Assim, este registro estaria diretamente relacionado com os elementos narcísicos eambivalentes, como revelados na <strong>melancolia</strong>, já que acionam suas articulações. No entanto,ambos os estados, <strong>de</strong>pressivos e melancólicos, são acionados pelo registro da perda que ativaos elementos narcísicos e ambivalentes. Os afetos penosos característicos dos estados<strong>de</strong>pressivos e as auto-avaliações e auto-acusações próprias da <strong>melancolia</strong> são expressões dapsicodinâmica dos elementos narcísicos e ambivalentes. Talvez seja conveniente adotarmos otermo “elementos melancólicos” pelo fato <strong>de</strong> o termo “<strong>melancolia</strong>” ser o escolhido por Freudpara <strong>de</strong>screver a psicodinâmica do registro da perda.Depressão e <strong>melancolia</strong> po<strong>de</strong>m ser diferenciados, como nos textos freudianos,enquanto quadros clínicos. No entanto, quando se fala dos elementos psíquicos relacionados aestes estados, esta distinção torna-se mais complexa. Por serem estados provenientes dosmesmos elementos, torna-se uma tarefa difícil diferenciá-los em sua origem.Na visão <strong>de</strong> Delouya (2002, p.25), “o afeto e os estados <strong>de</strong>pressivos fazem parte dacondição humana e permeiam, também, os quadros clínicos que servem <strong>de</strong> referência para ospsicanalistas”. A expectativa <strong>de</strong> nosso trabalho seria, assim, a <strong>de</strong> formular estas questões <strong>de</strong>maneira mais visíveis e consistentes.1.5 Melancolia e <strong>de</strong>pressão: <strong>de</strong>sdobramentos pós-freudianosA questão da compreensão do problema <strong>de</strong>pressão-<strong>melancolia</strong> não se encerra emFreud. Ela foi herdada pelos psicanalistas <strong>de</strong> uma forma geral, pois <strong>de</strong>ntro da psicanálise nãoexiste um consenso sobre tal discussão. Delouya (2002) afirma que ainda hoje tal distinção sefaz com dificulda<strong>de</strong>. Na mesma linha, Moreira (1992) revela que a bibliografia sobre o tema éfértil em afirmar a falta <strong>de</strong> consenso e a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finições. Em suas palavras:[...] permanece, neste fim <strong>de</strong> século XX, um problema teórico e clínico: <strong>de</strong>finirprecisamente o que são as entida<strong>de</strong>s psicopatológicas <strong>melancolia</strong> e <strong>de</strong>pressão, tantona obra <strong>de</strong> Freud quanto no campo psicanalítico que o suce<strong>de</strong>u (MOREIRA, 2002,p.76).Tal dificulda<strong>de</strong> é facilmente constatada ao eleger o tema da <strong>melancolia</strong> como pesquisa.Mesmo frente à mais exaustiva revisão bibliográfica que abarca o campo <strong>de</strong>pressivomelancólico,ainda permanecemos sem uma resposta <strong>de</strong>finida, a ponto <strong>de</strong> renunciarmos76
prontamente à pretensão <strong>de</strong> oferecer uma solução para esta complexa problemática. Caberia,ainda, nos <strong>de</strong>termos mais um pouco nesta questão, a fim <strong>de</strong> apresentar ao leitor uma idéiamais formal, examinando o que alguns autores pensam a respeito.A <strong>de</strong>finição da <strong>melancolia</strong> como uma neurose narcísica reservou um lugar especificopara este sofrimento psíquico, e <strong>de</strong>stacou o narcisismo como sua questão central – temos aquia expressão do fenômeno <strong>de</strong> menos valia do melancólico, representado pela auto<strong>de</strong>svalorizaçãoe pela falta <strong>de</strong> auto-estima. Também o estudo dos sentimentos <strong>de</strong> culpa,encerrada pelas auto-injúrias e auto-acusações nos melancólicos, <strong>de</strong>stacou por sua vez aambivalência, que ocupa, ao lado do narcisismo, o lugar <strong>de</strong> elementos centrais da <strong>melancolia</strong>.Estes dois aspectos <strong>de</strong>ram origem a duas correntes distintas no pensamento sobre a <strong>de</strong>pressãoe <strong>melancolia</strong>. Tais correntes divi<strong>de</strong>m-se entre aquelas que se baseiam na ênfase <strong>de</strong>stes estadosna ambivalência e aquelas que se apóiam na dimensão narcísica. A primeira, representadaespecialmente por Abraham (1911, 1924), e seguida por Rado (1928), Klein (1935, 1940,1946), Finichel (1946) e Jacobson (1953, 1971), centra sua compreensão da <strong>melancolia</strong>através da evidência dos embates internos da ambivalência – um superego cruel e um egosubjugado – ten<strong>de</strong>ndo a dar um especial relevo ao sentimento <strong>de</strong> culpa. Aqui o que se nota é oembate entre as instâncias e a predominância dos componentes <strong>de</strong>strutivos que não po<strong>de</strong>m serabsorvidos nas relações com os objetos. Esta corrente ten<strong>de</strong> a consi<strong>de</strong>rar o caráter psicótico da<strong>melancolia</strong> (DELOUYA, 2001, p.36).A corrente <strong>de</strong> autores apoiados na dimensão narcísica para o entendimento psíquico da<strong>melancolia</strong> aposta suas fichas nos percalços que rondam o período da constituição do ego, istoé, o nascimento do sujeito do eu, e que acarretam em uma forte sensibilida<strong>de</strong> narcísica e emconseqüentes carências no ego. A <strong>melancolia</strong> aqui é conseqüência <strong>de</strong> frustrações traumáticasou <strong>de</strong>scuidos precoces, e se manifesta por carência narcísica. Temos aqui uma aproximaçãocom a indicação <strong>de</strong> Freud sobre a <strong>melancolia</strong> ser uma neurose narcísica, afastando assim a<strong>melancolia</strong> das psicoses e a colocando no contexto das neuroses. Gero (1936), Sharpe (1944),Bibring (1953) e Bowby (1969) são os principais autores que formam esta corrente(DELOUYA, 2001, p.36).Finichel (2000 [1946]), autor do livro Teoria psicanalítica das neuroses, acredita quea <strong>de</strong>pressão em grau ligeiro ocorre em toda neurose, e que, em grau mais elevado, é <strong>de</strong> todosos sintomas o mais terrível no tormentoso estado psicótico da <strong>melancolia</strong>. Entretanto, concebea perda da auto-estima como a essência dos estados <strong>de</strong>pressivos em conseqüência dossentimentos <strong>de</strong> culpa.77
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PERES, U. T. Melancolia. São Paulo