construir uma teoria sobre estes estados. Os termos “<strong>de</strong>pressão” e “<strong>melancolia</strong>” têmparticipação meramente coadjuvante <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> quadros clínicos, como a neurose obsessiva oua histeria – eles acompanham a <strong>de</strong>scrição diagnóstica que Freud faz <strong>de</strong> seus casos clínicos.Iremos examinar <strong>de</strong>talhadamente esta questão.Nos Estudos sobre a histeria, <strong>de</strong> 1893, encontramos: “Os sintomas psíquicos em nossoatual caso <strong>de</strong> histeria, em que havia muito pouca conversão, po<strong>de</strong>m ser divididos emalterações do humor (angústia, <strong>de</strong>pressão melancólica), fobias e abulias (inibições davonta<strong>de</strong>)”. Trata-se do caso <strong>de</strong> histeria da Sra. Emmy Von N., no qual a palavra “<strong>melancolia</strong>”aparece associada ao termo “<strong>de</strong>pressão” e classificada como alterações <strong>de</strong> humor. Neste casoFreud refere-se várias vezes à <strong>de</strong>pressão da paciente; porém, não tenta nenhum tipo <strong>de</strong>teorização específica sobre tal estado. Aqui seu interesse é pela histeria, e este estudo se voltapara esta neurose (FREUD, 1893, p.116). Nos textos <strong>de</strong>sta época é comum o fato <strong>de</strong> asalterações <strong>de</strong> humor – referidas como “<strong>de</strong>pressão” – serem creditadas como ação indireta <strong>de</strong>outras neuroses. Em 1892, no Caso <strong>de</strong> cura pelo hipnotismo, po<strong>de</strong>mos ler a seguintepassagem:Tendo começado a vida com uma boa constituição, o paciente se <strong>de</strong>fronta, napuberda<strong>de</strong>, com as dificulda<strong>de</strong>s sexuais próprias da ida<strong>de</strong>; seguem-se anos <strong>de</strong>sobrecarga <strong>de</strong> trabalho, como estudante; ele se prepara para exames e sofre umataque <strong>de</strong> gonorréia, seguido <strong>de</strong> um súbito início <strong>de</strong> dispepsia, acompanhada <strong>de</strong>uma constipação rebel<strong>de</strong> e inexplicável. Depois <strong>de</strong> alguns meses, a constipação ésubstituída por sensação <strong>de</strong> pressão intracraniana, <strong>de</strong>pressão e incapacida<strong>de</strong> para otrabalho. Daí em diante o paciente torna-se cada vez mais ensimesmado e seucaráter vai ficando sempre mais fechado, até ele se tornar um tormento para afamília. Não tenho certeza se não é possível adquirir essa forma <strong>de</strong> neurastenia comtodos os seus elementos; [...] De outro lado, quando há uma neurose presente — enão me estou referindo explicitamente apenas à histeria, mas ao status nervosus emgeral —, temos <strong>de</strong> supor a presença primária <strong>de</strong> uma tendência à <strong>de</strong>pressão e àdiminuição da autoconfiança, tal como as encontramos muito <strong>de</strong>senvolvidas eindividualizadas na <strong>melancolia</strong> (FREUD, 1892-3, p.160; grifos nossos).O foco <strong>de</strong>ste estudo é um caso <strong>de</strong> histeria <strong>de</strong> uma mulher; no entanto, na passagemcitada, Freud se refere ao irmão <strong>de</strong> sua paciente. A <strong>de</strong>pressão aparece aqui apenas como umdos sintomas do quadro clínico. Há nesta passagem uma sutil diferenciação entre a <strong>melancolia</strong>e a <strong>de</strong>pressão: parece que na primeira a diminuição da autoconfiança é bem mais intensa.Quando fala <strong>de</strong> uma “presença primária <strong>de</strong> uma tendência à <strong>de</strong>pressão e à diminuição daautoconfiança, tal como as encontramos muito <strong>de</strong>senvolvidas e individualizadas na<strong>melancolia</strong>”, ele aponta a diminuição <strong>de</strong> autoconfiança e a <strong>de</strong>pressão como fazendo parte <strong>de</strong>um quadro mais grave chamado “<strong>melancolia</strong>”, no qual estes estados estão mais acentuados esão os principais sintomas da doença. A <strong>de</strong>pressão, e isto a citação <strong>de</strong>ixa claro, po<strong>de</strong>acompanhar toda neurose, como alterações <strong>de</strong> humor e <strong>de</strong> autoconfiança.54
