humanos. Tal estado, chamado vagamente <strong>de</strong> “<strong>melancolia</strong>”, aparece expressivamente emtodas as épocas da história oci<strong>de</strong>ntal. Os textos literários da Grécia antiga mostram como estesestados eram entendidos das mais diferentes formas. Em Homero, eram fruto da interferênciadivina; para Eurípe<strong>de</strong>s, causa do conflito entre as paixões humanas. Para Hipócrates, por suavez, a <strong>melancolia</strong> era um estado <strong>de</strong> doença, enquanto que, para Aristóteles, um estado <strong>de</strong>exceção, <strong>de</strong> genialida<strong>de</strong>. Na antiga Grécia, portanto, a <strong>melancolia</strong> era vivenciada ecompreendida <strong>de</strong> diversas formas.Como vimos, escárnios divinos e o não cumprimento das vonta<strong>de</strong>s supremas podiamtornar o homem sofredor e melancólico. Conflitos entre as paixões e as limitações dassatisfações <strong>de</strong>stas na vida social também po<strong>de</strong>riam trazer pa<strong>de</strong>cimento dos humores. Sefluidos <strong>de</strong> bile negra se acumulassem no baço, po<strong>de</strong>riam dar origem a um estado duradouro <strong>de</strong>tristeza e apatia. Mesmo na Ida<strong>de</strong> Média, ela se fazia muito presente, sendo alvo <strong>de</strong> reflexãoem longos textos que pretendiam relacioná-la a ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>moníacas. Por outro lado, noromantismo, a <strong>melancolia</strong> po<strong>de</strong>ria ser uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enxergar as coisas maisclaramente e <strong>de</strong> forma mais verda<strong>de</strong>ira, e seu portador era tido como genial.Se observarmos cuidadosamente, porém, em alguns períodos a <strong>melancolia</strong> eraentendida como doença, como <strong>de</strong>svio da norma, como um estado impróprio. Em outrosperíodos o mesmo estado melancólico era revelador <strong>de</strong> um aspecto da natureza humana. Estarmelancólico é estar mais perto da verda<strong>de</strong>ira condição humana, diziam os filósofos doromantismo. Isto <strong>de</strong>nota que a <strong>melancolia</strong>, embora sempre se apresentando <strong>de</strong> maneiranebulosa, mostra algo consistente sobre a expressão dos afetos humanos e sua condição <strong>de</strong>existência. Explicaremos esta afirmação mais adiante.Os mais <strong>de</strong> dois milênios <strong>de</strong> interesse do homem pela compreensão da <strong>melancolia</strong>, e aspilhas <strong>de</strong> registros sobre o tema, mostram <strong>de</strong> forma consistente a importância <strong>de</strong>ste estadopsíquico na existência humana. Ora a <strong>melancolia</strong> fascinava e <strong>de</strong>spertava curiosida<strong>de</strong>, ora erain<strong>de</strong>sejada e exorcizada. Em todos os casos, são certos acontecimentos, internos ou externos,que <strong>de</strong>sestabilizam o ser humano e geram estados <strong>de</strong> sofrimento chamados <strong>de</strong> “<strong>melancolia</strong>”.Em toda esta história, perdas, frustrações, injúrias amorosas, enfim, situações traumáticas,eram associadas a sua causa. Na tragédia <strong>de</strong> Eurípe<strong>de</strong>s, a não realização <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al causavaconflitos, e era responsável pela <strong>melancolia</strong>. Areteu, por sua vez, associava a <strong>melancolia</strong> auma carência afetiva e à não satisfação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos, isto é, a frustrações. Um i<strong>de</strong>al amorosoimpossível <strong>de</strong> ser realizado e uma paixão não correspondida, segundo Constantinos, tornavamo homem melancólico. Para Ficinus a <strong>melancolia</strong> era uma característica da alma, representadaem todo homem como uma condição imposta pelo anseio do gran<strong>de</strong>, belo e eterno, um anseio48
que nunca seria satisfeito. O homem, em contato com sua <strong>melancolia</strong>, teria constantementeconsciência das limitações da vida humana. A <strong>melancolia</strong> é aqui mais uma vez atribuída àperda, a uma impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al paradisíaco, celestial e divino. Burton,o maior compilador <strong>de</strong> estudos sobre a <strong>melancolia</strong> até o renascimento, entendia que assituações que giravam em torno <strong>de</strong> perdas e <strong>de</strong>cepções, como injúria, <strong>de</strong>sgraça, ou seja,frustrações diversas, eram tidas como suas causas. Vimos, assim, que a <strong>melancolia</strong> estavapresente no cotidiano da história da humanida<strong>de</strong>, associada a perdas e frustrações. Vimostambém que, tanto <strong>de</strong> uma forma quanto <strong>de</strong> outra, muito se pensou e se escreveu sobre a<strong>melancolia</strong>. Enfim, qual será o sentido <strong>de</strong>sta aparição recorrente e enigmática da <strong>melancolia</strong>?Como explicar a sua presença insistente na história da humanida<strong>de</strong>?É neste ponto que a psicanálise nos oferece um esclarecimento para esta questãonebulosa. Se a <strong>melancolia</strong> acompanhou toda a história do homem até a atualida<strong>de</strong>, não seriaincorreto aproximá-la da existência humana, como expressão <strong>de</strong> algum elemento inerente asua condição. E qual seria este elemento?Foi Freud que <strong>de</strong>u visibilida<strong>de</strong> a algo já antigo, à relação entre perda e <strong>melancolia</strong>. Assituações <strong>de</strong> perda foram entendidas em seu sentido mais amplo, como <strong>de</strong>cepções efrustrações das mais diversas, tanto reais como i<strong>de</strong>ais. Há aqui, portanto, um encontro entre avisão histórica e a psicanalítica que se materializa no registro da perda. A psicanálise enten<strong>de</strong>que o homem po<strong>de</strong> ser portador <strong>de</strong> um núcleo <strong>de</strong>pressivo. Para citar rapidamente, temos comoexemplo a teoria kleiniana e suas postulações sobre a existência <strong>de</strong> uma posição <strong>de</strong>pressiva no<strong>de</strong>senvolvimento infantil normal. Segundo Klein (1940), na tenra infância o bebê já se <strong>de</strong>paracom frustrações e perdas próprias da vida humana. Novas perdas ao longo da vida doindivíduo serão sempre vividas com base na maneira como estas situações da infância foramelaboradas. Um estado <strong>de</strong> pesar ou um estado melancólico são alguns espaços em que asperdas serão ou não elaboradas. De forma geral, no entanto, as diferentes visões <strong>de</strong>ntro dapsicanálise compreen<strong>de</strong>m a <strong>de</strong>pressão como algo relacionado a uma dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaborarum luto.Dificulda<strong>de</strong>s advindas da situação <strong>de</strong> se perceber separado dos objetos, <strong>de</strong> se percebermuito distante <strong>de</strong> seus i<strong>de</strong>ais, ou da incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os realizar. Sentir ódio dos objetosqueridos também provoca sentimentos <strong>de</strong> culpa, e, para alguns, por diversos motivos,<strong>de</strong>pressão. A culpa se inscreve na cena da perda na medida em que leva o sujeito a se indagarsobre sua responsabilida<strong>de</strong> nesta cena. A “perda” <strong>de</strong> uma condição fantasiada <strong>de</strong> proteção eamor absoluto joga o ser humano em uma condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo, que <strong>de</strong>ve ser elaboradasimbolicamente como perda da proteção do útero materno. Um luto primordial seria o49
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