strong> Passarinho mesclam elementos oriundos dedistintos sistemas simbólicos entre eles os universos afrobrasileiro,cristão, xamânico, hinduísta e ayahuasqueiro.Maiores detalhes consultar Lira (2009, p.237).24 Refere-se à sede geral do Essência Divina, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> pelomestre Vinícius e situa<strong>da</strong> em Brasília (DF). Maioresdetalhes consultar Lira (2009, pp. 138-164).714


RBSE 9(26), Ago 2010mensagens estendem-se ao plano doshuma<strong>nos</strong> que atuam disseminando essasinformações. A autoria, portanto, é atribuí<strong>da</strong>ao plano divino, por isso não podem sofrerinterferência humana. Nem a melodia, nem aletra de um hino recebido podem seraltera<strong>da</strong>s. A mensagem costuma sertransmiti<strong>da</strong> tal qual foi recebi<strong>da</strong>. Assimtambém acontece com os novos hi<strong>nos</strong>trazidos, principalmente, por alguns fiéis doEssência Divina. Mesmo com a adição deoutros elementos simbólicos cuja junção <strong>nos</strong>remete ao universo <strong>da</strong> Nova Era 25 , asmensagens do astral não são altera<strong>da</strong>s poràqueles que as recebem. Estes hi<strong>nos</strong> sãoestu<strong>da</strong>dos, ensaiados e entoados comempenho, respeito e dedicação necessários àlouvação de sua sacrali<strong>da</strong>de. Afinal sãopresentes divi<strong>nos</strong>, recebidos por algunsescolhidos dessa irman<strong>da</strong>de, e que sãocompartilhados entre os demais. O ato de25 Movimento religioso que incorpora o holismo e o místicona idéia <strong>da</strong> junção, <strong>da</strong> união <strong>da</strong>s doutrinas em prol de umconhecimento amplo e não excludente. Maiores detalhesconsultar Camurça (1996, p. 9) e Brichal (2006).715


RBSE 9(26), Ago 2010cantar para o divino permanece atuante nessecentro de harmonização ayahuasqueiro.Sessão de escalaAs sessões de escala no CHIEDacontecem <strong>nos</strong> primeiros e <strong>nos</strong> terceirossábados de ca<strong>da</strong> mês. O ritual dificilmente seinicia no horário marcado, às 16 horas. Issodevido à localização do Alto <strong>da</strong> Paz que ficaum tanto quanto distante <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de deMaceió, cerca de quinze quilômetros entre acapital e o distrito de Riacho Doce. De voltaao Alto <strong>da</strong> Paz, os irmãos se reen<strong>contra</strong>m,conversam, põem os assuntos em dia, alémde renovarem suas forças físicas e espirituaisdurante a extensa dinâmica ritual conduzi<strong>da</strong>por tal centro ayahuasqueiro.Aos poucos, as pessoas vão chegando,reservam seu cantinho dentro <strong>da</strong> oca 26 , os26 No anexo superior, próximo à entra<strong>da</strong> do centro, umaoca feita com palhas de sapê e madeira foi construí<strong>da</strong>,sendo este o local no qual as sessões com o Vegetalacontecem. Muito grande e chamativa, a oca foi ergui<strong>da</strong> poralguns índios <strong>da</strong> tribo alagoana Wassu-Cocal. O mestreAndré teve contato com essa tribo quando efetuou umtrabalho ambiental de reflorestamento numa aldeia localiza<strong>da</strong>no município de Joaquim Gomes (AL). Ele fez amizade716


RBSE 9(26), Ago 2010músicos cantam e tocam violões, tambores epandeiros, enquanto outros vão se arrumandopara o início <strong>da</strong> sessão. O mestre Andrésempre traz consigo uma parnafenália de fiose cabos que conectam um notebook ao somdo seu veículo. O computador fica sob amesa central 27 , assim como algumas garrafaspet com o Vegetal, um filtro transparenteonde o chá é servido, algumas velas brancasacesas, copos com água, livrinhos dehinários, muitas flores e uma Cruz deCaravaca (Foto 1). À noite, além <strong>da</strong>s velas,o local fica iluminado por um candeeiro agás 28 , pendurado numa <strong>da</strong>s madeiras quesustentam a oca.com o cacique e chegou a convi<strong>da</strong>r alguns índios paraparticiparem dos trabalhos com o Vegetal. Eles foram,gostaram <strong>da</strong> experiência e em segui<strong>da</strong> surgiu a idéia <strong>da</strong>construção <strong>da</strong> oca.27 Onde senta o mestre André à cabeceira principal, juntode cinco discípulos auxiliares que são convocados momentosantes <strong>da</strong> sessão.28 Dados relativos ao mês de junho de 2008. Após apesquisa de campo a irman<strong>da</strong>de conseguiu, junto àcompanhia elétrica local, a implantação de alguns postes efios de alta tensão, que conduzem energia até o Alto <strong>da</strong>Paz.717


RBSE 9(26), Ago 2010Foto1 - Foto 1. Copos, flores, filtro de vidro com o Vegetal eCruz de Caravaca sobre a mesa central. Direito de imagemcedido pelo CHIED. Foto disponível em:http://www.essenciadivina.org/fotolog/index.php?image=617A Cruz de Caravaca, Cruz de Lorena ouSanto Cruzeiro trata-se de uma cruz comdois braços transversais, o de baixo maiscomprido do que o de cima (MacRae, 1992,p.40). Esta cruz é bastante comum entre aspopulações camponesas de partes <strong>da</strong> AméricaLatina. O livro La Santa Cruz de Caravaca,com orações de origem medieval espanhola,é comumente utilizado pela população pobre emestiça do Peru (Luna, 1986). Para os<strong>da</strong>imistas, o segundo braço representa o718


RBSE 9(26), Ago 2010Mestre Irineu, ou a segun<strong>da</strong> volta de Cristoà Terra. O Cruzeiro é colocado sobre amesa central <strong>da</strong> igreja que geralmente possuia forma de uma estrela de seis pontas. Esteé considerado o ponto do qual emana e deonde se capta a energia do astral para osalão (Groisman, 1991, pp.90-103 eMacRae, 1992, p.40).Nos sistemas guiados pela linha <strong>da</strong>imista,durante as sessões com o Santo Daime, osparticipantes presentes no salão costumam serseparados espacialmente em relação aogênero, estado civil, i<strong>da</strong>de e altura corporal.A separação espacial, principalmente àquelavincula<strong>da</strong> ao gênero, é interpreta<strong>da</strong> comoessencial para a condução do trabalho, poiso <strong>da</strong>imista acredita que os sexos opostosemanam energias opostas e devem sermantidos distantes para a perfeita condução<strong>da</strong> sessão (Monteiro <strong>da</strong> Silva, 1983, p.74;MacRae, 1992, p.99; Couto, 2002, p.396 eLabate, 2004, p.128).MacRae (1992, p.77) vai mais além aoafirmar que no Santo Daime, a separaçãodos sexos extrapola os limites rituais, sendomarcante também na vi<strong>da</strong> cotidiana dos719


