1.3 Um olhar psicanalítico sobre a história da <strong>melancolia</strong>A outra corrente, no que se refere ao estudo da <strong>de</strong>pressão-<strong>melancolia</strong>, é a psicanalítica,representada inicialmente por Freud (1917 [1915]), com ênfase no conflito psicológico, nosfatores relacionados à dinâmica do psiquismo, sempre situada no campo das questõespsicogênicas (PERES, 2003). Freud situou os estados <strong>de</strong> <strong>melancolia</strong> e <strong>de</strong>pressão no registroda perda, preocupando-se em compreen<strong>de</strong>r a maneira como cada indivíduo po<strong>de</strong> reagirpsiquicamente a ela. O luto foi <strong>de</strong>finido como o espaço paradigmático por excelência davivência e da elaboração <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> perda e <strong>de</strong> frustração. Levando em conta a realida<strong>de</strong>psíquica, a psicanálise se volta para a compreensão dos significados subjetivos conferidospelo sujeito às situações <strong>de</strong> perdas difíceis <strong>de</strong> serem elaboradas. Assim, em muitos casos épossível que o sujeito necessite <strong>de</strong> um recolhimento psíquico para a elaboração <strong>de</strong> umafrustração. Muitas vezes, é neste espaço que se manifestam os afetos <strong>de</strong>pressivos, que po<strong>de</strong>mser compreendidos como necessários. A dificulda<strong>de</strong> em elaborar perdas e vivenciar um lutoestá basicamente ligada à <strong>melancolia</strong> e à <strong>de</strong>pressão. Esta, como veremos, será a maior e maisradical contribuição <strong>de</strong> Freud. Outros psicanalistas também se preocuparam em estudar ecompreen<strong>de</strong>r os estados <strong>de</strong>pressivos. Dentre muitos estudiosos da <strong>de</strong>pressão, não po<strong>de</strong>mos<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> mencionar Abraham (1911, 1924), Rado (1928), Géro (1936), Klein (1935, 1940,1946), Sharpe (1944), Finichel (1946), Jacobson (1953, 1971), Bibring (1953) e Bowby(1969), Winnicott (1963, 1954) e Bleichmar (1983).Ao nos voltarmos para os registros históricos sobre a <strong>melancolia</strong>, realizamos umestudo sobre a “história da psicopatologia” através da “história da <strong>melancolia</strong>”. Afinal,“<strong>melancolia</strong>” po<strong>de</strong>ria ser o nome <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> loucura, pois não havia no passado,como há atualmente, uma compreensão refinada das diversas formas <strong>de</strong> loucura. Em todas asantigas concepções, as formas <strong>de</strong> loucura apareciam sob duas formas básicas: a ansiosa,agitada e furiosa, e, em oposição a esta, a triste e medrosa. Assim, tínhamos até então aloucura caracterizada pelo furor insano e a loucura triste. Nos textos do século V a.C., estasduas formas ganham respectivamente os nomes “mania” e “<strong>melancolia</strong>”, sendo a primeira,enquanto termo, ainda mais antiga que a segunda, pois já era usada nos textos da Odisséia <strong>de</strong>Homero para se referir à tal loucura furiosa. Convém observar também que, até o séculoXVII d.C., os nomes dados aos estados <strong>de</strong> loucura giram predominantemente em torno dostermos “<strong>melancolia</strong>” e “mania”, como dois gran<strong>de</strong>s gêneros: “Note-se que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o CorpusHippocraticum, os termos mania e <strong>melancolia</strong>, com pouquíssimas subdivisões, foram46
suficientes para <strong>de</strong>screver toda gama <strong>de</strong> distúrbios mentais não febris” (PESSOTTI, 1994, p.78; PESSOTTI, 1999, p.17). É fundamental este tipo <strong>de</strong> observação e compreensão, poisrevela que nosso objeto <strong>de</strong> estudo – a <strong>melancolia</strong> – serviu <strong>de</strong> nome para as loucuras durantemais <strong>de</strong> dois milênios, abrangendo uma ampla gama <strong>de</strong> manifestações. Este fato revela umahistória <strong>de</strong> imprecisão – ou <strong>de</strong> generalização – que acompanha o termo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua origem. Estefato po<strong>de</strong>ria explicar por que ainda hoje temos dificulda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>finir os estados melancólicose <strong>de</strong>pressivos, como também em alcançar um significado preciso dos termos.De tão abrangente, usual, antigo e conhecido, o termo “<strong>melancolia</strong>” foi substituído por“<strong>de</strong>pressão”, que