Talvez encontraremos alguma pista para estas questões no importante livro Inibições,sintomas e ansieda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> 1926 [1925],, no qual Freud introduz a fundamental noção <strong>de</strong><strong>de</strong>samparo. Encontramos a <strong>melancolia</strong> na seguinte passagem: “Temos aqui um ponto a partirdo qual <strong>de</strong>ve ser possível chegar a uma compreensão da condição geral que caracterizaestados <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão, inclusive a mais grave <strong>de</strong> suas formas, a <strong>melancolia</strong>” (FREUD, 1926[1925], p.94, grifos nossos). Esta breve passagem, escrita em 1925, não po<strong>de</strong> ser tomadacomo representativa absoluta da compreensão <strong>de</strong> Freud sobre os termos “<strong>de</strong>pressão” e“<strong>melancolia</strong>”; entretanto, já em 1901, em uma nota <strong>de</strong> rodapé do caso Dora, encontramos amesma colocação que aqui pu<strong>de</strong>mos ler. No “rascunho B”, em 1893, a <strong>de</strong>pressão édiferenciada da <strong>melancolia</strong> por nesta última encontrar-se a presença da anestesia. Já em 1905,Freud <strong>de</strong>fine o afeto <strong>de</strong>pressivo como aquele que se expressa por <strong>de</strong>sgosto, preocupação etristeza. Talvez, e realmente é impossível afirmar com certeza, ele enten<strong>de</strong>sse que o termo“<strong>melancolia</strong>” se referisse a estados <strong>de</strong>pressivos muito mais graves e acentuados, nos quaisacrescentam-se elementos ausentes na <strong>de</strong>pressão. Enquanto a <strong>de</strong>pressão, como estado ouafeto, estaria presente na <strong>melancolia</strong> como parte <strong>de</strong> seus afetos, sintoma ou expressão <strong>de</strong> seuhumor penoso predominante, já que nela encontramos claramente, entre outros elementos, ainibição, o <strong>de</strong>sgosto, a preocupação e a tristeza.Em dois textos <strong>de</strong> 1927 encontramos novamente os estados <strong>de</strong>pressivos nos escritos <strong>de</strong>Freud. São eles “O Humor” (1927) e “Dostoievski e o parricídio” (1928 [1927]). No primeironão encontramos nada mais do que em outros trabalhos e o termo <strong>melancolia</strong> é o único queaparece. No trabalho sobre Dostoievski encontramos a presença dos dois termos – <strong>de</strong>pressão e<strong>melancolia</strong>. Este último é usado para se referir às crises <strong>de</strong> Dostoievski constituídas por temora morte, sonolência e letargia, e que suce<strong>de</strong>ram uma crise que ocorreu ainda quando criança<strong>de</strong>scrita da seguinte maneira: “uma <strong>melancolia</strong> súbita e infundada, uma sensação, como maistar<strong>de</strong> contou a seu amigo Soloviev, <strong>de</strong> que iria morrer ali mesmo” (FREUD, 1928 [1927],p.188). O termo <strong>de</strong>pressão consta só <strong>de</strong> passagem, junto a alguns sintomas queacompanhavam suas crises: “Dostoievski consi<strong>de</strong>rava-se epiléptico e era encarado como talpor outras pessoas, por causa <strong>de</strong> suas graves crises, acompanhadas por perda <strong>de</strong>consciência, convulsões musculares e <strong>de</strong>pressão subseqüente” (FREUD, 1928[1927], p.185).Em 1933, na “Conferência XXXI”, intitulada “A dissecação da personalida<strong>de</strong>psíquica”, encontramos novamente uma nota <strong>de</strong> rodapé do editor na qual ele afirma que a<strong>melancolia</strong> seria provavelmente referida na terminologia mo<strong>de</strong>rna por “<strong>de</strong>pressão”. Nestaconferência fazem-se presentes os termos “<strong>melancolia</strong>” e “surtos melancólicos”, muitopróximos <strong>de</strong> como foram <strong>de</strong>scritos em Luto e <strong>melancolia</strong> (1917[1915]) e em O ego e o id72