RBSE 9(26), Ago 2010adeptos 29 . Portanto, no CHIED, o SalãoDourado 30 é ocupado pelos participantes semseparação ou distinção. Homens e mulherespodem sentar próximos uns dos outros desdeque não conversem entre si e nem interfiram<strong>nos</strong> procedimentos <strong>da</strong> sessão 31 .Quando consegue plugar to<strong>da</strong> aaparelhagem ao som do veículo, o mestreAndré coloca algumas músicas que aju<strong>da</strong>m arelaxar, pois vão preparando os adeptos paraque os mesmos entrem na sintonia do chá.O estilo dessas músicas varia bastante,portanto parece existir uma preferência àquelasdo movimento Nova Era, que mesclam amusicali<strong>da</strong>de andina com tambores africa<strong>nos</strong>,ícaros xamânicos e mantras hinduístas. Amaioria <strong>da</strong>s gravações e mensagens sonorascoloca<strong>da</strong>s em sessão é feita no estúdio doDácio, que além de ser far<strong>da</strong>do no Essência29 MacRae (1992, p.77) chega a identificar o Mundo <strong>da</strong>sMulheres representado pelas madrinhas e o Mundo dosHomens representado pelos padrinhos.30 No CHIED alagoano esse é o nome <strong>da</strong>do ao espaçoonde as sessões com ayahuasca acontecem.31 Veremos mais adiante que no CHIED a separação entreos sexos permanece <strong>nos</strong> momentos do bailado, instantes <strong>nos</strong>quais a irman<strong>da</strong>de entoa e <strong>da</strong>nça alguns hi<strong>nos</strong> durante oritual.720


RBSE 9(26), Ago 2010Divina, também é produtor musical. Alémdesses sons instrumentais, eles costumamouvir, durante a sessão, algumas outrasmúsicas que possuam mensagens a sertransmiti<strong>da</strong>s. Aqui parece inexistir qualquer tipode preconceito musical, visto que, o estilopode variar desde o reggae, forró e MPB atéo Hip Hop e até mesmo o Rock and Roll. Écomum também ouvirem alguns ensinamentose histórias grava<strong>da</strong>s pela voz imponente domestre André, mixa<strong>da</strong> com sons orientais,mantras e ícaros xamânicos 32 .Quando todos estão quietos <strong>nos</strong> seuslugares e o silêncio se faz presente no SalãoDourado, o mestre André inicia a sessãodistribuindo o Vegetal, primeiramente, aoscinco componentes <strong>da</strong> mesa. Em segui<strong>da</strong>uma fila indiana é forma<strong>da</strong> lentamente e osadeptos esperam sua vez até chegarem àmesa central onde recebem suas doses 33 ,32 Ícaros são cantos xamânicos, que segundo MacRae(1992, p.42) são entoados pelos vegetalistas perua<strong>nos</strong>conhecedores <strong>da</strong> ayahuasca. Tais cânticos exercem umafunção importante na estruturação <strong>da</strong>s visões dosparticipantes. Ícaros são fortes instrumentos de poder.33 No CHIED alagoano o copo <strong>da</strong>s mulheres é menor doque o copo dos homens.721


RBSE 9(26), Ago 2010servem-se de pe<strong>da</strong>ços de frutas ou doces 34e voltam ao seus lugares sem beber o chá.Todos seguram seus copos quietos econcentrados até que o último participanterecebe sua dose <strong>da</strong>s mãos do mestre. Emseus lugares, repetem o verso udevista 35 emuníssono: “Que Deus <strong>nos</strong> guie pelo caminho<strong>da</strong> luz, para sempre Amém Jesus” e bebema infusão ao mesmo tempo.Os copos são logo recolhidos e levadosaté a cozinha onde são rapi<strong>da</strong>mente lavados.Após beber o Vegetal, os participantes ficamem silêncio, <strong>nos</strong> seus lugares, concentradosde olhos fechados e esperando os efeitos <strong>da</strong>ayahuasca, que surgem com o desenrolar <strong>da</strong>sessão. Nesse momento de concentração, asmúsicas do André são um convite àmeditação. Os sons <strong>da</strong> natureza sãofortíssimos. Muitos mantras e ícaros em meioa instrumentos de sopro, percussão ebarulhos estranhos, porém agradáveis aoprocesso visionário. O mestre sabe muito bem34 As frutas e os doces servem para disfarçar o gostoamargo do Vegetal. Alguns os chamam de “tira-gosto”.35 Esse verso é recitado coletivamente durante as sessõesudevistas antes dos adeptos tomarem a primeira dose doVegetal. Maiores detalhes consultar Lira (2009, p.85).722


RBSE 9(26), Ago 2010quais as músicas ideais para tais momentosde reflexão. Assim é impossível não sonharacor<strong>da</strong>do. Seria esse um dos portais para aentra<strong>da</strong> <strong>nos</strong> encantos? De que forma o somage na experiência mística como mecanismoampliador <strong>da</strong> consciência? Certamente sãoquestões intrigantes. De qualquer forma, cabeaqui o registro <strong>da</strong> importância crucial dossons para esse processo ritual em particular.Dessa forma, no CHIED alagoano, todos vãoentrando tranquilamente <strong>nos</strong> estados do êxtasemístico, também chamado burracheira.Esse momento de concentração inicial levaaproxima<strong>da</strong>mente uma hora. Em segui<strong>da</strong>, omestre André entoa as cinco chama<strong>da</strong>s deabertura udevistas 36 , que abrem o oratóriodurante a sessão e evocam os seres míticospara proteger e guarnecer os momentos <strong>da</strong>burracheira. É quando os adeptos entram <strong>nos</strong>36 Nos sistemas udevistas, após a ingestão do Vegetal, omestre que dirige a sessão entoa as chama<strong>da</strong>s de abertura,abrindo o oratório ao Divino Espírito Santo. Para ohoasqueiro, isso é o que traz clareza e orientação durante otrabalho <strong>espiritual</strong>, para que todos os participantes possamcompreender o que for apresentado durante a sessão. Paraa abertura dos trabalhos são entoa<strong>da</strong>s cinco chama<strong>da</strong>s:Sombreia, Estrondou na Barra, Minguarana-tu, Mestre Caianoe a Chama<strong>da</strong> <strong>da</strong> União do Vegetal.723


RBSE 9(26), Ago 2010encantos do Vegetal. Enquanto o mestre fazas chama<strong>da</strong>s, é conveniente que todos osparticipantes estejam em seus lugares dentrodo Salão Dourado, em silêncio e atentos aosefeitos <strong>da</strong> ayahuasca.Assim como <strong>nos</strong> sistemas udevistas, nassessões de escala do CHIED também existeo momento <strong>da</strong> ligação 37 , que para essesreligiosos é quando se estabelece a conexãoentre os seres huma<strong>nos</strong> e o Astral Superiorpor intermédio <strong>da</strong> burracheira. O mestreAndré pergunta aos participantes se osmesmos estão sentindo luz e burracheira 38 etodos respondem o mesmo “sim”. Ninguémpode ficar sem a ligação nem tampouco seausentar durante esse momento crucial.Após a ligação, o mestre anuncia arepetição do chá para àqueles que queiram37 O momento <strong>da</strong> ligação se dá entre o mestre, o AstralSuperior e os participantes.38 Nos sistemas udevistas, o mestre dirigente sai do seulugar à mesa central e se dirige a ca<strong>da</strong> participante,chamando-o pelo nome e perguntando se o mesmo estásentindo luz e burracheira durante a sessão. Essa dinâmicase repete no CHIED, mas o mestre não sai do seu lugarsendo a pergunta feita a todos ao mesmo tempo. O “sim”é uma resposta ritual, que é <strong>da</strong><strong>da</strong> coletivamente e em vozalta.724


