Com a <strong>de</strong>scoberta e a elaboração <strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mente – provindo não só <strong>de</strong>elaborações teóricas <strong>de</strong>dutivas, mas da observação e do entendimento das psicopatologias apartir da prática clínica – constitui-se uma maneira particular e original <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a vidamental normal e patológica. O psicopatológico passa a estar contido na vida psíquica normal evice-versa: o distúrbio seria como uma fissura no mecanismo da mente normal a que todosestão sujeitos e que revelaria seu funcionamento encoberto pela normalida<strong>de</strong>:Por outro lado, bem conhecemos a noção <strong>de</strong> que a patologia, tornando as coisasmaiores e mais toscas, po<strong>de</strong> atrair nossa atenção para condições normais que <strong>de</strong>outro modo nos escapariam. On<strong>de</strong> ela mostra uma brecha ou uma rachadura, alipo<strong>de</strong> normalmente estar presente uma articulação. Se atiramos ao chão um cristal,ele se parte, mas não em pedaços ao acaso. Ele se <strong>de</strong>sfaz, segundo linhas <strong>de</strong>clivagem, em fragmentos cujos limites, embora fossem invisíveis, estavampre<strong>de</strong>terminados pela estrutura do cristal. Os doentes mentais são estruturasdivididas e partidas do mesmo tipo (FREUD, 1933 [1932], p.64).Freud concebe a noção <strong>de</strong> que a psicopatologia se constitui <strong>de</strong> processos mentaisnormais que estariam, por diversos motivos, aumentados, exagerados ou <strong>de</strong>sestabilizados. Eos principais conceitos que vingaram na psicanálise nascem do estudo <strong>de</strong>stes estadospatológicos:A psicanálise está firmemente alicerçada na observação dos fatos da vida mental epor essa mesma razão sua superestrutura teórica ainda está incompleta e sujeita aconstante alteração. Em segundo lugar, não existe motivo para surpresa que apsicanálise, que originalmente nada mais era que uma tentativa <strong>de</strong> explicar osfenômenos mentais patológicos, <strong>de</strong>va ter-se <strong>de</strong>senvolvido numa psicologia da vidamental normal. A justificativa disso surgiu com a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> que os sonhos e oserros [‘parapraxias’, tais como lapsos <strong>de</strong> linguagem etc.] <strong>de</strong> homens normais têm omesmo mecanismo que os sintomas neuróticos (FREUD, 1926, p.256).Este princípio <strong>de</strong> pesquisa da vida mental a partir do patológico é ilustradomagistralmente pela imagem do cristal que se parte e revela suas articulações ou inscriçõesque ali já existiam, mas que só pu<strong>de</strong>ram ser vistas e compreendidas porque se romperam.Neste sentido, a psicopatologia revela ou <strong>de</strong>nuncia a estruturação, a articulação e ofuncionamento da mente, elementos que em seu funcionamento normal e cotidiano nãopo<strong>de</strong>riam ser percebidos e compreendidos. Foi assim com a histeria, condição que revelou aFreud a existência <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> psíquica, do papel da sexualida<strong>de</strong> na vida psíquica, dasexualida<strong>de</strong> infantil, e da importante <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> um inconsciente. Muito do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>mente normal que foi <strong>de</strong>senvolvido na Interpretação dos sonhos (1900) começou a serpercebido e postulado no trabalho com as histéricas. Do mesmo modo, a dificulda<strong>de</strong> com aschamadas neuroses narcísicas dos anos <strong>de</strong> 1910-15 – psicoses, paranóias e <strong>melancolia</strong>s –levou Freud a admitir a existência <strong>de</strong> um narcisismo na mente normal, tanto como fase(narcisismo primário) quanto como funcionamento psíquico (narcisismo secundário). Foi86
também a clínica das psicopatologias narcísicas que o levou a reformular sua noção <strong>de</strong> eu. Ouseja, segundo Hornstein, há um intercâmbio constante entre o normal e o patológico no<strong>de</strong>senvolvimento da teoria <strong>freudiana</strong>:Há uma falsa oposição sempre presente no pensamento freudiano, a da falsaoposição normal-patológico com a qual ele quer romper. Freud dirá emPsicopatologia da vida cotidiana que todos somos um pouco neuróticos, e que nãohá diferença essencial entre o sujeito que tem sintomas e aquele que só tem lapsus,ou que só tem sonhos, já que, em última instância tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá do tipo <strong>de</strong>transações que cada sujeito realize entre seus <strong>de</strong>sejos inconscientes, as exigências<strong>de</strong> seus sistemas i<strong>de</strong>ais e as possibilida<strong>de</strong>s que tem <strong>de</strong> articular na realida<strong>de</strong> essasexigências contraditórias. É assim que Freud utiliza permanentemente a passagemdo normal ao patológico como uma forma <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r seja um fenômeno, sejao outro (HORNSTEIN, 1989, p.105).Deste ponto <strong>de</strong> vista, não seria incorreto, segundo a visão <strong>freudiana</strong>, supor aexistência na mente <strong>de</strong> elementos comuns entre as condições normais e patológicas. Klein(1940; 1946) postulou a presença <strong>de</strong> um funcionamento psíquico <strong>de</strong> natureza psicótica logonos primeiros meses <strong>de</strong> vida do bebê, no qual a mente estaria <strong>de</strong>sintegrada. Estefuncionamento estaria operando normalmente no início da vida <strong>de</strong> todo ser humano, e estariana base <strong>de</strong> toda manifestação psicótica posterior. Ao grupo <strong>de</strong> traços e <strong>de</strong>fesas quecaracterizariam este funcionamento psicótico, Klein <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> posição esquizoparanói<strong>de</strong>.Segundo ela, haveria um processo <strong>de</strong> integração que se seguiria a esta posição,dando lugar a uma posição <strong>de</strong>pressiva no <strong>de</strong>senvolvimento normal. Por volta dos seis meses<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, o bebê entraria em um funcionamento mental mais integrado, e, por conseqüência,perceberia a separação e a ausência <strong>de</strong> seus objetos <strong>de</strong> amor. Isto faria com que eleenfrentasse um processo <strong>de</strong>pressivo normal, permeado por sentimentos <strong>de</strong> culpa e reparação.Os lutos vivenciados nas situações <strong>de</strong> perda ao longo da vida do sujeito estariam relacionadosà elaboração da posição <strong>de</strong>pressiva.Ainda nesta mesma linha <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, Bion (1957,1962) sugeriu a idéia <strong>de</strong>que todo neurótico abriga uma parte psicótica oculta e subjacente, e que, do contrário, emtodo psicótico há uma parte neurótica, mesmo que pouco preservada e obstruída pela partepsicótica. Assim, notamos que Bion formulou a presença <strong>de</strong> uma parte psicótica mesmo nopredomínio <strong>de</strong> um funcionamento normal da mente. Segundo Zimerman (2004, p.125), estaidéia estaria apoiada tanto em uma noção quantitativa quanto qualitativa. A parte quantitativapo<strong>de</strong>ria ser entendida como uma escala: em um extremo que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> uma parte psicóticainaparente e absorvida pela parte do ego neurótico e sadio, até o outro extremo <strong>de</strong> umapersonalida<strong>de</strong> dominada por um funcionamento psicótico que subjugaria a parte neurótica. A87
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Capítulo 4A concepção freudiana
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PERES, U. T. Melancolia. São Paulo