Cláudio Galeno <strong>de</strong> Pérgamo (129-200) compartilhava com as visões <strong>de</strong> seusantecessores: uma falha na função do baço <strong>de</strong> absorver a bílis negra do sangue transforma-oem um <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> humor estagnado, o qual causaria a <strong>melancolia</strong> pela ascensão do vapornegro. Embora consi<strong>de</strong>re a origem orgânica da doença, para ele a loucura tinha uma naturezahíbrida: é orgânica por ter início com um <strong>de</strong>sarranjo humoral, mas é também psicológicaporque o sintoma é o distúrbio <strong>de</strong> uma faculda<strong>de</strong> mental. A se<strong>de</strong> da loucura, então, passa a sero cérebro. Caberia aqui observar a <strong>de</strong>scrição que Galeno faz da <strong>melancolia</strong>, que écaracterizada por frieza e secura; o sujeito melancólico é magro, pálido, taciturno, lento,silencioso, <strong>de</strong>sconfiado, invejoso, ciumento, sofre <strong>de</strong> insônia e é solitário, sendo a solidão,juntamente com a inativida<strong>de</strong>, conseqüências da <strong>melancolia</strong> (SCLIAR, 2003, p.72). Ossujeitos melancólicos, diz o autor, estão sempre tomados pelo medo e pela tristeza. Noentanto, enquanto alguns <strong>de</strong>sejam morrer, outros temem a morte (PESSOTI, 1994, p.75).Trata-se <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scrição bem coerente com muitos dos quadros clínicos que atualmenteconhecemos como <strong>de</strong>pressão. A dieta é a recomendação para o tratamento. Os alimentos friose secos causam <strong>melancolia</strong> e os quentes e úmidos combatem-na. Nos escritospsicopatológicos medievais, renascentistas ou seiscentistas, as classificações da loucura serãopequenas variações das concepções <strong>de</strong> Galeno (PESSOTI, 1999, p.26).A Ida<strong>de</strong> média tem início com a queda do império romano, por volta do século V d.C.Na primeira meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta época, temos um predomínio do saber religioso e do <strong>de</strong>correnteabandono dos textos clássicos, principalmente do pensamento científico greco-romano, tãodifundido outrora. Os estudos eram realizados por padres e monges, e sempre estavamrelacionados às escrituras sagradas. Os conhecimentos médicos eram permeados peloteológico e pela idéia da cura divina. Assim, o paradigma da loucura <strong>de</strong>sta época era baseadona culpa, no pecado, nas bruxarias e nas diversas formas que o <strong>de</strong>mônio pu<strong>de</strong>sse assumir. Aor<strong>de</strong>m predominante era <strong>de</strong>rrotar as doenças pela fé, como Jesus fazia nas histórias bíblicas. Ateoria dos humores, como a bile negra é também chamada, é sempre tida como causasecundária, sendo a primeira relacionada a um castigo <strong>de</strong> Deus ou a uma tentação do diabo. Otermo “acédia” – que significa preguiça, apatia, tristeza ou <strong>de</strong>sespero – é consi<strong>de</strong>radocorrespon<strong>de</strong>nte ao termo “<strong>melancolia</strong>” da era medieval. De acordo com Cordás (2002, p.34), aacédia da ida<strong>de</strong> média po<strong>de</strong> estar relacionada a três aspectos: um estado doentio análogo à<strong>melancolia</strong>, à preguiça e à indolência em relação às obrigações religiosas, e à falta <strong>de</strong>adoração e <strong>de</strong>voção a Deus.28
No período que vai da Ida<strong>de</strong> média ao século XVI, temos uma corrente, representadapor Agostinho e Tomás <strong>de</strong> Aquino, que Pessotti (1994, 1999) <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> <strong>concepção</strong><strong>de</strong>monista. As formas aberrantes <strong>de</strong> conduta, como as insanida<strong>de</strong>s mentais, são explicadasatravés do conceito <strong>de</strong> possessão diabólica. Assim, a <strong>melancolia</strong>, segundo esta <strong>concepção</strong>,seria vista como expressão <strong>de</strong> uma possessão <strong>de</strong>moníaca, ou con<strong>de</strong>nação divina em<strong>de</strong>corrência do pecado. Como o discurso e o comportamento do melancólico são muitoincomuns, torna-se inevitável, segundo esta doutrina, a atribuição <strong>de</strong>stas manifestações aospo<strong>de</strong>res ou às possessões dos <strong>de</strong>mônios. Segundo Solomon (2002, p.271-72), para Agostinho,a <strong>melancolia</strong> era especialmente prejudicial, uma vez que suas manifestações doentiassugeriam que o melancólico não estaria coberto pela graça divina, ou simplesmente não teriareconhecido tal graça. Assim, a <strong>melancolia</strong> consistia em um afastamento do sagrado queacabava sendo vista como uma prova da possessão <strong>de</strong>moníaca.Cassiano (séc. V) usa os salmos da Bíblia para revelar o <strong>de</strong>mônio do meio-dia, que foiassociado à <strong>melancolia</strong>, que teria vindo arrancar a alma do homem <strong>de</strong> Deus. Para Cassiano, omelancólico <strong>de</strong>via ser abandonado por todos e colocado para fazer trabalhos manuais. ComTomás <strong>de</strong> Aquino, chegamos à época da inquisição. Para ele, a <strong>melancolia</strong> era uma doença daalma. Neste período, iniciado por volta do séc. XIII, os melancólicos podiam ser comumentepresos por seu pecado e i<strong>de</strong>ntificados como hereges. Assim, <strong>de</strong> maneira irônica, a fogueirapassa a ser o principal tratamento psiquiátrico para os doentes mentais. A acédia, ocorrespon<strong>de</strong>nte da atual <strong>de</strong>pressão, era tida como um pecado composto, e con<strong>de</strong>nável. Osmonges eram especialmente propensos a <strong>de</strong>senvolvê-la, com manifestações <strong>de</strong> exaustão,apatia, tristeza, aversão à cela, à vida ascética, e também um insistente anseio pela família epela vida anterior. Em escritos da época encontramos: “No momento em que Adão<strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ceu à lei divina, naquele exato instante, a <strong>melancolia</strong> coagulou-se em seu sangue”.De maneira geral, Solomon (2002, 271-72) aponta que a ida<strong>de</strong> média moralizou a <strong>melancolia</strong>e foi responsável pelo estigma ainda hoje presente na <strong>de</strong>pressão.Enquanto a religiosida<strong>de</strong> domina a Europa oci<strong>de</strong>ntal, tornando-a um lugar inóspitopara pensadores, o mundo árabe recebe refugiados e perseguidos com entusiasmo. Ospensadores gregos migram para o império árabe para continuar produzindo e difundindo opensamento greco-romano. Em certa época, as escolas islâmicas tinham a medicina comoprimeira ciência grega a ser estudada. Assim, os doentes mentais não eram perseguidos ouqueimados na fogueira, mas estudados e tratados, mesmo que <strong>de</strong> maneira rudimentar. Já nofinal do século X, quase todas as obras científicas gregas haviam sido traduzidas para o árabe.29
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