RBSE 9(26), Ago 2010tomar outra dose <strong>da</strong> bebi<strong>da</strong>. Nesse momento,os participantes chegam até a mesa e bebemmais um pouco. A grande maioria <strong>da</strong>spessoas que beberam a primeira dosecostuma repetir o Vegetal nesse momento.Novamente uma fila indiana é feita. Aspessoas vão até a mesa, pegam suas dosese bebem a infusão no mesmo instante emque recebem seus copos <strong>da</strong>s mãos domestre. Em segui<strong>da</strong>, ca<strong>da</strong> um retorna ao seulugar de forma que outro momento deconcentração é estabelecido depois de servi<strong>da</strong>a segun<strong>da</strong> dose. Enquanto os participantesmantêm-se concentrados dentro do SalãoDourado, o André sai do seu lugar à mesa,deixando o mestre Glauber, temporariamente,sob o comando <strong>da</strong> sessão. Isso porquedurante o ritual, o André costuma fazer umaespécie de trabalho xamânico. Ele seencaminha até a fogueira que sempre éacesa longe <strong>da</strong> oca e leva consigo umabolsa de caçapa contendo dois maracás, umdefumador e um poncho de lã branco comlistras pretas.Ele canta alguns ícaros, abre a bolsa eespalha esses objetos ao redor <strong>da</strong> fogueira725


RBSE 9(26), Ago 2010que vão sendo defumados individualmente,tanto pela fumaça <strong>da</strong> fogueira quanto pela dodefumador. Ele veste o poncho e chacoalhaos maracás com uma <strong>da</strong>s mãos, enquantoque a outra traz consigo o defumador acesoque é soprado dentro <strong>da</strong> oca, cuja fumaçaalcança todos àqueles presentes no SalãoDourado. Enquanto isso, os participantes ficamem seus lugares, apenas concentrados emseus pensamentos e ouvindo os sons dosícaros e do chocalho dos maracás do mestreAndré.Logo que percorre todo o espaço ritual,chacoalhando os maracás e borrifando odefumador, o mestre retorna à fogueira,guar<strong>da</strong> os instrumentos dentro <strong>da</strong> bolsa decaçapa e volta ao seu lugar à mesaocupado, temporariamente, pelo mestreGlauber 39 . Nesse instante, o momento deconcentração é interrompido quando o mestreAndré abre um pequeno espaço, durante asessão, para algumas explanações que, na39 O mestre Glauber é autorizado a entoar chama<strong>da</strong>sdurante a sessão. Diferentemente dos sistemas udevistas, noCHIED alagoano os demais participantes far<strong>da</strong>dos nãocostumam entoar chama<strong>da</strong>s.726


RBSE 9(26), Ago 2010maioria <strong>da</strong>s vezes, engloba histórias,conselhos, exemplos e cui<strong>da</strong>dos a seremtomados pelos ayahuasqueiros. O conteúdodessas explanações varia de acordo com oque surge durante o trabalho <strong>espiritual</strong>.Diferentemente dos sistemas udevistas, aquinormalmente não há àquela ocasião rotineirana qual os participantes questionam o mestredirigente fazendo-o perguntas 40 sobre suasdúvi<strong>da</strong>s pessoais e ou doutrinárias. Osadeptos do CHIED alagoano não costumamse manifestar durante a dinâmica ritual a nãoser quando estimulados pelo mestre André.Os temas mais recorrentes destas explanaçõesparecem ser direcionados ao dia-a-dia dosayahuasqueiros. Os cui<strong>da</strong>dos com o corpo ea saúde; o respeito e a responsabili<strong>da</strong>de coma reali<strong>da</strong>de <strong>espiritual</strong>; o viver bem consigomesmo e com o próximo, enfim; nesses40 Durante o ritual com o Vegetal na linha udevista sãofreqüentes, nesses momentos de explanação, diálogos entreos participantes <strong>da</strong> sessão e o mestre dirigente no intuito deesclarecer coisas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> experiência com o chá oupormenores sobre os ensinamentos do mestre Gabriel. Édurante essa dinâmica que se avalia o grau do discípulo notocante à sua participação na doutrina udevista. Maioresdetalhes consultar Lira (2009, pp.87-88).727


RBSE 9(26), Ago 2010momentos de conversação, os adeptos doCHIED têm reforçados para si os princípiosbásicos norteadores que conduzem a vi<strong>da</strong> doayahuasqueiro, consciente de seu lugar nomundo.Para Edmund Leach (1978, p.56), osseres huma<strong>nos</strong> elaboram e participam derituais, pois objetivam a transmissão demensagens coletivas que norteiam a vi<strong>da</strong> dosmesmos. Essas mensagens ditam o jeito deser de uma socie<strong>da</strong>de que atualiza seuspreceitos, interditos, sonhos, símbolos e idéiaspor intermédio dos inúmeros ritos e mitoselaborados pelos distintos sistemas culturais.Ain<strong>da</strong> de acordo com Leach (1978) épossível comparar o processo ritual à relaçãoexistente entre a apresentação de umaorquestra e a platéia que a acompanha. Osespectadores, nesse caso, não objetivamidentificar os sons particulares de ca<strong>da</strong>instrumento <strong>da</strong> orquestra e sim o conjuntodessa combinação. A música <strong>da</strong> orquestra sótem sentido para o ouvinte a partir <strong>da</strong>combinação dos elementos harmônicos esonoros emitidos por ca<strong>da</strong> instrumento.Durante um ritual para Leach (1978) existe728


RBSE 9(26), Ago 2010uma figura central, um intermediário,facilitador, enfim um “maestro” cuja função éa de nortear os eventos do rito para que omesmo tenha finali<strong>da</strong>de e sentido perante osparticipantes.O papel do maestro, pensado por Leach(1978), é ocupado no CHIED alagoano pelomestre André Luiz conhecedor de um conjuntode saberes adquiridos com o tempo e que opermite conduzir as sessões, estruturando oseventos <strong>da</strong>s mesmas, a partir de préseleçõesmusicais combina<strong>da</strong>s ao seu dom deoratória, simpatia, carisma e experiência coma bebi<strong>da</strong> enteógena. Esses elementos quandocombinados favorecem a condução <strong>da</strong>experiência mística <strong>da</strong>ndo finali<strong>da</strong>de e sentidoao processo ritual. Portanto lembremos queno caso ayahuasqueiro, a platéia tambéminterage com a orquestra e o maestrodepende dos ouvintes para que a músicatenha um sentido.Durante a sessão, além <strong>da</strong>s explanaçõesdo mestre André ou de algum participante doritual, é comum também ouvirem músicas,ensi<strong>nos</strong> e mensagens que se intercalam com729