No seu artigo <strong>de</strong> 1888, <strong>de</strong>nominado “Histeria”, Freud usa o termo “<strong>melancolia</strong>” comoum tipo <strong>de</strong> humor saturnal, e “<strong>de</strong>pressão” nos parece ser <strong>de</strong>finido como um quadro associadoà histeria:Os estados mórbidos causados por trauma geral grave (aci<strong>de</strong>ntes ferroviários etc.),conhecidos como “railway spine” e “railway brain”, são consi<strong>de</strong>rados histeria porCharcot, com o que concordam os autores americanos, com inquestionável autorida<strong>de</strong>nesse assunto. Esses estados freqüentemente possuem a mais sombria e graveaparência; apresentam-se combinados com <strong>de</strong>pressão e humor melancólico emostram, seja <strong>de</strong> que maneira for, em numerosos casos, uma combinação <strong>de</strong> sintomashistéricos com sintomas neurastênicos e orgânicos (FREUD, 1895, p.88, grifosnossos).Aqui vemos, como no caso anterior, que o humor melancólico e a <strong>de</strong>pressão estãodiferenciados: o primeiro está ligado ao humor, enquanto a segunda provavelmente <strong>de</strong>va sereferir a inibições. Ainda nos estudos sobre a histeria, encontramos referência à <strong>melancolia</strong>vinculada à neurose <strong>de</strong> angústia e a <strong>de</strong>pressão como sintoma (PERES, 1996, p.35).Os dois estados são também muito citados nos rascunhos enviados a Fliess. Nesteperíodo <strong>de</strong> solidão científica que se seguiu ao rompimento com Breuer, Freud fez do amigootorrinolaringologista seu principal interlocutor. Os termos não são aí cristalizados, sendousados <strong>de</strong> acordo com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Freud e principalmente <strong>de</strong> acordo com seus achados econclusões clínicas. Observa-se uma oscilação na maneira <strong>de</strong> ele se referir a tais termos,po<strong>de</strong>ndo-se encontrá-los ora como sinônimos, ora rigorosamente <strong>de</strong>finidos como estadosdiferentes. No “rascunho A”, Freud (1892, p.222) escreve: “A <strong>de</strong>pressão periódica é umaforma <strong>de</strong> neurose <strong>de</strong> angústia, que, fora <strong>de</strong>sta, manifesta-se em fobias e ataques <strong>de</strong> angústia”.Neste texto, o autor não nos oferece mais <strong>de</strong>talhes, mas notamos uma aproximação entre aexpressão “<strong>de</strong>pressão periódica” e “neurose <strong>de</strong> angústia” ─ que hoje é conhecida como“síndrome do pânico” (PERES, 1996, p.29).Ainda nesta mesma direção, temos o “rascunho B”, no qual encontramos novamente a“<strong>de</strong>pressão periódica”:Devo examinar a <strong>de</strong>pressão periódica, um ataque <strong>de</strong> angústia com duração <strong>de</strong>semanas ou meses, como uma terceira forma <strong>de</strong> neurose <strong>de</strong> angústia. Essa forma <strong>de</strong><strong>de</strong>pressão, em contraste com a <strong>melancolia</strong> propriamente dita, quase sempre temuma conexão aparentemente racional com um trauma psíquico. Este, no entanto, éapenas a causa precipitante. A<strong>de</strong>mais, essa <strong>de</strong>pressão periódica não éacompanhada por anestesia [sexual] psíquica, que é característica da <strong>melancolia</strong>(FREUD, 1893, p.228; grifos nossos).Aqui a <strong>melancolia</strong> é claramente distinguida da <strong>de</strong>pressão, já que é i<strong>de</strong>ntificada pelapresença da anestesia, e a <strong>de</strong>pressão periódica branda 5 é relacionada a um trauma psíquico e5 Segundo Peres (1996, p. 28), esta é a terminologia correta.55
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