não consiste em exorcizá-la, já que enten<strong>de</strong> que a experiência <strong>de</strong>pressiva, embora dolorosa, épreciosa para o enriquecimento simbólico do sujeito. A psicanálise nos mostra que o<strong>de</strong>senvolvimento psíquico, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, se dá através da elaboração das perdas.1.4 Melancolia e <strong>de</strong>pressão na teoria <strong>freudiana</strong>A história nos mostrou que “<strong>melancolia</strong>” sempre foi um termo usado <strong>de</strong> formagenérica e abrangente. Mostrou também ser comum um estado em que se alternava umaprofunda apatia e <strong>de</strong>sânimo com estados <strong>de</strong> euforia e exaltação, acompanhados <strong>de</strong> alucinação.Nos séculos XVIII e XIX, com o interesse em classificações rigorosas por parte dospsiquiatras, este tipo <strong>de</strong> loucura ficou conhecido como “loucura circular” e, posteriormente,como “insanida<strong>de</strong> maníaco-<strong>de</strong>pressiva”. De alguma maneira, estados <strong>de</strong> <strong>de</strong>lírio ficaramassociados a estes conhecidos estados afetivos <strong>de</strong> inibição e euforia, e para eles Kraepelincriou a expressão “psicose maníaco-<strong>de</strong>pressiva”. O termo “<strong>melancolia</strong>” foi sendoabandonado; entretanto, uma certa herança histórica-cultural o acompanhou em seu processo<strong>de</strong> substituição, aproximando-o <strong>de</strong>finitivamente da classe das psicoses.Portanto, na psicanálise, “psicose” e “<strong>melancolia</strong>” ficaram intimamente relacionadas,enquanto que, para o termo “<strong>de</strong>pressão”, foi-se constituindo uma conceituação em torno <strong>de</strong>um distúrbio afetivo. Veremos que no âmbito dos textos psicanalíticos o problema secomplica muito, pois nem sempre foi preocupação para Freud uma terminologia muito rígidapara as psicopatologias. Seu interesse estava mais voltado para a etiologia psicogênica epsicodinâmica das perturbações mentais do que para a pura <strong>de</strong>scrição e classificação dosquadros clínicos. É sobre a questão dos termos “<strong>de</strong>pressão” e “<strong>melancolia</strong>” nos textosfreudianos que nos <strong>de</strong>teremos agora, examinando ainda, mesmo que brevemente, os seuspara<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Freud.Como já foi apontado anteriormente, em um estudo sobre a “<strong>melancolia</strong>” existe umadificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consenso e <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição precisa da diferença entre este e o termo “<strong>de</strong>pressão”.Não se trata simplesmente <strong>de</strong> uma imprecisão terminológica, mas <strong>de</strong> um problema maisamplo que se refere à divergência <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>stes quadros clínicos. Em outras palavras:não existe <strong>de</strong> fato um consenso sobre o que é a <strong>melancolia</strong> e o que é a <strong>de</strong>pressão. Algunsautores acreditam <strong>de</strong> fato que se trata dos mesmos distúrbios, já outros marcam enfaticamenteas diferenças entre elas, apontando que não po<strong>de</strong>m nem <strong>de</strong> longe ser agrupadas. Há ainda52
aqueles que dizem que, embora sejam diferentes, estes estados po<strong>de</strong>m ser chamados <strong>de</strong>maneira mais geral <strong>de</strong> “estados <strong>de</strong>pressivos”. De acordo com Laplanche (1987, p.293),Esse campo geral da <strong>de</strong>pressão gera problemas sobre os quais até hoje não sechegou a um consenso: unida<strong>de</strong> ou heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse domínio <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suasformas <strong>de</strong> aspecto normal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as <strong>de</strong>pressões “justificadas”, passando pelas<strong>de</strong>pressões neuróticas, até a <strong>melancolia</strong>, que se concorda, em geral, em <strong>de</strong>signar porpsicose.O problema em Freud não é diferente. Não é tarefa fácil compreen<strong>de</strong>r tal questão nateoria <strong>freudiana</strong>, já que ele nunca se posicionou claramente sobre o assunto. A análise <strong>de</strong> seusescritos permite várias leituras e interpretações diferentes. Este tópico visa investigar nopensamento <strong>freudiana</strong> sua compreensão sobre a <strong>de</strong>pressão e a <strong>melancolia</strong>, mas focando aquestão terminológica e sintomática.Freud escreveu sobre a <strong>melancolia</strong> ainda no final do século <strong>de</strong>zenove. Nos estudossobre a histeria, nas primeiras publicações psicanalíticas e nos extratos <strong>de</strong> cartas enviadas aFliess, encontramos a presença do termo “<strong>melancolia</strong>” e do termo “<strong>de</strong>pressão” em diversossentidos. A <strong>melancolia</strong> <strong>de</strong>spertava a atenção <strong>de</strong> Freud porque ele mesmo estava sendo vítima<strong>de</strong>sse mal. Ele escrevia a seu amigo Fliess, queixando-se <strong>de</strong> estar <strong>de</strong>primido, <strong>de</strong>sanimado eabatido. De fato ele enfrentava um período crítico, pois, após o rompimento com Breuer, viusesozinho com suas idéias e teorias, ainda embrionárias e extremamente revolucionárias. Eraum tempo em que enfrentava altos e baixos: ora pensava estar no caminho certo, ora se viacompletamente equivocado diante <strong>de</strong> seus achados. O investimento <strong>de</strong>sta época, a década <strong>de</strong>90, era no <strong>de</strong>svendamento da histeria e ele tentava a todo custo comprovar sua teoria dasedução. Ao se <strong>de</strong>parar com a inconsistência da mesma e com a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mantê-la,viu-se realmente abatido e <strong>de</strong>sestimulado. Mas não por muito tempo. Ao efetuar sua autoanálise,Freud se vê livre da <strong>de</strong>pressão e <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> se interessar por ela. Retoma as ré<strong>de</strong>as <strong>de</strong>suas idéias, abandona a teoria da sedução e vislumbra novos caminhos – nasce finalmente apsicanálise, baseada na <strong>de</strong>scoberta da realida<strong>de</strong> psíquica e das fantasias inconscientes(DELOUYA, 2001; GAY, 1989).Nos trabalhos <strong>de</strong>sta década, o termo “<strong>melancolia</strong>” e o termo “<strong>de</strong>pressão”, ou os seuscorrelatos, aparecem como coadjuvantes, isto é, como sintomas que acompanham os quadrosclínicos estudados. Aparecem também raríssimas vezes como foco <strong>de</strong> estudo, como é o casodo “rascunho G”, no qual a <strong>melancolia</strong> toma a cena principal. Encontramos ainda uma<strong>de</strong>finição para tais estados como um tipo <strong>de</strong> neurose <strong>de</strong> angústia, e finalmente sendorelacionados a outras patologias como a neurose obsessiva e a histeria, por exemplo. Ostermos aparecem muitas vezes, mas Freud nunca os <strong>de</strong>fine precisamente, ou não preten<strong>de</strong>53
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