RBSE 9(26), Ago 2010histórias 41 e chama<strong>da</strong>s udevistas. Após asexplanações, o André pede para acender asluzes fluorescentes, anunciando o momento <strong>da</strong>terceira dose do Vegetal. Outra fila indiana éforma<strong>da</strong>, portanto, normalmente, poucosadeptos costumam repetir o chá nessa últimaocasião. Em segui<strong>da</strong>, o Salão Douradoadquire uma nova configuração espacial paraque seja possível a sincronia dos passos dobailado.Os músicos trazem suas cadeiras paraperto <strong>da</strong> mesa central e afinam seusinstrumentos 42 , enquanto os demaisparticipantes recolhem as outras cadeiras doespaço e as reagrupam noutra posição quenão atrapalhe o posicionamento dosparticipantes do bailado. Homens de um ladoe mulheres do outro, ca<strong>da</strong> um traz consigo o41 Representam os mitos udevistas deixados pelo mestreGabriel e que são transmitidos pela narrativa oral a partir doenvolvimento maior do discípulo com a doutrina. Aschama<strong>da</strong>s relacionam-se com as histórias, pois quando sãoentoa<strong>da</strong>s, em ca<strong>da</strong> rito, repetem e atualizam os mitoscosmogônicos e de origem dessa tradição.42 No CHIED os instrumentos mais comuns são as violas,os pandeiros, tambores e maracás, portanto ocasionalmenteoutros instrumentos musicais são usados esporadicamentecomo, por exemplo, flautas, pífa<strong>nos</strong>, berimbaus e harpas.730


RBSE 9(26), Ago 2010dispostos a passar por tal batalha <strong>espiritual</strong>.Normalmente, os far<strong>da</strong>dos são muitoempenhados tanto em cantar os hináriosquanto em bailá-los. Para esses fiéis aconcentração exigi<strong>da</strong> no cantar e no bailar éde importância fun<strong>da</strong>mental. É uma batalhaastral e, como em qualquer outra batalha,objetiva-se superar derrotas e adquirirrecompensas.Ca<strong>da</strong> ritual é uma espécie de preparação,tanto para o neófito visitante, quanto para osmestres. Obviamente os mais experientesestão mais preparados para marchar noexército do astral. Curadores encarnados quetrabalham com as forças <strong>da</strong> natureza. Alu<strong>nos</strong>disciplinados e destinados a louvar eagradecer às dádivas recebi<strong>da</strong>s pelo mestreVegetal. E assim o bailado se prolongadurante a noite, até o fim do hinárioescolhido. Homens de um lado, mulheres dooutro, músicos ao redor <strong>da</strong> mesa ao som<strong>da</strong>s violas, pandeiros, tambores e maracás. Oentrosamento costuma ser harmônico e empoucas vezes, a cantoria sai do seu ritmooriginal. Quando isso acontece, o ritmo é733


RBSE 9(26), Ago 2010logo corrigido e contornado pelos músicosmais empenhados.Quando todo o hinário escolhido para asessão é bailado, o Salão Dourado adquire aconfiguração espacial anterior. As cadeiras sãonovamente postas <strong>nos</strong> seus devidos lugares,os músicos guar<strong>da</strong>m os instrumentos e osdemais participantes se acomo<strong>da</strong>m, no intuitode se despedirem <strong>da</strong> burracheira. O mestreAndré, normalmente, faz algumas explanaçõesquase sempre direciona<strong>da</strong>s aos eventos <strong>da</strong>sessão. A questão administrativa,principalmente relativa às doações financeiraspara a continui<strong>da</strong>de dos trabalhos no centro,sempre é reforça<strong>da</strong> nesses momentos finais.Em segui<strong>da</strong>, o mestre André entoa aschama<strong>da</strong>s de encerramento <strong>da</strong> sessão 44 ,fechando o oratório com a proteção dos seresmíticos udevistas.Todos aplaudem o sucesso do trabalho, aomesmo tempo em que se abraçam no finalde ca<strong>da</strong> ritual. Ca<strong>da</strong> um costuma trazer44 O mestre fecha o oratório entregando os trabalhos aodivino espírito santo. É quando o hoasqueiro se despede <strong>da</strong>burracheira. Maiores detalhes consultar Goulart (2004, p.229) e Lira (2009, p. 90).734


RBSE 9(26), Ago 2010consigo pequenas contribuições para o lancheque sempre é servido depois <strong>da</strong> sessão.Sucos, bolos, frutas, doces e salgadoscostumam compor a ceia dessa grande famíliaayahuasqueira. Muitos pernoitam no Alto <strong>da</strong>Paz, enquanto outros preferem dormir emcasa. E assim as sessões de escalaacontecem quinzenalmente. Dias em que osadeptos reforçam sua ligação com essetrabalho <strong>espiritual</strong> ao mesmo tempo em quese reen<strong>contra</strong>m, conversam e renovam suasenergias <strong>nos</strong> ritos do Alto <strong>da</strong> Paz, Chã doCruzeiro.FeitiosOs feitios são os trabalhos direcionados àprodução do chá. É quando a irman<strong>da</strong>de sereúne, em mutirões, e efetua densostrabalhos que se estendem, normalmente, pordez dias seguidos. As pessoas bebem oVegetal e se revezam nas múltiplas ativi<strong>da</strong>desexigi<strong>da</strong>s por essa grande festa direciona<strong>da</strong> àconfecção do sacramento. Estes rituais depreparo, acima de tudo, garantemindependência e auto-suficiência dos gruposna produção <strong>da</strong> própria bebi<strong>da</strong>. Durante735


RBSE 9(26), Ago 2010minha pesquisa de campo, o CHIED alagoanorealizou três grandes feitios. Dois aconteceram<strong>nos</strong> meses de agosto e dezembro do ano de2007 e o último foi realizado no mês deagosto de 2008. Os cipós utilizados nessestrabalhos vieram a partir do contato comalgumas comuni<strong>da</strong>des de quilombolas emBelém do Pará 45 .As folhas vieram <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>s de chacronacultiva<strong>da</strong>s pelo grupo e que já são capazesde satisfazer às deman<strong>da</strong>s dos feitios. Omarirí, no Essência Divina, ain<strong>da</strong> en<strong>contra</strong>-seem desenvolvimento cultivado em algunscajueiros no Alto <strong>da</strong> Paz. Todos os feitiosaconteceram na antiga sede do grupoalagoano localiza<strong>da</strong> na Praia do Francês 46 no45 Os cipós utilizados <strong>nos</strong> últimos feitios do CHIED alagoanovieram de Belém do Pará a partir do contato estabelecidocom uma comuni<strong>da</strong>de de quilombolas, que plantam o marirí,mas usam apenas as folhas deste cipó em seus trabalhosrituais.46 Refere-se à primeira sede do CHIED alagoano fun<strong>da</strong><strong>da</strong>no mês de abril do ano de 2005. Antes disso o mestreAndré já reunia alguns familiares e amigos em sua residênciana Praia do Francês desde 2002, onde passou a ministraro Vegetal em nome do Centro de Harmonização InteriorEssência Divina com a devi<strong>da</strong> autorização do mestre Vinícius.Maiores detalhes consultar Lira (2009, pp.145-147).736