por sua vez, também caiu no gosto popular. “Depressão” se tornou, nomundo contemporâneo, um termo abrangente, com usos variados na cultura popular, nostextos literários e poéticos, na filosofia, na psiquiatria, na psicologia etc. Assim, é comum ouso latu-senso do termo “<strong>de</strong>pressão” no cotidiano popular, sem a preocupação com o seusignificado psiquiátrico ou psicanalítico. Talvez o uso do termo “<strong>de</strong>pressão” atualmente tenha,como nos séculos passados em que se empregava “<strong>melancolia</strong>” corriqueiramente, sidoapropriado <strong>de</strong> tal maneira que dizer-se <strong>de</strong>primido virou quase sinônimo <strong>de</strong> tristeza e <strong>de</strong>abatimento diante das dificulda<strong>de</strong>s.Já nos manuais <strong>de</strong> psiquiatria CID-10/DSM IV, a <strong>de</strong>pressão consta como uma gran<strong>de</strong>classe, com mais <strong>de</strong> vinte e cinco subtipos. Quanto à <strong>melancolia</strong>, restou-lhe somente umarestrita classe como um subtipo específico <strong>de</strong>ntro dos manuais psiquiátricos, uma forma grave<strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão maior. Depois <strong>de</strong> quase três milênios, ela foi encurralada e restringida, e quase<strong>de</strong>sapareceu dos textos científicos.Na psicanálise, ela permaneceu na classe <strong>de</strong> psicoses, como nos séculos XIX e XX,em que era aproximada à psicose maníaco-<strong>de</strong>pressiva. Já a “<strong>de</strong>pressão” recebeu um uso maisgeral, mais livre, para se referir a um estado afetivo <strong>de</strong> inibição, sem a preocupação <strong>de</strong>diagnóstico específico ou classificação.E ainda hoje, como que fruto <strong>de</strong> uma herança, encontramos uma gran<strong>de</strong> confusão emtorno do termo “<strong>melancolia</strong>”, mesmo que façamos um uso mais restrito e um pouco mais<strong>de</strong>finido no âmbito do conhecimento científico. Porém, o que constatamos na tentativa <strong>de</strong>buscar uma <strong>de</strong>finição científica para estes estados, é que também há imprecisão e divergência.Frente a estas consi<strong>de</strong>rações, a seguinte questão se coloca: a psicanálise po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>alguma forma contribuir para chegar a um entendimento mais a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong>sta longa história<strong>de</strong> quase três mil anos? É possível que sim.Vimos que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Bíblia um estado que incluí tristeza profunda, apatia, <strong>de</strong>sânimo,prostração, inibição generalizada, entre outros sintomas, é <strong>de</strong>scrito e observado entre os seres47
- Page 1 and 2: MARCO ANTÔNIO ROTTA TEIXEIRAA CONC
- Page 3 and 4: Dados Internacionais de Catalogaç
- Page 5 and 6: AGRADECIMENTOSMeus sinceros agradec
- Page 7 and 8: Ora, embora não haja dúvida de qu
- Page 9 and 10: ABSTRACTTEIXEIRA, M. A. R. Freudian
- Page 11 and 12: 3.2. Ambivalência e melancolia....
- Page 13 and 14: Ao analisar a trajetória de Iefimo
- Page 15 and 16: Introdução ao estudo freudiano da
- Page 17 and 18: apenas em 1917, Freud realiza um es
- Page 19: Capítulo 1Da melancolia à depress
- Page 26 and 27: uma visão baseada nos conflitos pe
- Page 28 and 29: Cláudio Galeno de Pérgamo (129-20
- Page 30 and 31: A melancolia era amplamente estudad
- Page 32 and 33: No renascimento, gradualmente o rac
- Page 34 and 35: Burton diz que a melancolia é uma
- Page 36 and 37: conhecem mais profundamente o passa
- Page 38 and 39: desacorrentamento dos alienados e i
- Page 40 and 41: a ser completamente medicalizada e
- Page 42 and 43: Nenhum tipo de regime de idéias ou
- Page 44 and 45: psiquiatria, o que soa irônico, j
- Page 48 and 49: humanos. Tal estado, chamado vagame
- Page 50 and 51: correlato de uma condição inerent
- Page 52 and 53: não consiste em exorcizá-la, já
- Page 54 and 55: construir uma teoria sobre estes es
- Page 56 and 57: ecebe uma classificação - um tipo
- Page 58 and 59: separação se justifica em sua pr
- Page 60 and 61: melancolia e central no texto Luto
- Page 62 and 63: confirmando. Abateu-se sobre o paci
- Page 64 and 65: perda e ambivalência. O primeiro a
- Page 66 and 67: intermediário, a uma sensação ex
- Page 68 and 69: influenciados pelo médico; o que e
- Page 70 and 71: elementos narcísicos e ambivalente
- Page 72 and 73: Talvez encontraremos alguma pista p
- Page 74 and 75: isto para nós é claro e evidente.
