confirmando. Abateu-se sobre o paciente obsessivo um estado afetivo doloroso – uma“<strong>de</strong>pressão profunda” (FREUD, 1909, p.243; grifo nosso).Ao se voltar para a compreensão do suicídio em um estudo <strong>de</strong> 1910, Freud afirma quea <strong>melancolia</strong> é uma condição clínica muito familiar, e que seria interessante se <strong>de</strong>ter em umacomparação entre ela e o afeto do luto. Contudo, Freud reconhece: “Os processos afetivos na<strong>melancolia</strong>, entretanto, e as vicissitu<strong>de</strong>s experimentadas pela libido nessa condição nos sãototalmente <strong>de</strong>sconhecidos”. Nesta passagem somente o termo <strong>melancolia</strong> se faz presente, semmaiores esclarecimentos (FREUD, 1910, p.244).Em inúmeros outros trabalhos <strong>de</strong> Freud, dos anos <strong>de</strong> 1910 a 1915, encontramos ostermos “<strong>de</strong>pressão”, “<strong>melancolia</strong>”, “<strong>de</strong>pressão grave”, “<strong>de</strong>pressão melancólica”, “<strong>de</strong>pressãoprofunda”; entretanto, todos aparecem sem teorização específica ou sem qualquer <strong>de</strong>finiçãomais exata sobre o quadro <strong>de</strong>pressivo ou melancólico.Em 1915 chegamos finalmente ao trabalho Luto e <strong>melancolia</strong> (1917 [1915]), no qualhá uma importante teorização sobre a <strong>melancolia</strong>. Segundo as notas introdutórias do editorJames Strachey (1915, p.245), o que Freud chama <strong>de</strong> “<strong>melancolia</strong>” neste estudo equivale aoque agora em geral se <strong>de</strong>screve como estados <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão; entretanto, isto ainda écontroverso. Inicialmente, na introdução, ele distingue dois tipos <strong>de</strong> <strong>melancolia</strong> ─ assomáticas e as psicogênicas:A <strong>melancolia</strong>, cuja <strong>de</strong>finição varia inclusive na psiquiatria <strong>de</strong>scritiva, assumevárias formas clínicas, cujo agrupamento numa única unida<strong>de</strong> não parece ter sidoestabelecida com certeza, sendo que algumas <strong>de</strong>ssas formas sugerem afecções antessomáticas do que psicogênicas (FREUD, 1917[1915], p.249; grifo nosso).Como vemos, ele não explica o que enten<strong>de</strong> por “<strong>melancolia</strong> somática”, mas apontaque o tipo <strong>de</strong> <strong>melancolia</strong> a que irá se referir em seu estudo é aquela do tipo psicogênica. Maso que realmente é digno <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque nesta passagem é a questão apontada sobre a dificulda<strong>de</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>finição da <strong>melancolia</strong> e das varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> formas clínicas encontradas. Tal dificulda<strong>de</strong> éo gatilho que dispara a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste tópico. Naquela época Freud já se <strong>de</strong>parava comeste problema, o que talvez nos explique o motivo <strong>de</strong> não ser possível estabelecer umadistinção precisa em seus trabalhos. Percebemos então que a questão é muito antiga – <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aGrécia antiga, quando já se <strong>de</strong>screvia uma enorme varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>melancolia</strong>s – e até os temposatuais nos <strong>de</strong>paramos com ela, como tem sido apontado insistentemente neste trabalho. MasFreud, em Luto e <strong>melancolia</strong> opta por uma <strong>de</strong>finição: “Nosso material, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>tais impressões acessíveis a todo observador, limita-se a um pequeno número <strong>de</strong> casos <strong>de</strong>natureza psicogênica indiscutível. (FREUD, 1917[1915], p.249).62