RBSE 9(26), Ago 2010município de Marechal Deodoro (Al). Aotodo compareceram cerca de quarentapessoas em ca<strong>da</strong> ritual de preparo queproduz em média cento e cinqüenta litros <strong>da</strong>bebi<strong>da</strong>.Tanto as folhas <strong>da</strong> chacrona, quanto ocipó marirí, são de difícil acesso, manuseio ea<strong>da</strong>ptação. Os climas nordesti<strong>nos</strong> não sãofavoráveis a tais plantas amazônicas, portantoseus cultivos exigem alguns cui<strong>da</strong>dosespeciais (Lira, 2009, pp.70-74). Aecologia e a fisiologia desses dois vegetais jáimpõem um controle natural em relação aoconsumo <strong>da</strong> ayahuasca. Além disso, amecânica exaustiva emprega<strong>da</strong> <strong>nos</strong> rituais depreparo dificulta ain<strong>da</strong> mais a obtenção desteenteógeno.No CHIED, o feitio é encarado como após- graduação do trabalho <strong>espiritual</strong>, pois oadepto não deve saber apenas beber, comotambém deve saber fazer o próprio Vegetal.Esses ayahuasqueiros consideram o feitiocomo o momento único de transformação,doação, aprendizado e convivência. Atransformação vem pelo trabalho que estásendo realizado nesse momento. Água, fogo737


RBSE 9(26), Ago 2010e plantas combinados ao esforço e boavontade dos participantes desse ritual, são osingredientes principais dessa alquimiaxamânica. O aprendizado surge de acordocom a doação e a convivência <strong>da</strong>s pessoasque participam desse rito, no qual se almejaa confecção de um bem comum. Os feitiossão momentos singulares, <strong>nos</strong> quais to<strong>da</strong>s asenergias emprega<strong>da</strong>s <strong>nos</strong> trabalhos, <strong>nos</strong>pensamentos, nas palavras e ações dosmutirões, são automaticamente transmiti<strong>da</strong>s aosacramento em produção. Tudo feito emsincronia, com muita ordem e sob o estadoampliado de consciência, fornecido pelaingestão do chá que, aliás, é constantementeconsumido durante a realização <strong>da</strong>sativi<strong>da</strong>des.O grupo se apresenta merecedor doVegetal, quando consegue produzi-lo eadministrá-lo com responsabili<strong>da</strong>de. Nessesinstantes é preciso muita concentração,firmeza e consciência de que tudo o que éfeito durante o ritual de preparo, transmiteenergia para o sacramento. É como se todosacrifício e esforço empregados tantocoletivamente, quanto individualmente,738


RBSE 9(26), Ago 2010favorecessem a atuação de um complexo cicloenergético. Caso os pensamentos e açõesrealizados durante o processo foremvoluntariosos, tranqüilos e felizes o chá, queestá sendo preparado, receberá essas boasvibrações e todos bebem de volta essaenergia circun<strong>da</strong>nte. Caso as ações epensamentos, durante o ritual, forempreconceituosos, negativos ou intolerantes, ochá terá as mesmas proprie<strong>da</strong>des indeseja<strong>da</strong>s.O objetivo principal <strong>da</strong> produção do Vegetal éo de fornecer um chá que possua luz eforça em equilíbrio.Outras influências não podem sertransferi<strong>da</strong>s à bebi<strong>da</strong>, portanto o feitio éencarado como um teste de firmeza econstante superação no qual os fieis procuramexecutar to<strong>da</strong>s as etapas do trabalhoconcentrados naquilo que estão fazendo. Talconcentração é adquiri<strong>da</strong> com o tempo e apartir <strong>da</strong>s vivências com ayahuasca. NoCHIED alagoano quem coman<strong>da</strong> to<strong>da</strong>s asetapas do trabalho é o mestre André queconta com a participação dos demais far<strong>da</strong>dospara a manutenção <strong>da</strong> sincronia exigi<strong>da</strong> pelofeitio.739


RBSE 9(26), Ago 2010O preparo <strong>da</strong> ayahuasca <strong>nos</strong> remete àstradições milenares dos antigos povos <strong>da</strong>floresta conhecedores dos segredos <strong>da</strong>natureza. Suas bricolagens, construções eexperimentos possibilitaram a descoberta <strong>da</strong>sproprie<strong>da</strong>des místicas do marirí e <strong>da</strong> chacronaque passaram a ser combinados, cozidos eingeridos ao longo <strong>da</strong>s gerações (Lira, 2009,pp.15-21). A forma do preparo, a quanti<strong>da</strong>dede chá produzido, os modos de obtenção <strong>da</strong>splantas, assim como a concentração <strong>da</strong>bebi<strong>da</strong> costuma variar entre àqueles queconfeccionam esse enteógeno.Nos sistemas <strong>da</strong>imistas, por exemplo, ofeitio é uma ativi<strong>da</strong>de extremamentesincroniza<strong>da</strong>, organiza<strong>da</strong> e revesti<strong>da</strong> por umforte simbolismo <strong>espiritual</strong> em relação àprodução do Santo Daime (MacRae, 1992,p.108; Drouot, 1999, p.43; Cemin, 2002,p.360; Goulart, 2004, p.262 e Labate,2004, p.297). É bastante comum, entre asigrejas <strong>da</strong>imistas localiza<strong>da</strong>s na região nortedo país, a organização de ver<strong>da</strong>deirasexpedições mata adentro nas quais osadeptos partem em busca <strong>da</strong>s folhas e dos740


RBSE 9(26), Ago 2010cipós nativos 47 (MacRae, 1992, p.108;Drouot, 1999, p.43 e Cemin, 2002, p.360).Os participantes costumam abster-sesexualmente antes, durante e depois de umfeitio. Não é permitido o consumo de bebi<strong>da</strong>salcoólicas e devem ser tomados algunscui<strong>da</strong>dos com a alimentação.Além disso, também existem restriçõesfortíssimas como, por exemplo, não permitirque mulheres menstrua<strong>da</strong>s participem do ritual(Froés & Rocha, 1977, p.5; MacRae, 1992,p.76 e Goulart, 2004, p.262) e nemtampouco é possível comunicação entre ossexos opostos nas etapas comuns ao feitiodo Santo Daime. O ritual se apresenta comoum teste de pureza e competência. Ca<strong>da</strong>participante é encarado como fun<strong>da</strong>mentaldentro desse trabalho, pois a atuação deca<strong>da</strong> um reflete nas proprie<strong>da</strong>des do47 Atualmente essas expedições tornam-se ca<strong>da</strong> vez me<strong>nos</strong>comuns, pois os grupos passam a cultivar os vegetais <strong>nos</strong>próprios núcleos. Isso se dá devido à preocupação existenteentre as enti<strong>da</strong>des ayahuasqueiras em relação aodesmatamento e possível extinção <strong>da</strong>s folhas e dos cipós emsua forma silvestre. Além disso, cultivar as próprias plantas énecessário às irman<strong>da</strong>des localiza<strong>da</strong>s longe <strong>da</strong> florestaamazônica.741


