correlato <strong>de</strong> uma condição inerente da existência humana, permeada por perdas, frustrações, anão satisfação imediata e irrestrita das pulsões, enfim, elementos causadores <strong>de</strong> sofrimentopsíquico em função da não existência do paraíso. A perda inci<strong>de</strong> sobre o psiquismo como algoda or<strong>de</strong>m da <strong>de</strong>cepção, obrigando o sujeito a se confrontar dolorosamente “com suaimpossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controlar e dominar o curso dos acontecimentos da existência”(BIRMAN, 2006, p.399). A condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo do ser humano frente aos perigos daexistência é, assim, tomada como representante dos afetos <strong>de</strong>pressivos. As eventualida<strong>de</strong>s –marca trágica da existência revelada no registro da perda – impõem ao sujeito uma dorpsíquica pela ferida que elas provocam, “na medida em que a perda inci<strong>de</strong> sempre sobre aeconomia do narcisismo” (BIRMAN, 2006, p.399).Dentro <strong>de</strong>ste panorama metapsicológico, finalmente é possível formular uma questãoesclarecedora: se a <strong>melancolia</strong> esteve presente em toda a história da humanida<strong>de</strong>,representando insistentemente, através das vivências <strong>de</strong> “perda”, os limites do ser humanofrente ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> controlar o curso das eventualida<strong>de</strong>s inerentes à existência, ela tambémpo<strong>de</strong>ria se apresentar na vida <strong>de</strong> cada indivíduo frente às mesmas condições <strong>de</strong> se perceberlimitado e <strong>de</strong>samparado. Scliar (2003) relaciona o renascimento melancólico do homem apósa Ida<strong>de</strong> Média à <strong>de</strong>vastação provocada pela peste negra, trazendo à Europa do século XIVuma incessante preocupação com a morte. E este tema foi abordado incansavelmente pela arterenascentista. No Renascimento, início da era mo<strong>de</strong>rna, a <strong>melancolia</strong> era um estado para oqual os interesses estavam voltados – vi<strong>de</strong> Anatomia da <strong>melancolia</strong>, <strong>de</strong> Robert Burton,publicação da época –, que, segundo po<strong>de</strong>mos especular, se relaciona àquela situação <strong>de</strong>perda traumática que se impôs à civilização européia, tanto pelas perdas ocasionadas pelapeste negra <strong>de</strong> forma concreta, quanto pela perda dos i<strong>de</strong>ais absolutos da religião. O progressodo conhecimento científico, intelectual e das artes, as dissecações dos anatomopatologistas eseu conhecimento sobre o corpo, as gran<strong>de</strong>s explorações rumo ao novo mundo, ao lado dasguerras e das pestes, tomavam o lugar do i<strong>de</strong>ário <strong>de</strong> salvação que imperara e confortara ohomem durante a Ida<strong>de</strong> Média. Tratava-se <strong>de</strong> uma época <strong>de</strong> mudanças, um período <strong>de</strong> perdas.Época <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo diante do novo, e <strong>de</strong> impotência diante das tragédias. Assim, a<strong>melancolia</strong> foi o clima emocional que dominou parte do Renascimento. Isto <strong>de</strong> forma análogaàs muitas fases do <strong>de</strong>senvolvimento do indivíduo, as quais são permeadas por transformaçõese perdas – por lutos e muitas vezes por <strong>de</strong>pressão.Estamos traçando um paralelo entre a história da civilização e a do indivíduo, métodoproposto por Freud (1930) em o Mal-estar na civilização, almejando com isto estabeleceruma relação entre a visão psicanalítica da <strong>de</strong>pressão e nossa apresentação da história da50
<strong>melancolia</strong>. De maneira que esta última viria subsidiar a noção <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>pressão, aquientendida como sinônimo <strong>de</strong> <strong>melancolia</strong>, não seria um <strong>de</strong>svio, uma doença que <strong>de</strong>veria sererradicada da humanida<strong>de</strong> através <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosas pílulas, como se faria a um vírus nocivo.Seria, ao contrário, uma condição <strong>de</strong> recolhimento do psiquismo em que se elabora a dorpsíquica, com maior ou menor dificulda<strong>de</strong> e inibição. A <strong>de</strong>pressão, como representante doselementos psíquicos relacionados às ansieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> perda, po<strong>de</strong>ria existir potencialmente emtodo ser humano. O luto, paradigma imortal da <strong>de</strong>pressão e condição arraigada a toda vidahumana, po<strong>de</strong>ria ser uma maneira <strong>de</strong> sustentar esta afirmação. Pois é no luto que todo serhumano vivencia uma perda ou separação, e, até mesmo, uma vivência <strong>de</strong> frustração. Assim,com base nos registros históricos da <strong>melancolia</strong>, encontramos fundamentos para relacionar avisão psicanalítica da <strong>de</strong>pressão no indivíduo com a história da humanida<strong>de</strong>.Ao situar a <strong>melancolia</strong> nestes termos, a psicanálise não almeja cruzar os braços diantedo sofrimento psíquico. Birman (2006), baseando-se em Freud, concebe a experiência daperda como um acontecimento traumático, que se <strong>de</strong>senrola em três momentos. O primeiroseria o violento impacto psíquico da perda <strong>de</strong> um objeto que é crucial para a existência dosujeito – um objeto i<strong>de</strong>alizado narcisicamente. Esta perda sempre provocaria dor e sofrimentopsíquico. O segundo momento seria aquele em que, no campo do imaginário o sujeito seconfrontaria com o acontecimento da perda. Neste momento, o sujeito po<strong>de</strong> tanto aceitarquanto recusar a perda, porém nunca <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> sofrê-la. A culpa seria sua marca principal, jáque o sujeito estaria interessado em avaliar sua responsabilida<strong>de</strong> face a causa da perda. Oterceiro momento seria o da resolução do impasse psíquico causado pela perda, o queresultaria da simbolização <strong>de</strong>sta. Neste entremeio temos duas saídas. Uma <strong>de</strong>las seria a<strong>melancolia</strong>, significando uma dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se elaborar a perda – uma estagnação no segundomomento. A outra seria a elaboração da perda através <strong>de</strong> sua simbolização. “Enfim, com a<strong>melancolia</strong> e o luto patológico, o sujeito se empobrece simbólicamente, pois não po<strong>de</strong>transformar a perda real em invenção simbólica” (BIRMAN, 2006, p.402).Como vimos, com a intervenção medicamentosa, a psiquiatria se interessa eminterromper este processo, erradicando o sofrimento <strong>de</strong>pressivo, sem possibilitar ao sujeito oencontro do caminho da simbolização. Com isto o sujeito permanece numa posiçãoempobrecida, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma pilularia protéica.Do contrário, a psicanálise, diante da <strong>de</strong>pressão, se interessa em contribuir para que osujeito encontre caminhos na tarefa <strong>de</strong> elaborar o luto estagnado e, com isso, permitir a eleatingir o nível simbólico. Assim, por conceber a <strong>de</strong>pressão como uma expressão afetivainerente à existência humana, como pu<strong>de</strong>mos perceber na história da <strong>melancolia</strong>, seu objetivo51
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