Diante <strong>de</strong>sta colocação, po<strong>de</strong>mos especular a que <strong>melancolia</strong> somática Freud se refere:seria aquela <strong>de</strong> origem biológica, que surge <strong>de</strong>vido a um <strong>de</strong>sequilíbrio orgânico e queprovavelmente é atribuída a fatores hereditários? Como se apresenta clinicamente, porém, a<strong>melancolia</strong> psicogênica, à qual ele se <strong>de</strong>dicou a estudar em Luto e <strong>melancolia</strong> e que apareceem outros trabalhos até o ano <strong>de</strong> 1923? Para respon<strong>de</strong>r a esta questão, usaremos as palavras <strong>de</strong>Freud:Os traços mentais distintivos da <strong>melancolia</strong> são um <strong>de</strong>sânimo profundamentepenoso, a cessação <strong>de</strong> interesse pelo mundo externo, a perda da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>amar, a inibição <strong>de</strong> toda e qualquer ativida<strong>de</strong>, e uma diminuição dos sentimentos <strong>de</strong>auto-estima a ponto <strong>de</strong> encontrar expressão em auto-recriminação e autoenvilecimento,culminando numa expectativa <strong>de</strong>lirante <strong>de</strong> punição (FREUD,1917[1915], p.250; grifo nosso).Com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>ste quadro clínico, Freud está <strong>de</strong>limitando o que enten<strong>de</strong> por“<strong>melancolia</strong>”, pelo menos a que ele irá estudar neste texto. A <strong>melancolia</strong> que é precipitada poruma causa i<strong>de</strong>ntificável, isto é, uma perda, e apresenta as características citadas na passagemacima. O termo “<strong>de</strong>pressão” aparece somente duas vezes neste trabalho. A primeira <strong>de</strong>lasocorre na parte em que Freud fala da ambivalência. A partir <strong>de</strong> uma comparação com aneurose obsessiva, ele irá marcar a diferença entre o luto patológico e a <strong>melancolia</strong>. O que selê é o seguinte:Esses estados obsessivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão que se seguem à morte <strong>de</strong> uma pessoaamada revelam-nos o que o conflito <strong>de</strong>vido à ambivalência po<strong>de</strong> alcançar por simesmo quando também não há uma retração regressiva da libido. Na <strong>melancolia</strong>,as ocasiões que dão margem à doença vão, em sua maior parte, além do caso nítido<strong>de</strong> uma perda por morte, incluindo as situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração, <strong>de</strong>sprezo ou<strong>de</strong>sapontamento, que po<strong>de</strong>m trazer para a relação sentimentos opostos <strong>de</strong> amor eódio, ou reforçar uma ambivalência já existente (FREUD, 1917[1915], p.256, grifosnossos).A distinção entre <strong>melancolia</strong> e <strong>de</strong>pressão é neste caso bem marcada, o que, comoestamos po<strong>de</strong>ndo constatar, se vê com freqüência nos escritos <strong>de</strong> Freud, que se refere a umaneurose obsessiva associada a um estado <strong>de</strong>pressivo; não nos esqueçamos <strong>de</strong> que ele reservaaqui o termo “<strong>de</strong>pressão” para <strong>de</strong>screver um estado <strong>de</strong> ânimo penoso <strong>de</strong> tristeza, apatia,preocupação e <strong>de</strong>sgosto. Mas a distinção aqui não se refere a qualquer <strong>de</strong>pressão, mas a umaespecífica: aquela que se segue à perda <strong>de</strong> uma pessoa querida e que, <strong>de</strong>vido ao conflitogerado pela ambivalência, se expressa como um luto patológico. Freud afirma também quenestes casos existe uma disposição para a neurose obsessiva, e que é esta disposição, somadaà ambivalência, que empresta um cunho patológico ao luto no qual a pessoa, por sentir que<strong>de</strong>sejou a morte da pessoa querida, sente-se culpada. Os aspectos distintivos entre este tipo <strong>de</strong><strong>de</strong>pressão e a <strong>melancolia</strong> psicogênica são basicamente dois, já que em ambos encontramos63
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PERES, U. T. Melancolia. São Paulo