RBSE 9(26), Ago 2010sacramento em produção. Por isso, o feitiodeve ser conduzido em silêncio, na maisabsoluta concentração, evitando-se conversasparalelas e sentimentos considerados inferiores.No CHIED, assim como <strong>nos</strong> sistemas<strong>da</strong>imistas, os homens preparam os cipóstratando e macerando as fibras do marirí paraque seja possível seu cozimento. As mulherescui<strong>da</strong>m <strong>da</strong> chacrona. Elas separam as folhasverdes <strong>da</strong>s secas e as lavam com águacorrente. É possível afirmar que, durante ofeitio, alguns preceitos <strong>da</strong>imistas são mantidosnesse centro de harmonização ayahuasqueiro,portanto não há restrições, por exemplo,quanto à participação de mulheresmenstrua<strong>da</strong>s, nem tampouco quanto aocontato entre os sexos opostos. Normalmentenão se exige uma dieta alimentar específica,nem abstinência sexual, portanto permanecemos interditos relativos ao uso do álcool ou deoutras drogas. Também não existem horários,épocas e nem dias específicos para arealização do feitio, mesmo porque ostrabalhos acontecem de acordo com anecessi<strong>da</strong>de do grupo e disponibili<strong>da</strong>de dosparticipantes.742


RBSE 9(26), Ago 2010Hi<strong>nos</strong> <strong>da</strong>imistas e chama<strong>da</strong>s udevistas sãoentoados durante todo o trabalho, além dealgumas músicas pré-seleciona<strong>da</strong>s pelo mestreAndré. As conversas devem ser produtivas edireciona<strong>da</strong>s à ativi<strong>da</strong>de em questão.Raramente eles ficam em silêncio. Ascama<strong>da</strong>s de folhas e fibras de cipósmacera<strong>da</strong>s são postas alterna<strong>da</strong>s nas panelascom água dentro <strong>da</strong> fornalha, onde a infusãoé cozi<strong>da</strong> por aproxima<strong>da</strong>mente duas horas emeia (Foto 2). De acordo com a ordem domestre André, as panelas são retira<strong>da</strong>s dofogo e o primeiro Vegetal é colhido. Emsegui<strong>da</strong> mais água é adiciona<strong>da</strong> às panelas eo material é cozido novamente por mais duashoras e meia. As panelas são tira<strong>da</strong>s dofogo para que o segundo Vegetal seja colhidoe assim sucessivamente, até que o mesmomaterial seja cozido cinco ou seis vezes.Depois que sai <strong>da</strong>s panelas, o chá éarmazenado temporariamente em tonéis deplástico de acordo com a ordem doscozimentos (Foto 3).Quando questionado a respeito do porquêdessa separação entre os cozimentos, omestre André afirma que não é ideal elaborar743


RBSE 9(26), Ago 2010o chá com uma concentração única, poisassim como faz, o grupo adquire o privilégiode escolher o tipo de bebi<strong>da</strong> que se quertomar no dia, local, hora e eventosadequados. Para isso servem os apurados deprimeira, segun<strong>da</strong>, terceira, quarta, quinta ousexta ordens. Teoricamente, o chá oriundo doprimeiro cozimento seria mais “denso” do queàquele vindo do terceiro ou quartocozimentos.Foto 2 - Cama<strong>da</strong>s de folhas e cipós macerados em cozimento.Direito de imagem cedido pelo CHIED. Foto disponível em:http://www.essenciadivina.org/fotolog/index.php?image=661744


RBSE 9(26), Ago 2010Foto 3 - Tonéis de plástico usados para armazenar o Vegetal.Direito de imagem cedido pelo CHIED. Foto disponível em:http://www.essenciadivina.org/fotolog/index.php?image=382Segundo os interlocutores, na<strong>da</strong> impedeque o sujeito beba um Vegetal oriundo doterceiro cozimento, por exemplo, e tenha umaburracheira tão eluci<strong>da</strong>tiva e ilumina<strong>da</strong> quantoàquela que seria supostamente forneci<strong>da</strong> peloprimeiro ou segundo cozimentos. O opostotambém pode acontecer, caso o sujeito bebaum Vegetal de primeiro cozimento e venha ater uma burracheira considera<strong>da</strong> bran<strong>da</strong> ouna<strong>da</strong> sentir. Para o mestre André, esse seriao grande exemplo do segredo que envolve as745


RBSE 9(26), Ago 2010proprie<strong>da</strong>des místicas do chá, que vão além<strong>da</strong> química de seus compostos. O estado deespírito do bebedor, o local onde aexperiência acontece e as pessoas que delaparticipam influenciam diretamente <strong>nos</strong> efeitos<strong>da</strong> beberagem (Zinberg, 1984; MacRae,2004 e Lira, 2009).Depois que o primeiro material passa peloscozimentos necessários e todo o chá éarmazenado <strong>nos</strong> tonéis de acordo com aordem de potência dos cozimentos, um novomaterial passa a ser elaborado. As panelassão lava<strong>da</strong>s, novas folhas e cipós sãopreparados e postos novamente em cama<strong>da</strong>salterna<strong>da</strong>s nas panelas com água. A dinâmicase repete e o Vegetal é colhido earmazenado <strong>nos</strong> tonéis de acordo com oscozimentos. Ao todo são cozidos de três aquatro materiais. Ca<strong>da</strong> material passa porcinco ou seis cozimentos. No final <strong>da</strong>sativi<strong>da</strong>des, o chá é armazenado em garrafaspet que ficam sob os cui<strong>da</strong>dos do mestreAndré.Entretanto, os trabalhos de feitio não seresumem apenas na preparação e cozimento<strong>da</strong> infusão. Além destas ativi<strong>da</strong>des, os746


RBSE 9(26), Ago 2010adeptos costumam se revezar nas equipesdireciona<strong>da</strong>s à limpeza, alimentação e demaisnecessi<strong>da</strong>des que venham a surgir, como porexemplo, lavar banheiros, panelas, pratos,copos, cozinhar alimentos, carregar peso,juntar água, organizar os dormitórios, empilharlenha, mexer as panelas na fornalha,equilibrar os líquidos em cozimento, cui<strong>da</strong>r dofogo, mantendo a combustão uniforme <strong>da</strong>madeira e, no caso dos músicos, cantar etocar hi<strong>nos</strong> constantemente. Todos na força<strong>da</strong> bebi<strong>da</strong> a depender <strong>da</strong>s aptidões edisponibili<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong> um.As ativi<strong>da</strong>des são feitas em sincronia, comtranqüili<strong>da</strong>de, concentração e firmezanecessárias a tal processo. A intençãovoluntária é essencial, na<strong>da</strong> pode serrealizado com má vontade ou sob ordem eobrigação. Os ayahuasqueiros do CHIEDafirmam que tudo deve ser feito com amor.É uma celebração e como tal elesdemonstram um forte respeito e gratidão poràquilo que estão fazendo. Obviamente essadinâmica gera um custo. Em ca<strong>da</strong> ritual defeitio, os adeptos do Essência Divina gastam,em média, de sete a oito mil reais incluindo;747


