<strong>de</strong>sacorrentamento dos alienados e inicia a era dos alienistas, os estudiosos da alienaçãomental, a loucura. Este ato dá início ao primeiro espaço rigorosamente médico para osalienados, pois, ao libertar os loucos, Pinel afirma que estes <strong>de</strong>vem ser submetidos a umtratamento asilar sob regime <strong>de</strong> completo isolamento: “Pinel dá início ao primeiro asilo<strong>de</strong>stinado exclusivamente aos alienados, o que se esten<strong>de</strong> posteriormente a Salpêtrière, e issopossibilita a observação sistemática da loucura pelo saber médico; nasce a clínicapsiquiátrica” (AMARANTE, 1996, p.50). Antes <strong>de</strong> se estabelecer como estudiosa dasperturbações mentais, a medicina buscava as causas físicas da loucura, mas não as encontrava;entretanto, Pinel, partindo <strong>de</strong> outras bases epistemológicas, as “causas morais”, elevou asperturbações mentais ao estatuto <strong>de</strong> objeto passível <strong>de</strong> ser estudado e tratado pela medicina,dando, assim, origem à medicina mental. Ao propor e possibilitar um tratamento para aloucura, ele aten<strong>de</strong> pelo menos a um dos pré-requisitos da medicina: a sua pretensão da“cura”.Pinel foi um dos principais <strong>de</strong>fensores do tratamento a<strong>de</strong>quado para as doençasmentais. Diferentemente dos médicos do século XVIII – que além <strong>de</strong> imporem bizarrasformas <strong>de</strong> “domesticação” aos doentes mentais, também não acreditavam em sua cura –, osestudiosos influenciados por Pinel no século XIX acreditavam que os loucos <strong>de</strong>veriam receberum tratamento justo e digno: “Pinel levanta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cura da loucura, por meio dotratamento moral, ao enten<strong>de</strong>r que a alienação é produto <strong>de</strong> um distúrbio da paixão, nointerior da própria razão, e não a sua alterida<strong>de</strong>” (AMARANTE, 1996, p.42). No entanto, olouco, e também o melancólico, eram privados do convívio com sua família, recebendo umlugar para se tratar e não interromper – atrapalhar e incomodar, melhor dizendo – o bomandamento da interação social (SOLOMON, 2002, p.296). Isto não era entendido como perda<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, e sim o contrário, pois o tratamento po<strong>de</strong>ria restituir ao homem a tal liberda<strong>de</strong>subtraída pela alienação. Seguindo a tradição da história natural e da filosofia doconhecimento <strong>de</strong> Locke, Pinel insiste que a loucura <strong>de</strong>veria ser rigorosamente observada,<strong>de</strong>scrita e classificada: eis o nascimento da nosografia. Ele foi, pois, o responsável pelonascimento e pela consolidação da medicina mental, estabelecendo para a loucura um estatutopatológico: “Com ele, a loucura passa a receber <strong>de</strong>finitivamente o estatuto teórico <strong>de</strong>alienação mental, o que impedirá profundas alterações no modo como a socieda<strong>de</strong> passará apensar e a lidar com a loucura daí por diante” (AMARANTE, 1996, p.42).Assim, com Pinel, no século XIX inicia-se a era das classificações e dos cuidadosasilares. Havia um interesse em <strong>de</strong>finir o que realmente era a <strong>melancolia</strong>, e os estados queantigamente eram vagamente classificados com este termo receberam uma infinita série <strong>de</strong>38
classificações em categorias e subcategorias (SOLOMON, 2002, p.296). Neste momento a<strong>melancolia</strong> passa também a ser alvo <strong>de</strong> estudo dos alienistas e é apropriada pela ciênciamédica. Para Pinel, a <strong>melancolia</strong> fazia parte dos quadros patológicos, sendo <strong>de</strong>scrita comouma doença cujas vítimas tinham fixação em um orgulho <strong>de</strong>smedido, po<strong>de</strong>ndo ser acometidos<strong>de</strong> abatimento, consternação e <strong>de</strong>sespero (AMARANTE, 1996; FARINHA, 2005; PERES,2003). Pinel usa o termo “mania” para se referir a qualquer tipo <strong>de</strong> loucura, assim comofaziam a maior parte dos textos gregos; no entanto, incentiva a observação e a <strong>de</strong>scrição paraque se realize uma correta classificação das diferentes formas <strong>de</strong> loucura (CORDÁS, 2002,p.73). Inaugura-se um período no qual o discurso médico se apropria da loucura, tornando-a,única e exclusivamente, uma doença mental (AMARANTE, 1996, p.37).Jean-Étienne Esquirol (1772-1840), discípulo <strong>de</strong> Pinel, <strong>de</strong>senvolveu seus trabalhos epreocupou-se em construir uma nosografia psiquiátrica. Ele consi<strong>de</strong>rava a loucura comoproduto da socieda<strong>de</strong> e das influencias morais e intelectuais. Para o médico francês, o termo“<strong>melancolia</strong>” era uma palavra <strong>de</strong>sgastada, <strong>de</strong> noção muito literária e um tanto vaga: “Apalavra <strong>melancolia</strong>, consagrada na linguagem vulgar para exprimir o estado habitual <strong>de</strong>tristeza <strong>de</strong> alguns indivíduos, <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>ixada aos moralistas e aos poetas que, nas suasexpressões, não são obrigados a tanta severida<strong>de</strong> quanto os médicos” (ESQUIROL apudPIGEAUD, 1998, p.62). Ele cunhou na França os termos “lipomania” (lypémanie -transtornos <strong>de</strong> humor) e “monomania triste” (mono-manie - transtornos <strong>de</strong> juízo), pararenomear, dividir e se opor à tão velha e já <strong>de</strong>sgastada <strong>melancolia</strong>. É o inicio <strong>de</strong> umasubstituição progressiva, que irá se concretizar no século XX, do termo “<strong>melancolia</strong>” pelonovo e científico termo “<strong>de</strong>pressão”: uma doença cerebral caracterizada por tristeza,abatimento e <strong>de</strong>sgosto <strong>de</strong> viver, acompanhados <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lírio em uma idéia fixa. SegundoEsquirol, a dor melancólica “não é uma dor que se agita, que se lamenta, que grita, quechora, é uma dor que cala, que não tem lágrimas, que é impassível” (ESQUIROL apudPIGEAUD, 1998, p.63). Em meio a esta <strong>concepção</strong> médica, no berço da promissora ciênciapsiquiátrica, encontramos uma espantosa afirmação <strong>de</strong> Esquirol que o aproxima da tesearistotélica do homem <strong>de</strong> gênio: os melancólicos “são muito aptos à cultura das artes e dasciências; eles têm pouca memória, mas suas idéias são fortes, suas concepções vastas; elessão capazes <strong>de</strong> profundas meditações” (ESQUIROL apud PIGEAUD, 1998, p.63).O médico alemão W. Griesinger (1817-1868) <strong>de</strong>clarou que todas as doenças mentaisseriam doenças do cérebro, e uma falha nesta estrutura <strong>de</strong>veria ser encontrada para ser tratadae curada. Apresentou também, pela primeira vez, a idéia <strong>de</strong> que algumas doenças mentais sãoapenas tratáveis, enquanto outras, curáveis. Assim, nas mãos <strong>de</strong> Griesinger, a <strong>melancolia</strong> veio39
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