- Page 76 and 77: Assim, este registro estaria direta
- Page 78 and 79: Bleichmar (1983), em seu importante
- Page 80 and 81: configuração simultânea do eu e
- Page 82 and 83: Capítulo 2Metapsicologia I - Luto
- Page 84 and 85: como psiquiátricos; entretanto, po
- Page 86 and 87: Com a descoberta e a elaboração d
- Page 88 and 89: noção qualitativa seria a que car
- Page 90 and 91: internaliza as críticas morais atr
- Page 92 and 93: psicopatológico, inaugura um model
- Page 94 and 95: melancolia. Mas, em última instân
- Page 96 and 97:
de uma pessoa amada, ou à perda de
- Page 98 and 99:
De acordo com Freud (1917[1915]), q
- Page 100 and 101:
[...] cada vez que surgem as lembra
- Page 102 and 103:
Este objeto, que por algum motivo f
- Page 104 and 105:
permite ao sujeito abandonar a liga
- Page 106 and 107:
Sempre se sente uma pessoa limitada
- Page 108 and 109:
ele acrescenta a importância dos s
- Page 110 and 111:
É impossível abandonar a relaçã
- Page 112 and 113:
incentivo narcísico de continuar a
- Page 114 and 115:
Capitulo 3Metapsicologia II - Os el
- Page 116 and 117:
fenômeno central da relação anal
- Page 118 and 119:
3.1.1 Rumo ao conceito de narcisism
- Page 120 and 121:
mãe; coloca-se em seu lugar, ident
- Page 122 and 123:
amoroso de si próprio; seus instin
- Page 124 and 125:
amor, é idealizado e engrandecido,
- Page 126 and 127:
Um registro capital se introduz nes
- Page 128 and 129:
externo e dos objetos. Para Freud,
- Page 130 and 131:
os termos “vínculo narcísico”
- Page 132 and 133:
admirado, uma confiança básica em
- Page 134 and 135:
totalmente idealizada - como no cas
- Page 136 and 137:
No capítulo VII, denominado “Ide
- Page 138 and 139:
as características do objeto. Em r
- Page 140 and 141:
a ser odiado é trazido para dentro
- Page 142 and 143:
esvaziado e incapaz. A marca desta
- Page 144 and 145:
ideal do ego deixa de existir, pode
- Page 146 and 147:
de satisfazer ou sustentar as ideal
- Page 148 and 149:
mais prejudicial ele será. A fórm
- Page 150 and 151:
livro Freud afirma a existência de
- Page 152 and 153:
voltará a este tema no capítulo s
- Page 154 and 155:
As chamadas pulsões de morte, ao c
- Page 156 and 157:
Se nos remetermos ao estudo sobre o
- Page 158 and 159:
expressão do sadismo advindo da pu
- Page 160 and 161:
Capítulo 4A concepção freudiana
- Page 162 and 163:
ainda, em conjunção a qualquer es
- Page 164 and 165:
prostração diante deste. O desamp
- Page 166 and 167:
simbólico. Klein, e depois Winnico
- Page 168 and 169:
situações afetaram a estrutura do
- Page 170 and 171:
No segundo caso, aquele de situaç
- Page 172 and 173:
Mais do que procurar responder dire
- Page 174 and 175:
Vetter (1969) considera o fenômeno
- Page 176 and 177:
através da, agora possível, quím
- Page 178 and 179:
premissa de que estes estados são
- Page 180 and 181:
narcisismo do momento inicial da vi
- Page 182 and 183:
FARINHA, S. A depressão na atualid
- Page 184 and 185:
_____ (1939[1934-1938]). Moisés e
- Page 186:
PERES, U. T. Melancolia. São Paulo