RBSE 9(26), Ago 2010gastos com o transporte do marirí,alimentação dos participantes, lenha para afornalha entre outras tantas necessi<strong>da</strong>desemergentes.Lembrando que a ritualização na produção<strong>da</strong> bebi<strong>da</strong> é outro fator que assegura ocontrole do seu uso. De acordo com MacRae(1992, p.82) a dificul<strong>da</strong>de diante <strong>da</strong>realização dos trabalhos de preparo ou feitioexige que os mesmos aconteçamcoletivamente de acordo com uma organiza<strong>da</strong>divisão de trabalhos. É uma cerimôniaespecial de intenso significado simbólicoreligioso.Além disso, as reações comunsinerentes ao chá como: vômitos, diarréias,sentimentos angustiantes de morte erenascimento levam a crer que a bebi<strong>da</strong> nãose presta ao uso fácil, indiscriminado erecreativo.Produzindo o próprio Vegetal, além degarantir auto-suficiência em relação aoconsumo <strong>da</strong> bebi<strong>da</strong>, consegue-se tambémselecionar a procedência do chá que se vaibeber. Esses ayahuasqueiros acreditam queas pessoas e as condições nas quais umfeitio ou preparo acontece influenciam748


RBSE 9(26), Ago 2010diretamente nas quali<strong>da</strong>des do chá.Teoricamente ao selecionar a irman<strong>da</strong>de, olugar, as conversas e vibrações presentesnesses momentos de produção, selecionam-setambém as proprie<strong>da</strong>des místicas deseja<strong>da</strong>s,pois o objetivo <strong>da</strong> irman<strong>da</strong>de é beber devolta essas vibrações. Por isso não éconveniente, segundo o mestre André, beberum chá de origem desconheci<strong>da</strong> cujaprocedência pode não ser confiável devido àatuação de terceiros durante sua produção.Não é interessante, nesse caso, absorveruma energia não compatível à reali<strong>da</strong>de dessairman<strong>da</strong>de (Lira, 2009, pp.177-212).Beatriz Caiuby Labate (2004, p.277) aoestu<strong>da</strong>r o uso <strong>da</strong> ayahuasca entre os novosgrupos ayahuasqueiros (neo-ayahuasqueiros)levanta a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> existência deramificações na rede ayahuasqueira 48 e que48 Labate (2004) ao analisar as novas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des deconsumo <strong>da</strong> ayahuasca <strong>nos</strong> centros urba<strong>nos</strong>, elabora oconceito de rede ayahuasqueira na tentativa de acompanharos fenôme<strong>nos</strong> emergentes nesse campo religioso. Essa rede,segundo a autora, seria um espaço construído pelasenti<strong>da</strong>des ayahuasqueiras em geral, que regulam o uso e adistribuição do enteógeno, por meio de suas práticastradicionais elabora<strong>da</strong>s pelos principais líderes fun<strong>da</strong>dores.749


RBSE 9(26), Ago 2010favorecem a distribuição do chá entre novosgrupos emergentes. Tais ramificações possuemextensões que alcançam os “grupos oficiais”permitindo, dessa forma, o acesso ao chápor parte dos neo-ayahuasqueiros. Essa novacategoria de usuários urba<strong>nos</strong> <strong>da</strong> ayahuasca,segundo Labate (2004), seria representa<strong>da</strong>por indivíduos <strong>da</strong>s classes médias, letrados einfluenciados pelo holismo do universo NovaEra.Os grupos estu<strong>da</strong>dos pela antropólogaconseguiam a bebi<strong>da</strong>, já prepara<strong>da</strong>, dentrodesse circuito alternativo que depende,exclusivamente, dos processos rituais oriundos<strong>da</strong>s “matrizes originais”. A dificul<strong>da</strong>de deacesso às plantas, a mecânica exaustiva dofeitio, o tempo exigido para a realização dostrabalhos, a comum falta de espaço e oscustos monetários empregados em talativi<strong>da</strong>de ritualística configuram limitaçõesvisíveis à realização de um feitio dentre osnovos grupos em formação. É preciso, antesde tudo, adquirir o conhecimento necessário àprodução dessa bebi<strong>da</strong>. Isso vem com otempo e a partir <strong>da</strong>s vivências dos sujeitosno universo <strong>da</strong> ayahuasca.750


RBSE 9(26), Ago 2010Os núcleos do CHIED possuem esseconhecimento específico devido às vivênciasdos seus mestres fun<strong>da</strong>dores (Vinícius, emBrasília e André, em Maceió) nas distintasesferas ayahuasqueiras. Aliás, os dois gruposayahuasqueiros dissidentes estu<strong>da</strong>dos emminha dissertação 49 reinterpretam osprocedimentos rituais comuns aos feitios oupreparos, oriundos <strong>da</strong>s matrizesayahuasqueiras tradicionais, principalmente,<strong>da</strong>imistas e udevistas, de acordo com suasreali<strong>da</strong>des (Lira, 2009). Mesmo longe <strong>da</strong>s“matrizes oficiais” as duas irman<strong>da</strong>desinvestiga<strong>da</strong>s em minha análise cultivam folhase cipós, preparam o próprio chá com essesmateriais e quando não, conseguem osvegetais in natura que satisfazem àsdeman<strong>da</strong>s dos preparos ou feitios.Podemos detectar uma tendência entre osnovos grupos ayahuasqueiros que éjustamente a de produzir o próprio chá.Cultivando marirí e chacrona, produzindo opróprio Vegetal, esforçando-se em aprender a49 A Associação Espiritualista União do Vegetal (AEUDV)em Pernambuco e o Centro de Harmonização InteriorEssência Divina em Alagoas.751


RBSE 9(26), Ago 2010manuseá-lo, os adeptos se sentemmerecedores e responsáveis por suadistribuição. A obtenção do chá entre osayahuasqueiros dissidentes, nesse caso, nãose limita às ramificações que alcançam osgrupos tradicionais. A tendência desses novosnúcleos gira em torno do alcance e <strong>da</strong>manutenção de suas independências e autosuficiências,continuando com seus trabalhosna produção, administração e distribuiçãoresponsável dessa bebi<strong>da</strong> enteógena. Osacordos permanecem no astral, sendo o feitioessencial no reforço de suas legitimi<strong>da</strong>des.Outras ativi<strong>da</strong>desO chá também é consumido antes edurante algumas ativi<strong>da</strong>des braçais,organiza<strong>da</strong>s em mutirões e direciona<strong>da</strong>s àmanutenção dos trabalhos do centro, comopor exemplo, plantios e construções de novasestalagens no Alto <strong>da</strong> Paz (Lira, 2009,pp.152-164). Marilena Chauí (2000, p.381)<strong>nos</strong> mostra que todos os sistemas de crençasreligiosas, construídos culturalmente ao longo<strong>da</strong>s gerações humanas, criaram a idéia deespaço sagrado devido à sacralização e752