(1933, p.66). Moisés e o monoteísmo (1939 [1934-39]) também recebe a visita do termo“<strong>de</strong>pressão”, que figura como humor <strong>de</strong>pressivo dos ju<strong>de</strong>us. Aqui novamente notamos quenossas indicações sobre o uso do termo “<strong>de</strong>pressão” fazem sentido: Freud costumava usar otermo para distinguir um tipo <strong>de</strong> humor específico, àquele penoso estado que conhecemoscomo “<strong>de</strong>pressão”. Para corroborarmos esta idéia, vejamos ainda um último texto. Umdistúrbio na acrópole, escrito em 1936, traz uma ilustração sobre a <strong>de</strong>pressão. Freud haviafeito uma viagem com seu irmão para Trieste e, frente aos obstáculos que se punham dianteda possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> irem até Atenas, ambos ficaram em um “estado <strong>de</strong> espírito muito<strong>de</strong>primido” ou, dito <strong>de</strong> outra maneira algumas linhas adiante: em um estado tão sombrio noqual só se previam obstáculos e dificulda<strong>de</strong>s. Apesar disso, Freud e o irmão acabam indo paraAtenas e conhecem a Acrópole. Entretanto, anos mais tar<strong>de</strong>, seu interesse em <strong>de</strong>svendar omistério daquele estado <strong>de</strong>pressivo que os acometera em Trieste resultou-se vivo na redação<strong>de</strong>ste texto. Sua explicação é muito simples: ante à impossibilida<strong>de</strong> da realização dosacontecimentos, eles se <strong>de</strong>primiram, pois a realização <strong>de</strong>stes parecia impossível – “bom<strong>de</strong>mais para ser verda<strong>de</strong>”. É comum um adoecer pela não realização ou frustração <strong>de</strong> umaexpectativa, <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo ou <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> vital. Em poucas palavras, a <strong>de</strong>pressão emTrieste era uma <strong>de</strong>fesa diante da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sprazerosa <strong>de</strong> suas expectativas não seconcretizarem. Este pequeno texto traz para nós a <strong>de</strong>pressão como um estado que po<strong>de</strong> semanifestar por alguns instantes, como nas poucas horas em Trieste que antece<strong>de</strong>ram oembarque <strong>de</strong> Freud e seu irmão para Atenas, e que se expressa através <strong>de</strong> um ânimo penoso –o estado sombrio e pessimista, que é tão comum nos melancólicos.Ao final <strong>de</strong>ste longo caminho em busca do esclarecimento das obscurida<strong>de</strong>s e dasdúvidas que cercam os termos “<strong>de</strong>pressão” e “<strong>melancolia</strong>”, não po<strong>de</strong>mos afirmar queencontramos uma resposta <strong>de</strong>cisiva. Em busca <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição, encontramos realmente oseu oposto, que permanece agora <strong>de</strong> maneira mais clara e <strong>de</strong>finida: não há em Freud uma<strong>de</strong>finição expressa ou absoluta sobre os problemas que cercam os temas da <strong>de</strong>pressão e da<strong>melancolia</strong>. Levantamos algumas questões norteadoras: Freud entendia <strong>de</strong>pressão e<strong>melancolia</strong> como estados similares, isto é, não fazia diferenciação entre eles? Usava os termoscomo sinônimos? Propôs uma teoria sobre a <strong>de</strong>pressão? Definiu a <strong>melancolia</strong> como umapatologia específica? Entendia esta como uma psicose? Nossa investigação encontroualgumas saídas para respon<strong>de</strong>r a estas questões.Se ele realmente <strong>de</strong>senvolveu uma teoria da <strong>de</strong>pressão, não po<strong>de</strong>mos afirmar comcerteza, mas que construiu uma teoria sobre a <strong>melancolia</strong>, diferenciando-a das psicoses e<strong>de</strong>finindo-a como uma <strong>de</strong>terminada patologia, com características específicas e distintivas,73
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PERES, U. T. Melancolia. São Paulo