Burton diz que a <strong>melancolia</strong> é uma doença tanto do corpo quanto da alma, e que para seutratamento o doente <strong>de</strong>ve abrir-se com seus amigos, buscar alegria e música. O principaltratamento, assim, consistiria em tratar diretamente as paixões e as perturbações da mente(SOLOMON, 2002, p.281).É por volta <strong>de</strong> 1660, segundo Solomon (2002, p.264), que o termo <strong>de</strong>pressão aparecepela primeira vez nos Estados Unidos, significando tristeza e <strong>de</strong>sânimo. No entanto, eleentrou em uso comum apenas no século XIX, na Europa, com o advento da psiquiatria.Lutero, na Reforma, instala a <strong>melancolia</strong> entre os gran<strong>de</strong>s homens ao impossibilitar aexpiação da culpa pelas ações. O barroco é dominado pelo espírito melancólico, herança <strong>de</strong>dois milênios, predominando neste universo o ensimesmamento, a autocontemplação e aculpabilização. O príncipe se torna o representante <strong>de</strong>ste estado melancólico, sujeito àfragilida<strong>de</strong>, à tristeza e ao insucesso. No séc. XVI e começo do XVII ainda imperava a teoriados quatros humores. A <strong>melancolia</strong> era comparada ao outono e à terra, com um humor frio eseco (PERES, 1996, 2003).Até então, a loucura era objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> filósofos, que tratavam das questões daalma, das paixões e da moral. Porém, nos fins do século XVII e início do XVIII, começam osestudos das perturbações mentais pelos precursores da medicina mental 4 . Estamos entrando naida<strong>de</strong> da razão, o Iluminismo, período no qual a ciência passa a se <strong>de</strong>senvolver num ritmoveloz, e as explicações científicas sobre a mente e o corpo dominam o pensamento. Esteséculo marca <strong>de</strong>finitivamente o <strong>de</strong>clínio do dogmatismo religioso. O Iluminismo écaracterizado por um pensamento <strong>de</strong> que o conhecimento e o <strong>de</strong>senvolvimento culturallevariam o homem a um mundo melhor.Ocorre então uma mudança na <strong>concepção</strong> <strong>de</strong> loucura. A teoria milenar <strong>de</strong> Hipócratescomeça a ser <strong>de</strong>ixada <strong>de</strong> lado e uma nova maneira <strong>de</strong> se compreen<strong>de</strong>r o corpo e as doençascomeça a se estabelecer. Alguns médicos como William Cullen (1710-1790) e VicenzoChiarugi (1759-1820) <strong>de</strong>senvolviam teorias sobre o cérebro estar em colapso ou <strong>de</strong>sarranjo, oque acarretaria estados <strong>de</strong> loucura. Para Cullen a <strong>melancolia</strong> seria fruto <strong>de</strong> uma disfunçãonervosa (CORDÁS, 2002, p.63-4).Thomas Willis <strong>de</strong>senvolve o que se consi<strong>de</strong>ra a primeira teoria química coerente paraexplicar a <strong>melancolia</strong>. Aqui não temos a presença da teoria humoral. Em O Homem máquina,4 Termo do século XIX usado para se referir à corrente da medicina que se <strong>de</strong>dicava a estudar as perturbaçõesmentais, isto é, os estados daqueles que eram chamados <strong>de</strong> “os alienados” (cf AMARANTE, 1996). SegundoCordás (2002, p.74), Esquirol afirmava que a psiquiatria <strong>de</strong>via ser entendida como uma medicina mental,<strong>de</strong>vendo buscar sua base na anatomia cerebral.34
publicado em 1747, Julien Offray <strong>de</strong> La Metrie sugeriu que o homem era nada mais do que oconjunto <strong>de</strong> substâncias químicas, engajadas em ações mecânicas. A <strong>melancolia</strong> é, então, nadamais do que um mau funcionamento da máquina humana. Friedrich Hoffman, na mesmalinha, sugere que a <strong>melancolia</strong> seria uma doença hereditária que acompanha o homem portoda a sua vida (SOLOMON, 2002, p.288).O século XVIII, segundo Solomon, foi o pior período, <strong>de</strong>pois da inquisição, para aloucura. O auge da <strong>melancolia</strong> branca do século XVII encontraria seu <strong>de</strong>clínio e seu oposto:<strong>de</strong> condição valorizada, ela passa agora a uma condição marginalizada. Os doentes mentaissão tratados como marginais e incuráveis: eles eram trancados sem nenhuma expectativa <strong>de</strong>melhora nos gran<strong>de</strong>s asilos, chamados hospitais gerais, juntamente com todo tipo <strong>de</strong>marginalizados, pervertidos, miseráveis, <strong>de</strong>linqüentes e leprosos (AMARANTE, 1996, p.39).O espírito romântico retoma a <strong>melancolia</strong> pelas seguintes qualida<strong>de</strong>s: inibição, solidão,amargura e tristeza. Vemos o nascimento <strong>de</strong> uma corrente contrária à da ida<strong>de</strong> da razão, e avisão puramente científica do homem. No romantismo, movimento que se inicia no final doséculo XVIII, a <strong>melancolia</strong> foi uma marca constante, já que <strong>de</strong>signava o amor pelos aspectosselvagens e melancólicos da natureza. A <strong>melancolia</strong> retorna mais amada do que na época darenascença. Segundo esta visão, ela é atributo <strong>de</strong> valor: seu estado é valorizado, algo que nosremete diretamente à tese aristotélica (GINZBURG, 2001; PERES, 1996, 2003). Na correnteromântica, a <strong>melancolia</strong> era vista mais como fonte <strong>de</strong> conhecimento, uma maneira <strong>de</strong> ficarmais próximo da verda<strong>de</strong>, do que como loucura (SOLOMON, 2002, p.289).Solomon (2002, p.282) distingue o romantismo em duas linhas, a poética e afilosófica. A linha poética era representada por escritores da época. Goethe, na Alemanha,com sua tristeza-do-mundo, esforçava-se por mostrar a natureza tempestuosa e trágica daexistência. Na França, Bau<strong>de</strong>laire, representante do romantismo francês, apresenta o mundofrio e triste, sendo impossível para o homem transcen<strong>de</strong>r a <strong>melancolia</strong>. A Itália é representadapor Giacomo Leopardi e por sua idéia <strong>de</strong> que o dom do homem é morrer. O inglêsWordsworth consi<strong>de</strong>ra a passagem do tempo e a impotência humana frente a ela como fatoresinerentes à <strong>melancolia</strong>. Do mesmo modo John Keats, em sua O<strong>de</strong> à <strong>melancolia</strong>, refere-se aeste mal pela insuportável tristeza <strong>de</strong> uma temporalida<strong>de</strong> que faz da coisa mais querida a maistriste, não havendo assim nenhuma separação entre a alegria e o sofrimento.Ainda conforme nos mostra Solomon (2002), a linha filosófica do romantismo apareceem Hegel, Kierkegaard, Shopenhauer e Nietzsche. Para o primeiro, o homem nasce na afliçãoe nela permanece, sendo que aqueles que vivem intimamente com esta aflição são os que35
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