RBSE 9(26), Ago 2010consagração de suas distintas interpretações arespeito dos homens, dos espíritos e <strong>da</strong>natureza. Os céus, mares, montanhas,templos e igrejas são os santuários ondehabitam as divin<strong>da</strong>des. Os fieis constroem olar divino no qual são feitas cerimônias deculto, assim como preces, oferen<strong>da</strong>s epedidos aos deuses e dei<strong>da</strong>des.O espaço sagrado diverge do espaçoprofano que, para Chauí (2000, p.381),seria o espaço <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> comum dos fieis <strong>nos</strong>eu dia-a-dia. A construção de um espaçosagrado é, portanto, uma oportuni<strong>da</strong>de únicade preparar e erguer a casa dos deusespara deles se aproximar. Durante essaconstrução também são erguidos e mantidosfortes laços de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, colaboração,mutualismo e união entre os membros deuma irman<strong>da</strong>de. Laços que os conduzem àspráticas voluntárias direciona<strong>da</strong>s à coletivi<strong>da</strong>de.Apesar do uso <strong>da</strong> ayahuasca no CHIEDalagoano acontecer, esporadicamente, fora doscontextos de uma sessão comum, ele não sedá fora do espaço sagrado ou numaatmosfera hedônica. Os entrevistados afirmamque a sacrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> bebi<strong>da</strong> não é dissolvi<strong>da</strong>753


RBSE 9(26), Ago 2010em tais contextos <strong>nos</strong> quais se toma ainfusão para meditação e aprendizado nointuito de desenvolver aptidões em prol <strong>da</strong>sustentabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s práticas religiosas destecentro de harmonização interior. Asproprie<strong>da</strong>des místicas <strong>da</strong> bebi<strong>da</strong> enteógenaayahuasca são interpreta<strong>da</strong>s comomanifestações divinas e, como em todoenteógeno, sua ingestão também permite queessa potência sobrenatural seja transferi<strong>da</strong> evivencia<strong>da</strong> pelos sujeitos naturais que, emsuas concepções, acreditam que o chá éuma <strong>da</strong>s ferramentas utiliza<strong>da</strong>s para o alcance<strong>da</strong> iluminação <strong>espiritual</strong>. A ruptura entre onatural e o sobrenatural parece se estreitarquando a sacrali<strong>da</strong>de é vivencia<strong>da</strong> ritualmentepelo adepto <strong>nos</strong> estados do êxtase.O chá, para essas pessoas, é ummecanismo que faz com que o Deus interiordesperte, prolifere, expan<strong>da</strong>, amplie e supereas capaci<strong>da</strong>des humanas e materiais. Nosmomentos <strong>da</strong> burracheira, esse Deus despertotransmite aos aparelhos mortais algumasinformações por meio de imagens, sons,sentimentos e pensamentos. Depois dos rituaisesse Deus interno volta a dormir, mas os754


RBSE 9(26), Ago 2010ensinamentos apreendidos quando ele estavaacor<strong>da</strong>do não abandonam o sujeito em seucotidiano, que pode e deve pôr em práticatudo o que aprendeu com essas reali<strong>da</strong>des.Tal experiência possui algumas exigências,que asseguram o controle social <strong>da</strong>substância psicoativa conduzindo e norteandoos efeitos <strong>da</strong>s mesmas (Zinberg, 1984;MacRae, 2004 e Lira, 2009). Isso faz comque a ayahuasca não se transforme numadroga de curtição, mesmo porque osindesejáveis e desconfortáveis efeitospurgativos promovidos pela bebi<strong>da</strong>, anecessi<strong>da</strong>de do isolamento e <strong>da</strong> meditaçãoexigidos pela experiência, a dificul<strong>da</strong>de doplantio dos vegetais e o preparo desseenteógeno são, por si só, preços muito altosa ser pagos por àqueles indivíduos quealmejam en<strong>contra</strong>r nesse chá uma experiênciade simples barato.Segundo os ayahuasqueiros do CHIED aver<strong>da</strong>deira essência <strong>da</strong> experiência com oVegetal só pode ser atingi<strong>da</strong> quandoadministra<strong>da</strong> numa atmosfera ritual, na qualos efeitos podem ser controlados edirecionados para uma finali<strong>da</strong>de específica.755


RBSE 9(26), Ago 2010Seja numa sessão de escala ou <strong>nos</strong> ensaiosde hinários e mutirões voluntários para feitiosou construções na nova sede, o uso <strong>da</strong>ayahuasca permanece direcionado à reflexão emeditação dos adeptos, que aprimoram suasaptidões em prol <strong>da</strong> manutenção dostrabalhos espirituais no Alto <strong>da</strong> Paz alagoano.ReferênciasBOMFIM, Juarez D. O Jardim de Belas Flores. OHinário O Cruzeiro Universal do Mestre RaimundoIrineu Serra comentado por Juarez Duarte Bomfim.Livro virtual. Centro de Iluminação Cristã LuzUniversal de Minas Gerais (CICLUMIG), 2006.Disponívelemhttp//www.mestreirineu.org/liber<strong>da</strong>de. Acesso em18 jun. 2008.BRICHAL, Fernando. Nova era: uma manifestaçãode fé <strong>da</strong> contemporanei<strong>da</strong>de. In: Horizonte; revistade estudos de teologia e ciências <strong>da</strong> religiãoPontifícia Universi<strong>da</strong>de Católica de Minas Gerais,v. 5, n.9: Editora PUC Minas, 2006.CAMPOS, Eline de O; LEMOS, Niedja de B. ADança Circular Sagra<strong>da</strong> como Elemento deLigação com o Divino. UFPB: <strong>CCHLA</strong> VIIIConhecimento em Debate, 2008. Disponível em:http://www.cchla.ufpb.br/conhecimentoemdebate/ar756


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RBSE 9(26), Ago 2010ABSTRACT: In the present article we will accomplishemerging spiritual phenomena on ayahuasca sessions atCentro de Harmonização Interior Essência Divina, aayahuasqueira fraternity located at Riacho Doce district in thestate of Alagoas, Brazil. This specific center known as Alto<strong>da</strong> Paz - Chã do Cruzeiro is a representative from theUnification Line, established by Francisco Sousa de Almei<strong>da</strong>uniting <strong>da</strong>imistas and udevistas symbolic elements at thesame mythical and ritual processes. We will see theinteraction of these and others symbolic systems on work ofthis fraternity from descriptive analysis of rites andinterpretation of adepts related to common phenomena fromritual use of the xamanic psychoactive beverage, which in ourparticular case, is managed following the Unification Lineprinciples. Keywords: Ayahuasca, Tea, Spirituality, UnificationLine, Essência Divina.761


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